Juízes brasileiros recebidos pela direção da
organização isaelense de direitos humanos B’Tselem, em Jerusalém. Na foto, Caio
(jornalista), Gabriel (advogado), Ana (juíza), Hagai (diretor executivo de
B’Tselem) e Reginaldo (juiz) – foto Nathaniel Braia


A organização israelense B’Tselem, cujo trabalho é
levantar e denunciar a sistemática agressão aos direitos humanos palestinos por
parte do governo israelense através de suas tropas de ocupação, recebeu juízes
brasileiros em sua sede localizada em Jerusalém. Hagai El Ad, diretor executivo
da 
B’Tselem fez uma ampla exposição dos trabalhos realizados aos juízes
Reginaldo Melhado e Ana Cristina Borba, que estiveram na sede da entidade, no
dia 28. Os juízes estiveram acompanhados pelo advogado Gabriel Melhado e pelos jornalistas Caio Teixeira e Nathaniel Braia.
Esta matéria integra uma série de entrevistas e material
jornalístico levantado durante a recente viagem a Israel, na qual buscaram aprofundar o conhecimento acerca da tensa realidade que o conflito causado pela
usurpação do povo palestino provoca não apenas entre os palestinos, mas também de como se reflete no interior desta sociedade.

Nathaniel Braia (Hora do Povo) e Caio Teixeira (ComunicaSul), de Jerusalém

Segue o relato desse encontro:

Hagai El Ad – Iniciamos o nosso trabalho com a intenção de
documentar e divulgar os fatos da opressão sobre o povo palestino para que os
integrantes da sociedade israelense se erguessem – por razões morais – contra a
agressão aos direitos humanos nos territórios palestinos por parte das forças
israelenses de ocupação.

O que nós verificamos ao longo dos anos de trabalho é que o
ataque aos direitos palestinos, embora mudando de forma em um aspecto ou outro,
foi uma constante durante décadas. Houve uma redução destes ataques, de forma
breve, durante o governo de Rabin, mas isso foi exceção.

Esse ataque constante, é uma das consequências principais de
um projeto que tem como intenção última despossuir os palestinos de sua terra.

Este é um quadro que prossegue e, infelizmente não sofreu
nenhuma mudança fundamental.

O projeto tem tido sucesso. O avanço israelense foi
acontecendo ao longo do tempo. A medida do seu sucesso é a apatia da sociedade
israelense com relação a ele. Uma das demonstrações de seu sucesso está na passagem
da ideia de que não existe tal projeto.

E, ao lado da ideia de que não existe tal projeto, temos a
de que a sociedade israelense é uma democracia, como é propalado e em grande
parte é visto pela maioria das pessoas mundo afora.

E como se obteve este sucesso?


Hagai, diretor executivo de B’Tselem, com
Nathaniel Braia – foto – Caio Teixeira




EXECUÇÃO GRADUAL

Uma das medidas adotadas para garanti-lo foi fazer as coisas
de forma gradual, com relativa lentidão.

Vocês sabem, se nota menos quando é feito um assentamento de
cada vez, durante 52 anos, uma demolição de casa vez por outra, de forma que ao
longo de tantos anos se obtém um bocado de resultados.

Se isso fosse realizado em um ano, todo o mundo iria ficar
alarmado. Mas, fazer o mesmo de forma paciente, gradual disfarça a realidade da
vida aqui.

Nessa questão reside e se permite uma ambiguidade.

AMBIGUIDADE

A ambiguidade também é um item importante. Esse avanço sobre
a propriedade, as terras palestinas, foi realizado em meio a negociações,
denominadas de negociações de paz. Ao mesmo tempo também se propalava, que as
negociações não avançavam porque não havia em quem confiar para que elas
chegassem a bom termo.

Outra questão presente é a da legalidade. Aqui os distintos
governos israelenses passam ao mundo a ideia de que não há porque os demais
governos e organizações internacionais se preocuparem, pois Israel não
ultrapassa as fronteiras da legalidade. Uma grande mentira israelense.

