De forma unânime, o conjunto dos partidos da oposição chilena decidiu nesta terça-feira (5) apresentar na próxima semana um pedido de impeachment contra o presidente Sebastián Piñera por ter agido criminosamente, em benefício próprio e da família numa negociata de US$ 152 milhões.

Segundo as denúncias, Piñera estava apenas há nove meses no Palácio de La Monera quando acertou a compra-venda de sua parte na Mineradora Dominga, com o amigo de infância Carlos Alberto Délano, mediante um documento assinado por US$ 14 milhões no país e outro de US$ 138 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas – paraíso de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Délano foi posteriormente condenado por delito tributário e financiamento ilegal de lideranças e organizações políticas.

A informação sobre as transações veio a público pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) no domingo (3) entre os mais de onze milhões de documentos revelados pelos “Pandora papers”. A revelação caiu como uma bomba ao comprovar que o presidente agiu criminosamente para evitar o pagamento de impostos, numa operação incompatível e repleta de tráfico de influência, já chamado no Chile de “Piñera papers”.

“As várias forças políticas de oposição concordaram em apresentar uma acusação constitucional contra Piñera sob dois fundamentos: infringir abertamente o princípio da probidade estabelecido no artigo oitavo e comprometer gravemente a honra da Pátria”, explicou o chefe da bancada do Partido Socialista (PS), Jaime Naranjo. Em nome de todos os partidos de oposição, Naranjo explicou que a acusação será apresentada ao Congresso o mais rapidamente possível, a fim de ser votada antes da eleição presidencial de 21 de novembro.

Na avaliação do deputado Daniel Núñez, do Partido Comunista (PC), o conjunto dos parlamentares espera que a ação seja votada antes das eleições, porque “é importante que a cidadania saiba tudo o que se passou e de todas as atitudes indecorosas, sendo sutil, que manteve Piñera”. Afinal, sublinhou Núñez, “a negociata é realmente escandalosa. A Mineradora Dominga já era um projeto altamente questionado pelas irregularidades que o acompanhavam em sua tramitação ambiental, obviamente por seu caráter altamente contaminante”.

Conforme apurado, a venda de 33% das ações do projeto Mineiro-Portuário Dominga, estava condicionada a de que não houvesse mudanças regulatórias que lhe trouxessem nenhum inconveniente. A tenebrosa transação já havia motivado uma investigação pelo Congresso chileno, que concluiu, pelo menos, supor que Piñera “procurou beneficiar a mineradora Dominga”. O setor de La Higuera e Punta de Choros, onde se previa a instalação da mineradora, é adjacente à Reserva Nacional Pingüino de Humboldt, um conjunto de oito pequenas ilhas habitadas por espécies protegidas.

O Ministério Público do Chile também decidiu atuar neste caso e ordenou à Unidade Anticorrupção do Ministério Público que analise a existência de possíveis crimes tributários, tráfico de influência ou negociações incompatíveis.

A deputada Marcela Hernando, do Partido Radical, (PR) disse estar convencida de que o chefe de Estado “tomou decisões que tinham clara relação com os seus negócios e que sempre beneficiaram a amigos próximos”.

Dentro do meio governista também aumentaram os “desconfiados”, entre eles a deputada Camila Flores, que declarou que “custa acreditar que o presidente da República não tenha tido conhecimento deste negócio”.

Despencando cada dia mais nas pesquisas, o candidato de Piñera e do seu bloco, Sebastián Sichel, pediu maior dedicação para sanar dúvidas se existe um “conflito de interesses” e que este deve ser esclarecido.

O deputado Gabriel Ascencio, do Partido Democrata Cristão (DC), defendeu que “a acusação constitucional tem grandes fundamentos”, como “o fato de suas atuações comprometerem gravemente a honra da nação, a imagem do Chile no exterior fica profundamente prejudicada”.

Historiador e especialista em Relações Internacionais e em Direitos Humanos, o chileno Nicolás Retamal Rivera avalia que “Piñera sempre teve um conflito latente entre a política e os seus negócios”. “Sua carreira política, a partir de que foi senador e duas vezes presidente do Chile, nunca deixou clara a linha divisória e chega ao ponto de que quando foi presidente da LAM (atual LATAM) foi multado pelas autoridades chilenas pelo uso de informação privilegiada”, acrescentou.

“O que temos é um presidente que tem um problema de ludopatia financeira [transtorno reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na sua classificação Internacional de Doenças, que afeta as pessoas de forma patológica, as quais ficam reféns da compulsão pelo jogo]. Este tipo atua na Bolsa de Valores, joga na Bolsa, o país perde e nenhum deles está preso. Como analista, eu diria que o povo chileno se cansou deste tipo de abusos”, concluiu Retamal.

LEONARDO WEXELL SEVERO

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