“Vítimas são presos políticos”, sublinha o líder religioso, referência dos movimentos sociais na luta por justiça no campo e na cidade
 
Leonardo Wexell Severo
O jesuíta e jornalista espanhol Francisco Oliva, conhecido no Paraguai como Pa’i Oliva – pela denominação dos sacerdotes em guarani – completou 89 anos, sábado (14), com uma enfática defesa da inocência dos camponeses de Curuguaty. Principal referência religiosa do país vizinho, Oliva sublinha que “as vítimas são presos políticos de um sistema que busca uma condenação exemplar para os que lutam”, mantendo uma estrutura em que 2,5% dos proprietários detêm 85% das terras.

No dia 15 de junho de 2012, um “confronto” entre 324 policiais e cerca de 60 camponeses – metade deles idosos, mulheres e crianças – resultou na morte de 17 pessoas em Curuguaty. Pelo sangue vertido dos seis policiais e 11 agricultores, os acampados foram declarados culpadas pela “Justiça”. O camponês Rubén Villalba recebeu a condenação mais dura (35 anos), seguido de Luis Olmedo (20 anos), Arnaldo Quintana e Nestor Castro (18 anos). Mulheres, Fani Olmedo, Dolores Lopez e Lucia Aguero foram condenadas a seis anos de cárcere e estão em prisão domiciliar.
“Por trás de Curuguaty, há mais do que pensamos”, ressaltou Pai Oliva, pois a promotoria que substituiu Jalil Rachid – vinculado à quadrilha do general Alfredo Stroessner (1954-1989) – expressou claramente a necessidade de penas duras para que os camponeses não ocupassem mais terras públicas. Afinal, elas já haviam sido doadas pela ditadura a fazendeiros, que sustentam os juízes e determinam suas sentenças.
Leonardo Severo com Pai Oliva, em frente ao Tribunal de Assunção

“Se deu a Curuguaty uma grande importância”, assinalou, para que os camponeses ficassem quietos. “Isso é muito forte, porque o julgamento, a apelação e tudo o que veio depois foi orientado para isso. Porque, obviamente, não foram escopetas para matar coelhos que mataram os policiais, mas fuzis. Mais do que uma causa jurídica, é uma farsa jurídica para dar força política a uma só idéia: frear os camponeses em sua busca por justiça, terra e liberdade”, frisou.

Nascido em Sevilla, o sacerdote avalia que “voltou a nascer” em 1964, quando chegou ao Paraguai, que “mudou meu pensamento político e social”. Até então, disse, “tinha vivido na Espanha uma religião separada da realidade. Aqui me dei conta de que uma fé autêntica precisa estar comprometida com o seu entorno”. Por isso, fundou a rádio da Universidade Católica de Assunção, já que “os meios de comunicação têm um papel importantíssimo nos avanços sociais, porém seguem em mãos dos que não querem mudanças”.
PERSEGUIÇÃO
Por despertar a consciência crítica dos mais jovens, nos anos 60 a ditadura de Stroessner o deteve “um mês após de que obtive a nacionalidade paraguaia”, acusado de ser “o Lenin dos camponeses”. Seis policiais o levaram em uma canoa que cruzou o rio Paraguai até o lado argentino, onde as autoridades o salvaram de ser “um desaparecido mais”. Dali foi para Buenos Aires, onde trabalhou nove anos com refugiados. Perseguido pela ditadura em 1976, acusado de ser um enlace com os soviéticos, conseguiu deixar a Argentina. Viveu na Nicarágua por sete anos, aprendendo e contribuindo com a revolução sandinista.

 

Em 1996, após 27 anos de exílio da pátria guarani, Pai Oliva pratica o sacerdócio em várias capelas da região dos banhados de Assunção, a periferia abandonada da capital, onde mantém uma escola de formação secundária, uma rádio comunitária que não c essa de denunciar a injustiça e pedir a liberdade dos presos de Curuguaty, um restaurante para deficientes físicos, tendo ainda fundado uma cooperativa para mães solteiras.

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