Como exemplo, temos as demolições de casas. Uma casa
demolida é acompanhada da justificativa de que ela foi demolida por ter sido
construída de forma ilegal.

Não se leva em consideração que a casa foi assim construída
por que nunca é dado ao palestino o direito de construir casas.

Aqui entrego a vocês um material onde relatamos os diversos
aspectos dessa ação nos últimos anos.

(Neste momento Hagai passa a nós, visitantes, revistas
tratando:

1 – Da investigação realizada por Israel sobre a agressão a
Gaza que, ao invés de expor os crimes cometidos, buscou minimizá-los e
apagá-los

2 – Da violação dos direitos humanos dos menores palestinos
diante das Cortes Militares israelenses

3 – Da recusa israelense em compensar palestinos por danos
causados por suas forças de segurança)

Aqui vocês podem acessar uma vasta documentação sobre como
agem as forças de segurança, como atuam as cortes militares, e assim por diante.

“Então, uma das atuações características do sistema judicial
israelense, não é a de promover justiça, reparações e etc., mas limpar, remover
as manchas da atuação das forças israelenses nos territórios palestinos”

Então, uma das atuações características do sistema judicial
israelense, não é a de promover justiça, reparações e etc., mas limpar, remover
as manchas da atuação das forças israelenses nos territórios palestinos.


REMOVENDO MANCHAS

Isso nos trouxe um desafio e buscamos investigar isso em
profundidade, exatamente porque há, da parte de Israel, a intensão e o esforço
de demonstrar a suposta ‘legalidade’ da ocupação.

Então, um dos nossos trabalhos foi mostrar o verdadeiro
trabalho realizado pelos juízes em meu país.

Ana Cristina Borba –
O acesso de vocês aos processos, a possibilidade de vocês na defesa de acusados
é algo tranquilo ou muito dificultado?

Hagai – Nós não atuamos nesta esfera. Nós não somos uma
entidade que fornece defesa jurídica. Nós atuamos na denúncia dos fatos da
ocupação.

Voltando à questão do sistema jurídico. Nossa conclusão, com
relação a este sistema é a de que ele não dá nenhuma base para que os
palestinos se defendam das ilegalidades cometidas pelos ocupantes, mas, ao
contrário, atua no sentido de esconder e absolver estas infrações perpetradas
pelas forças de ocupação.

Quando os palestinos se mobilizam para reclamar destas
infrações, eles sempre obtêm insucessos. Por exemplo, quanto à demolição de
casas, não conhecemos nenhum caso em que um palestino vítima da demolição de
sua residência tenha recebido da Corte Suprema a permissão de reconstruí-la.

Da mesma forma, quando palestinos são mortos durante uma
incursão de forças israelenses, não há investigação séria sobre os fatos que
levaram às tragédias.

Assim é que, para os palestinos, a obtenção de justiça
através do sistema jurídico israelense, torna-se uma meta extremamente difícil,
se não impossível.

Outro aspecto da defesa, da limpeza dos crimes cometidos por
Israel, é o recurso ao tema do antissemitismo. Uma atuação muito eficaz.



 B’Tselem divulga demolição de três casas na
comunidade de Khirbet al-Halawah, em outubro de 2018-foto B’Tselem (portal https://www.btselem.org/)


ANTISSEMITISMO COMO ESCUDO

Qualquer um que ouse criticar ou contestar essas políticas
israelenses com relação aos palestinos é acusado de antissemita em qualquer
lugar do mundo onde esteja localizado.

Por esse mecanismo, Israel deve escapar de todo tipo de
crítica.

Esse último aspecto tem tido um grande sucesso do ponto de
vista de quem executa estas políticas de agressão aos direitos humanos
palestinos.

Ele intimida e busca tirar legitimidade a todo aquele que
ouse criticar aspectos negativos da ocupação, da ação israelense com relação
aos palestinos, em especial nas denúncias de agressões ou ações ilegais.

