Desde ontem à noite, quando ficou definido o resultado da eleição presidencial argentina, ouvimos por todos os meios de comunicação tentativas de entender e explicar o que significará a nova gestão do país que amarga desvalorizações quase diárias da moeda, fenômeno que nós brasileiros desconhecemos desde o final do governo de José Sarney, o primeiro presidente civil depois da ditadura militar.

CAIO TEIXEIRA, de Buenos Aires

Milei, assim como Bolsonaro, nunca escondeu o que pretendia. Sempre deixou explícitas as promessas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central e privatizar absolutamente tudo o que ainda não foi entregue. Nas suas primeiras manifestações o presidente eleito já afirmou que vai privatizar os meios de comunicação públicos e a empresa petroleira YPF pela segunda vez. Depois de vendida por Menen, ela foi reestatizada por Cristina Kirchner. Apesar de esta segunda-feira pós-eleição ter sido feriado na Argentina, as ações da YPF já subiram na Bolsa de Nova Iorque, deixando claro o interesse do capital internacional em literalmente comprar o país vizinho.
Muitos economistas prevêem uma corrida ao dólar tão logo abra o mercado nesta terça (21) o que deve provocar o aumento drástico do seu valor e consequente impacto na capacidade de compra dos salários pagos em pesos que começam a desvalorizar no momento em que são recebidos.

Milei conseguirá maiorias no Congresso para aprovar seu programa?

Do Brasil, a maior interrogação é se Milei terá maioria no Congresso para aprovar suas mudanças radicais. Pois bem, os peronistas elegeram 107 deputados na coalizão de Massa e mais 7 dissidentes independentes que se posicionam à direita da bancada majoritária, cujos votos são sempre uma incógnita. A direita tradicional da coalizão Juntos por el Cambio, de Patrícia Bullrich vai contar com 94 deputados que tendem a atuar em bloco com os 39 deputados eleitos pela coalizão de Milei. Além, desses há mais 4 deputados da Frente de Esquerda e outros 6 não alinhados com nenhuma dessas forças. No Senado a situação é mais favorável aos peronistas que elegeram 35 senadores contra 24 do Juntos por el Cambio de Bullrich, 7 de Milei, 3 peronistas de direita e outros 3 não alinhados a nenhum desses.
Para aprovação de leis comuns é necessário o voto de metade mais um dos membros de cada casa, e, em alguns casos, apenas dos presentes e o novo governo em tese os teria. Já para reformas constitucionais, o quórum exigido é de 3/5, ou seja 155 deputados e 43 senadores e Milei não os tem. Ou seja, se votarem em bloco os peronistas conseguem sozinhos impedir qualquer reforma constitucional, mas não são suficientes para impedir aprovação de leis ordinárias. Entretanto, a direita de Milei-Bullrich escolherá os presidentes da Câmara e do Senado para o que necessitam apenas de maioria simples.

Não vai ser tão fácil

Ocorre que durante o governo de Carlos Menen, contemporâneo de Fernando Henrique Cardoso no Brasil e parceiro na implementação do neoliberalismo nos anos 90, se eliminou da Constituição os impedimentos para privatizar estatais, necessitando para isso apenas uma lei. Entretanto para extinguir a moeda nacional e o Banco Central é necessária uma reforma constitucional e isso só será possível se os direitistas conseguirem cooptar deputados e senadores peronistas. Para dolarizar a economia do país, Milei vai ter muito trabalho e obstáculos. Além disso, enfrentará interesses de parte empresariado e dos bancos que durante a campanha já se manifestaram, contrários à medida. Talvez sabendo das dificuldades, ele já admitiu que o processo de troca de moeda pode durar de 12 a 18 meses. A medida atende diretamente aos interesses estadunidenses que querem a todo custo impedir o abandono do dólar como moeda de transações internacionais em curso no mundo a partir da iniciativa dos BRICS e do próprio Mercosul que já deixou de utilizar aquela moeda no comércio entre os membros do grupo. Neste sentido, o presidente eleito da Argentina já declarou que a política externa do país se alinhará aos EUA e Israel, que serão destino de suas primeiras visitas oficiais, exatamente como fez Bolsonaro.

Trabalhadores preparem-se para as primeiras medidas

Durante esta segunda-feira Milei falou a diversos veículos de comunicação e antecipou algumas medidas que devem ser prioritárias e outras nem tanto. Os trabalhadores que o agraciaram com seus votos já podem ter uma ideia do que os espera.
Dentre outras coisas, fiel ao princípio de Estado Zero, prometeu revogar a “Lei dos Aluguéis”, uma conquista dos inquilinos que estabelece prazo mínimo para os contratos, índices máximos de reajuste, proibição de cobrança antecipada e de vinculação ao dólar, dentre outras garantias essenciais a quem vive de salários. Os aluguéis serão tratados como contratos comerciais acertados livremente entre proprietários e inquilinos estabelecendo assim, a “liberdade” dos especuladores de cobrar o que bem entenderem.
Sobre a YPF, disse que vai demorar até dois anos para privatizar pois a empresa tem que ser preparada antes de colocada à venda. A “preparação” é o padrão em todas as privatizações e significa demissão em massa para que os novos donos possam recontratar pela metade do salário. É o que acontece em 100% dos casos.
As melhorias no valor ridículo das aposentadorias, promessa de campanha, vão ter que esperar, sem prazo, pois “há outros temas na frente”.
A espera não fica por aí. O primeiro ato anunciado para o “ajuste fiscal” será paralisar as obras públicas, o que, segundo economistas pode significar de imediato algo em torno de 250 mil empregos extintos. Aliás, ele afirmou textualmente que “o setor público vai pagar o ajuste”. Ou seja, preparem-se para o pior servidores públicos, vocês vão perder empregos e direitos e os usuários amargarão cortes nos serviços essenciais. E preparem-se logo para golpes duros pois o futuro presidente avisou: “não há lugar para gradualismos nem fraquezas”. Em nome da “liberdade”, o autointitulado “libertário” avisa que serão anulados todos os controles de preços impostos pelo Estado.
Finalmente, sobre a política monetária, perguntado sobre a dolarização, avisou que a primeira medida será fechar o Banco Central e deixar as pessoas livres para escolher que moeda usar. E pensem bem antes de protestar pois Milei, hoje, deixou claro que vai reprimir duramente manifestações. Tudo em nome da Liberdade, é claro.

 

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