LEONARDO WEXELL SEVERO
 
Vendedor ambulante, Odacir José dos Santos desembarcou comigo de metrô no Masp, nesta sexta-feira, na manifestação dos paulistas contra a reforma da Previdência de Bolsonaro, trazendo junto com os cabelos brancos ralos e os 68 anos incompletos, remédios para diabetes, pressão alta e colesterol.
“Trabalhei a vida inteira desde os nove anos e não tenho nenhuma leitura. Desenho as letras devagar, mas sou esforçado. Agora preciso garantir um salário mínimo pelo menos para me manter”, diz seu Odacir, justificando a presença no ato, “importante para a gente ser notado e garantir o que é nosso de direito”. “Na minha opinião, estamos buscando o certo”.

Baiano de Ubaitaba, pai de sete filhos e oito netos, somente conseguiu trabalhar dois anos com registro em carteira. “Foi numa firma de construção civil. O resto sempre foi por conta própria mesmo, conseguindo uns trocos para chegar até aqui”. Membro do Grupo de Moradia André de Almeida, luta pela casa própria, “para deixar de viver de favor na casa de um filho”.
A crise ataca forte e afeta pesado as vendas do seu carro de pipoca e de batatas fritas, explica o senhor, recordando que isso significa esticar muitas vezes as jornadas de trabalho de doze horas diárias, “das 11 da manhã às 11 da noite, de segunda a sábado”. Outras duas horas passa em pé diariamente para percorrer o trajeto de mais de uma hora entre São Mateus até o Tatuapé, onde caça fregueses na proximidade de um shopping.
Após o “trampo”, seu carrinho fica numa garagem, pela qual paga R$ 40,00 dos cerca de R$ 240,00 que consegue arrecadar por semana. De qualquer forma, diz, tudo ficaria mais fácil se tivesse alvará para funcionar, com ponto fixo. “Há anos tento e até hoje não tenho licença, podendo perder a minha fonte de ganho a qualquer momento por conta da insensibilidade da Prefeitura. E para piorar agora vem esse pessoal falar em impedir a minha aposentadoria. Estou aqui para ajudar na pressão”, enfatizou.
Psicóloga Ana Maria, benefício arrochado
Psicóloga aposentada, Ana Maria Rodrigues tem 72 anos e conta com uma aposentadoria de R$ 1.200,00, após ter conseguido contribuir 15 anos como funcionária pública. Ela recordou que pela proposta do governo a idade mínima para a mulher se aposentar aumenta para 62 anos e o tempo de contribuição para 20 anos, o que é extremamente difícil para quem exerce dupla ou até tripla jornada. Diretora da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), Ana lembrou que a situação é extremamente grave: “basta ver que na periferia de São Paulo, em 53% das cidades do país e na zona rural, a expectativa de vida é de 55 a 58 anos”. “Querem implementar a obrigação de trabalhar até morrer, o que é um absurdo, um desrespeito e uma desumanidade”, enfatizou.
 
DÍVIDA DAS GRANDES EMPRESAS
 
O fato, defendeu Ana, é que o governo não paga sua conta à Previdência e permite que muitas empresas não paguem. “Além disso, não cobra as dívidas de maneira eficiente e ainda perdoa a maioria dos devedores. Grandes empresas aumentam seus lucros e continuam devendo mais de R$ 450 bilhões ao INSS”, apontou.
Quézia Alves com o sobrinho Pedro Henrique na Paulista
“Por isso estamos aqui lutando, pelos de hoje e de amanhã”, explicou Quézia da Silva Alves, de 19 anos, exibindo o sobrinho Pedro Henrique, de três anos, no colo. Vinda de Barueri com a irmã, numa viagem de mais de uma hora, a vestibulanda de Administração acredita que é necessário correr atrás do prejuízo: “não podemos perder nenhum direito, que já são mínimos. Há muito desemprego, os salários são baixos e não podemos deixar que mexam na Previdência”.
Mais do que uma desconfiança, há uma convicção de Odacir, Ana e Quézia de que a capitalização/privatização da Previdência pública – superavitária – tem por única finalidade ampliar os lucros de banqueiros e especuladores. O preço disso é bem alto e conhecido do povo chileno, por onde os Chicago boys iniciaram sua devastação: 90% dos aposentados recebem pouco mais de metade do salário mínimo, multiplicando o suicídio de idosos, tornando o país recordista na América do Sul.

 

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