Então, de acordo com esta narrativa, todo aquele que critica
de forma veemente a política israelense o faz movido por antissemitismo.

Ana – Também percebemos inversões nesta narrativa. Se busca
passar a ideia de que os agressores, os ocupantes de uma terra dita “sagrada”
aos israelenses, são os palestinos… Gostaria de saber mais sobre agressões não
apenas às pessoas, mas a coisas que servem como meios de sobrevivência, a
exemplo de cisternas, de oliveiras arrancadas pela raiz…

Hagai – Essa pergunta nos remete a questões muito vastas,
mas vamos a elas.

Ações como essa podem parecer, à primeira vista, como de
indivíduos ou grupos, mas não são. Elas integram o projeto nacional israelense
que se baseia na negação dos direitos dos palestinos. São agressões que derivam
desta circunstância.

Uma das ações mais agressivas contra os palestinos é a
demolição de suas residências

Todas estas ações, não têm sido levadas a cabo por grupos de
colonos nos assentamentos construídos nos territórios palestinos. Não. Trata-se
de ações perpetradas pelo Estado de Israel.

Reginaldo – Que tipo de pessoas são levadas a morar nestes
assentamentos?

Hagai – Esta questão está conectada à anterior. Não estamos
falando de um grupo de pessoas, ou de pessoas pobres. Não estamos falando de
uma política de Estado.

São ações individuais, ou iniciativas individuais como a de
transferência de moradia. Mas o fundo é a política levada a cabo pelo Estado.

Faz parte de uma política realizada de forma muito clara
pelo Estado de Israel na Cisjordânia, na Jerusalém Oriental.

Não se trata, repito, de ações perpetradas por “pessoas
más”. Integram o projeto nacional israelense.





Na foto, Ahed Tamimi enfenta julgamento pelo
tribunal militar israelense após desafiar soldados da ocupação que invadiram
seu lar


PROJETO DE ESTADO

São acontecimentos que não poderiam ocorrer de outra forma,
sem a presença deste projeto em ação.

Temos aqui assentamentos maiores, como o de Maale Adumim,
que são providos de meios de transporte e outras facilidades que tornam
conveniente morar lá.

Vale aqui notar que a construção destes assentamentos, assim
como a ocupação de terras árabes na Galileia, não começou agora. Também nos
governos dos trabalhistas, durante os anos 70, essa política foi implementada.

Há uma política de “normalização” destas ocupações.

As pessoas se mudam para lá por razões as mais diversas.
Muitos dos moradores, como aqueles que vivem em assentamentos construídos ao
borde de Jerusalém, a exemplo de Har Homah, não se sentem como colonos. Para
eles aquilo se tornou mais um bairro de Jerusalém.

Como eu já disse, essa normalização se verifica na
preocupação com os transportes. Estradas modernas são construídas conectando
tais assentamentos a Jerusalém e Tel Aviv. Porquê isso? Para fazer a vida dos
que decidem morar em assentamentos mais fácil, melhor, mais tranquila.

Pelo lado oposto, estas estradas e meios de transporte são
disponibilizadas para os israelenses, mas não para os palestinos.


JERUSALÉM

A esse respeito, vale destacar que Jerusalém sempre foi,
desde tempos muito longínquos, o centro da vida social, de estudos, de comércio
para todos os moradores palestinos na Cisjordânia.

O que tem sido feito nos últimos anos é, por um lado,
integrar a Jerusalém palestina a Israel e, ao mesmo tempo, separar a cidade do
conjunto dos palestinos. Hoje, um palestino que viva nas cidades vizinhas
precisa de uma permissão para entrar em Jerusalém.

Estão atuando em duas linhas ao mesmo tempo.

