Manifestantes protestam contra os desmandos do banco Santander
Leonardo Wexell Severo
 
“Devido à sua catástrofe fiscal, Porto Rico enfrenta agora uma crise humanitária. Quase a metade dos porto-riquenhos é pobre, 37% das crianças vivem na pobreza extrema e o desemprego supera os 12%. A expectativa é que 600 das 1.400 escolas da ilha fechem nos próximos anos. Os hospitais não têm pessoal suficiente, lutam para pagar as faturas dos serviços públicos…”
Estas e outras verdades sobre a dramática situação da colônia dos Estados Unidos faz parte da investigação “Piratas do Caribe – Como o Controle do Santander sobre o Banco Governamental de Fomento de Porto Rico (BGF) piorou a Catástrofe fiscal para os porto-riquenhos”.

Por não ser um estado de pleno direito dos EUA, Porto Rico não pode receber um único resgate público para os 3,6 milhões de habitantes que ali vivem (outros 4,7 milhões encontram-se nos Estados Unidos). Assim, desde que se declarou falida no ano passado, a ilha caribenha precisou recorrer ao banco espanhol, que lucrou mais de US$ 1 bilhão com o pagamento de juros da dívida.
A investigação realizada pelas organizações Hedge Clipers, Comitê para Bancos Melhores e Federação de Trabalhadores de Porto Rico é a primeira de três sobre os caóticos impactos da parasitagem financeira e vem estimulando uma série de manifestações contra os desmandos do Santander. Uma pesquisa que descreve como a imposição de juros estratosféricos (mais de 300% em alguns casos) e a cessão de gordos privilégios aos especuladores externos turbinaram a dívida da colônia até chegar aos insustentáveis níveis da atualidade, em que atinge o patamar de 100% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
 
NEOLIBERALISMO
 
Ao mesmo tempo em que catapultava os lucros via juros, o Santander – por meio de dois diretores, Carlos García e José González – forçava o governo local a adotar um rígido programa neoliberal, com violentos cortes nas áreas sociais e privatizações no setor educativo, sanitário e de aposentadorias, agudizando ainda mais a já precária situação. Como resultado, segundo dados do próprio governo, 46,1% da população vive abaixo da linha da pobreza.
A investigação descreve a trama, passo a passo. “O banco Santander estava bem posicionado para beneficiar-se da explosão da dívida pública de Porto Rico. Em 1996, contratou José Ramón González para dirigir sua agência de corretores de investimentos, denominada Valores Santander. González, que havia sido chefe do BGF entre 1986 e 1989, tocou o negócio e vinculou seu destino ao mercado da dívida de Porto Rico. Ao mesmo tempo em que desenvolvia seu trabalho como diretor geral do Valores Santander durante o período 1996-2001, González também constituiu uma série de fundos de investimento conhecidos como ‘First Puerto Rico’ – por priorizar a dívida da ilha. Em 2002, González foi nomeado diretor executivo da holding do banco, conhecido como BanCorp, em que esteve até 2008, enquanto seguia sendo o diretor do Valores Santander. Foi substituído como diretor-executivo do Valores Santander por Carlos García. García chegou a Valores Santander em 1997 para ajudar González a criar uma operação de investimento para realizar emissões de bônus locais”, logo atuando “como um dos principais banqueiros do governo de Porto Rico”.
“Carlos García foi nomeado para a direção do Banco Governamental em 2009 pelo governador Luis Fortuño, que colocou em marcha um ‘plano de austeridade’ quando assumiu o cargo, levando à demissão de dezenas de milhares de funcionários públicos, à privatização dos ativos públicos e a cortes de impostos seletivos e associações público-privadas”, denuncia o informe. Conforme o documento, para dirigir o BGF, “García formou uma equipe de executivos e ex-executivos do Santander que mantiveram seu controle sobre o BGF durante toda a administração de Fortuño. Em 2011, García deixou o BGF para voltar ao Santander, enquanto o executivo do Santander, Juan Carlos Batlle, se transferiu para substituir Carlos García como presidente do BGF, e seu irmão Fernando Batlle deixou o BGF para tornar-se o presidente executivo do Valores Santander”. Uma “troca constante de irmãos” para manter a parasitagem permanente aos cofres públicos.
 
CORDA NO PESCOÇO
 
O fato é que durante o governo de Fortuño, enquanto a colônia estadunidense “ficava cada vez mais endividada” e subjugada, forçada a investir menos recursos em infraestrutura e seguridade social, era criada uma demanda por “bônus triplamente isentos de impostos”. Com o BGF cada vez mais dependente, adotando técnicas de “engenharia financeira” altamente duvidosas, os bônus “geravam mais receita por honorários para o Santander”. Além do conglomerado espanhol, foram beneficiados com o crescimento vertiginoso da dívida de Porto Rico algumas poucas arapucas selecionadas a dedo para subscrever os bônus do BGF, como o Citigroup, Goldman Sachs e Merrill Lynch. Contemplando, objetivamente, de fio a pavio os interesses norte-americanos.
Os pesquisadores examinaram 90 acordos de dívida nos quais o Santander participou como avalista, “que alcança US$ 61,2 bilhões – quase igual à dívida pendente de Porto Rico, que se estima ser de US$ 70 bilhões”. “Como território não-incorporado, portanto sem autoridade legal para reestruturar sua dívida, Porto Rico enfrenta uma catástrofe fiscal e uma crise humanitária sem precedentes. Wall Street viu a crise da dívida como uma oportunidade e os banqueiros foram capazes de se aproveitar dela tanto como una oportunidade de negócio como para a formulação de políticas”, destaca o documento.

 

“Com ironia surpreendente, García e González, que ajudaram a desenhar e comercializar os bônus que deixaram Porto Rico na dependência, recentemente foram nomeados por políticos estadunidenses para dois dos sete postos da Junta de Controle Fiscal”, aponta o relatório. Vale lembrar que García e González foram nomeados em 2016 para compor a Junta – que tem o poder efetivo sobre a dívida de Porto Rico – ao lado de representantes dos Partidos Republicano e Democrata dos EUA e da Comissão de Controle Fiscal. O governador de Porto Rico é o único dos membros da Comissão sem direito a voz nem voto. “A Junta tem a autoridade de decidir como reestruturar a dívida, a quais detentores de bônus se pagará e quanto receberão. Ou seja, a Junta tem o futuro de Porto Rico em suas mãos”.

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