Uma reengenharia demográfica. Assim que o colono que passe a
viver para além da linha verde (o território de Israel antes das ocupações de
1967) há, como já dissemos, as mesmas regalias concedias aos israelenses na
região internacionalmente reconhecida da linha verde. Segurança, transportes,
etc.

Para os palestinos, o que se oferece é o oposto.
Dificuldades sobre dificuldades.

Por exemplo, hoje há relações normais entre Israel e a
Jordânia. Assim, um israelense pode visitar Amã. Já o palestino que sempre
viveu e transitou livremente na região, mesmo que tenha parentes lá, só pode
atravessar a fronteira de Israel com a Jordânia, com permissão das autoridades
israelenses.  

A mesma coisa para ir a Israel. A mesma coisa para transitar
entre cidades palestinas vizinhas. E isso é um violento meio de controle. Se o
palestino tiver incorrido em qualquer “contravenção” – do ponto de vista da
visão de legalidade de Israel – pode ficar proibido de transitar. Se não foi
ele, foi um dos seus pais, um parente próximo…

Ou seja, todos devem se comportar muito bem para não terem
que suportar um aprisionamento a céu aberto.





Na foto, Ahed Tamimi enfenta julgamento pelo
tribunal militar israelense após desafiar soldados da ocupação que invadiram
seu lar


CONTROLE SOBRE OS PALESTINOS

É uma das mais duras formas de fazer com que os palestinos
se “comportem”, ou seja, que acatem as duras normas da ocupação. Todos eles
sabem que estão sujeitos a estas condições.

O outro aspecto, outra consequência, dessa ordem engajada e
de ocupação é a hostilidade com a qual os israelenses que trabalham com a
denúncias dessas condições são obrigados a enfrentar.

Nathaniel Braia – Agora, para os israelenses tornou-se
proibido entrar em determinadas áreas palestinas

Hagai – Sim. Na chamada área A, que está sob administração
palestina, Israel baixou uma ordem militar que proíbe os israelenses de ali
transitarem.

Ana – Qual é a situação das crianças que enfrentam o sistema
judicial?

Hagai – Há situações diferentes. Crianças palestinas detidas
na região da Jerusalém Oriental são levadas para estações da Polícia de Israel.
Já os de Ramallah, assim como os das demais cidades e aldeias palestinas, são
trazidos para estações onde enfrentarão Cortes Militares.

Essa é uma diferença importante. Porque um colono nunca vai
enfrentar Corte Militar mas, se for o caso, enfrentará sempre tribunais civis.

Caio Teixeira – Então eles enfrentam um regime que não é
civil. Estão sob leis de guerra.

Hagai – Sim. Mas mesmo para os jovens detidos pela polícia,
as regras normais de proteção nem sempre funcionam. Uma criança pode ser
detida, levada para interrogatório. E, quando um parente vai reclamar, obtém
como resposta que este caso é uma exceção. São muitos os casos em que a
“exceção” se aplica, acaba virando regra.

Já com relação aos conduzidos a cortes militares, Israel
criou outro absurdo que são as cortes militares especiais para crianças e
jovens. O marketing israelense diz que eles estão sendo muito simpáticos ao
criarem estes tribunais. Quando, de acordo com a lei internacional, não existe
tal norma. Israel não é obrigado a fazer essa distinção em termos de tribunais.
Israel diz que foi além dessas leis para “proteger” os adolescentes palestinos,
certo?

“O que nós fizemos foi buscar documentar o que de fato
acontece. Quer dizer o que está acontecendo independente do que diz a
propaganda”

O que nós fizemos foi buscar documentar o que de fato
acontece. Quer dizer o que está acontecendo independente do que diz a
propaganda.

O que acabamos descobrindo é que com esses tribunais
“especiais” nada ficou diferente. No geral não existe julgamento. O juiz
autoriza sempre a continuação da detenção até que as autoridades da ocupação
decidam o destino do detido. A ordem chega e é executada pelo juiz que age como
um carimbo.

Caio – É um teatro então.

Hagai – Primeiro, a decisão geral da Corte é que o réu deve
permanecer preso até o final do processo. Além disso, as pessoas são levadas a
assinar documentos admitindo a culpa. Porque está é a única forma do processo
acabar. A pessoa que estava para ser julgada paga a pena correspondente e
depois fica livre.


CORTES MILITARES DA OCUPAÇÃO

Porém, caso mantenha a alegação de inocência, o processo
pode se estender por muito tempo.

A pena corresponde a uma negociação entre o detido – sempre
sob intensa pressão – e o militar da ocupação. O que comporta ao juiz fazer, é
aprovar essa barganha.

Reginaldo Melhado – Há limites para esse tratamento com
relação a crianças?

Hagai – Olha o regime é muito duro, mas há algumas restrições.
As crianças abaixo dos dez anos. São detidas em estações de polícia e liberadas
depois de uma a duas horas. Mas, mesmo isso, é totalmente ilegal. Imagine o
trauma que é, para uma criança, ser levada por policiais e ficar presa por um
tempo sem saber o que lhe vai acontecer.

Nathaniel – E quanto ao “grande negócio” do “Plano de Paz”
de Trump?

Hagai – É “um grande negócio” de fato. Em primeiro lugar,
está claro para todo mundo que não se trata de um plano de paz, de forma
alguma. Ele simplesmente verifica a situação atual e a torna algo formalizado.


PLANO DE TRUMP

Não levam em consideração se os palestinos apreciam este
plano, que não lhes dá um Estado, apenas torna permanente o Estado de
Apartheid. É isso que este plano significa. Em termos das condições sob as
quais as pessoas já estão vivendo, não faz nenhuma diferença, em termos
práticos.

Para os israelenses também não muda, apenas legaliza aquilo
que os israelenses já estão fazendo nos territórios ocupados. Colonos constroem
onde e o que querem, casas palestinas são demolidas onde se quer, se prende
quem se quer prender e por aí vai…

Portanto, até mesmo em termos práticos, se fosse aceito, não
faria nenhuma grande diferença para os palestinos.

Mas então, quais são as diferenças do ponto de vista de Israel
e dos Estados Unidos?

Do ponto de vista de Israel. Continuaria fazendo o que quer,
apenas precisa pagar o preço de dizer que admite o Estado da Palestina.  Negociação, concessões, mudanças, isto não
está na cabeça do governo israelense.

Diz aos palestinos: 
-É assim. Se quiserem é isso a coisa vai ser assim.

“O plano Trump institucionaliza um apartheid que já estava
em andamento há 52 anos. Mas o termo usado para isso é ‘acordo’”

O plano Trump institucionaliza um apartheid que já estava em
andamento há 52 anos. Mas o termo usado para isso é “acordo”.

Esse plano tem a discordância de parte da oposição.

Do lado norte-americano, isso quer dizer que, do ponto de
vista da política internacional dos Estados Unidos, está tudo bem com o
apartheid imposto sobre os palestinos. O mais incômodo e mesmo aterrorizador é
que o país mais forte do planeta está dando seu de acordo para que qualquer um
possa atormentar outros dessa forma. Total violação das normas e leis
internacionais.

Esse tipo de coisa é inaceitável. Está errado aqui, está
errado na Índia. Fazer isso está errado no Brasil, enfim, em qualquer lugar.


VIOLAÇÕES DAS LEIS INTERNACIONAIS

A filosofia por trás dessa proposta de Trump é a seguinte: a
razão pela qual alguém ou algum país pode fazer algo, não é porque seja justo
ou correto; é porque é poderoso. Não tem nada a ver com o que é certo, nada a
ver com leis internacionais.

As lições da Segunda Guerra, a decisão de que coisas como
aquelas não poderiam mais acontecer estão para ser anuladas se isso prevalecer.

Nathaniel – O que acabou acontecendo foi uma divisão entre
as condições dos palestinos: temos palestinos em Israel; palestinos em Gaza;
palestinos que vivem na Cisjordânia e outros espalhados pelo mundo. Corresponde
ao interesse da política israelense que isto aconteça?

Hagai – Sim. Isto nos lembra a velha palavra de ordem de
“dividir e conquistar”; se aplica aqui. Dentro da Cisjordânia os palestinos,
além dessa divisão de seu povo, têm que enfrentar um processo de
bantustanização com a construção de mais de 160 assentamentos judaicos que
dividem também o seu território.

Essa divisão tira ou pelo menos retrai as possibilidades
físicas de se unificarem. Além disso, os palestinos são colocados, todo o
tempo, em condição temporária, sempre tendente a uma piora.

Um exemplo interessante sobre como funciona essa condição
temporária é a situação dos palestinos na Jerusalém Oriental.

Com a anexação desta parte a Israel, os moradores dessa
cidade não receberam cidadania israelense. Receberam vistos de residência
permanente. Assim, eles podem caminhar livremente pela cidade, podem votar para
candidaturas à Prefeitura, mas não podem votar para o parlamento israelense, o
Knesset. Além disso, apesar do nome ser ‘visto permanente’, diferente da
cidadania, ele pode ser revogado a qualquer momento. Fica como um aviso, como
já vimos, a demandar dos palestinos sob ocupação que se “comportem”, para não
perderem o visto.






Família Idris junta seus pertences depois de ter a
casa demolida pela força de ocupação isralense – foto B’Tselem


INVERSÃO

Isso quer dizer que os palestinos, que estão aqui desde
tempos imemoriais, agora passam a ser moradores sujeitos a uma situação
temporária, que pode ser revogada a qualquer momento. É como se os imigrantes –
sendo judeus – possam ter cidadania plena e os que nasceram aqui e estão aqui a
gerações sejam agora reduzidos à condição próxima a de imigrantes.

Gabriel Melhado – Além disso, há os que nem mesmo esta
condição de residente permanente possuem. Como é o caso dos que vivem nos
territórios…

Hagai – Então nós temos esta situação que criou uma nova
diferença os palestinos que são da mesma Cisjordânia, mas que estão deste lado
do muro, quer dizer, os de Jerusalém e os que estão do outro lado do muro e dos
postos de controle e que precisam de visto para chegarem a sua principal
cidade, que é Jerusalém.

Além disso, mesmo os que têm este visto permanente, e que
podem transitar livremente por Israel, não lhes é permitido atravessar
fronteiras, seja para a Jordânia ou qualquer lugar do mundo, sem autorização
israelense.

Quer dizer, mesmo sem serem cidadãos israelenses, precisam
de permissão por parte de Israel para circularem pelo mundo.

Reginaldo – De que formas podemos ajudar desde o Brasil?

Hagai – Brasil é um país muito importante, do ponto de vista
internacional, tanto por conta da trajetória diplomática brasileira, que
existiu até a pouco. Eu penso que o mais importante é que vocês, falem sobre
aquilo que viram. Vocês têm credibilidade para falar sobre o que viram e ainda
vão ver em sua passagem por aqui. Vocês estarão falando não como alguém que
comenta o que leu em jornais, mas como quem viu, quem veio até aqui. Isso pode
ser propulsor de reflexões. Também podem ecoar, se concordam, sobre a forma
como falamos da situação por aqui.


INVESTIGAR É PRECISO

Dessa forma, vocês podem levar o testemunho de vocês acerca
de uma política determinada e não – como sempre é relatado, como surge na
imprensa – na forma de incidentes isolados.

É preciso que isto seja investigado. Divulgado. Pois o que
ocorre aqui é a opressão de um povo. Dessa forma, a opinião pública não apenas
no Brasil, mas nos mais diversos países, pode mover os respectivos governos e
organizações sociais a dar mais importância ao que está acontecendo aqui.    

A reprodução é livre, desde que citados os apoios e o autor.

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