“Multinacional dos EUA incluía percentual para milícias no valor pago por caixa de banana na Colômbia”, relata Carlos Julio Díaz Lotero; diretor-geral da ENS denunciou o partidarismo da mídia e o conluio entre o poder econômico e bandos criminais
FELIPE BIANCHI E LEONARDO WEXELL SEVERO/COMUNICASUL
Prestes a completar 40 anos de atividades, a Escola Nacional Sindical da Colômbia, em Medellín, é merecedora de todos os louros e reconhecimento pelos serviços prestados ao longo das últimas quatro décadas. O motivo? A Escola está situada em uma cidade na qual surgiu o paramilitarismo no país e onde nasceu Álvaro Uribe Vélez, ex-presidente colombiano que consolidou um modelo de promiscuidade explícita entre Estado, narcotraficantes e bandos criminais, tornando cotidiano os massacres e assassinatos por motivação política.
Para falar sobre este contexto difícil e compartilhar a experiência de resistência da Escola Nacional Sindical (ENS), seu diretor-geral, Carlos Julio Díaz Lotero, recebeu a equipe de jornalistas brasileiros da ComunicaSul, nesta segunda-feira (23), em sua sede, na capital da região de Antióquia.
A ENS funciona nos mesmos moldes do brasileiro Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), mas vai além: trata-se de um centro de estudos e de avaliação, prestando assessoria legal, formação política-ideológica e negociação coletiva para os trabalhadores.
“Em nosso país temos um modelo de desenvolvimento econômico profundamente contrário aos trabalhadores, porque não gera emprego nem renda. Prova disso é que no passado a economia, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 10,6%, porém isso não impactou em nada na criação de novos empregos”, explica Carlos Julio.
O paralelo com a situação atual do Brasil, após as reformas trabalhista e previdenciária, são inevitáveis. “Temos uma alta precarização no trabalho, sem direitos e enorme informalidade”, acentua. “Muitos trabalhadores do próprio setor formal não têm sequer o direito de negociação coletiva ou a vincular-se a um regime contributivo de seguridade social”.
Segundo o dirigente, há muitas normas que seguem a Organização Internacional do Trabalho (OIT), porém existe um fosso entre tais dispositivos e a prática cotidiana dos empresários e do Estado em matéria trabalhista: “Aqui se vendeu a ideia de que se você quer um emprego precisa renunciar aos seus direitos. E se você reivindica direitos, deve renunciar ao seu trabalho. Ou seja: não pode haver trabalho com direito. É esta a cartilha imposta. E a economia se fundamenta em um conceito de competitividade no trabalho sem direitos, no trabalho sem sindicatos para garantir seu emprego”.
Conforme destaca Carlos Julio, o poder econômico considera que a reivindicação de direitos afeta a competitividade do país no mercado mundial. “Precisamos definir o que entendemos por competitividade, pelo significado da própria economia, de como conciliar e resolver problemas. É possível que os empresários sigam bem, mas que os trabalhadores também estejam bem. Porque o que está ocorrendo é que quando os empresários vão bem, os trabalhadores vão mal”, analisa.
Histórico de violência e heroísmo
Em Antióquia foi onde ocorreu um grande desenvolvimento da economia, com os primeiros passos da industrialização, o que deu uma grande dinâmica à economia mineira e agroexportadora, particularmente à produção de banana, conforme explica o dirigente.
“Isso gerou uma base sindical bastante forte, impulsionando setores democráticos e de esquerda que chegaram a ocupar importantes postos em diferentes municípios”, assinala. “Como reação a estes avanços democráticos e do movimento social e sindical surgem grupos armados de extrema-direita que começaram uma política de extermínio”.
“A União Patriótica (UP), partido de esquerda surgido dos acordos assinados pelo presidente Belisário Betancur (1982-1986) com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) foi praticamente exterminada”, recorda. Entre 1985 e 1990, mais de cinco mil integrantes da UP foram executados. “A maioria dessas vítimas morreram nesta região, que também concentra 40% de todos os acontecimentos de violência contra o movimento sindical. Este é um estado em que as elites políticas, a classe empresarial, estiveram muito vinculadas à promoção e fortalecimento desta estratégia armada de extermínio”.
Carlos Julio rememora um episódio do qual foi testemunha ocular para exemplificar a engrenagem deste sistema: ”Estive em uma negociação bananeira em que os empresários, quando iam negociar o custo da caixa desta fruta, incluíam na estrutura de custos 20 centavos de dólar destinados ao financiamento de grupos paramilitares. A situação chegou a tal ponto que uma multinacional norte-americana, Chiquita Brands, pagou uma multa nos Estados Unidos ao reconhecer que dava dinheiro a esses grupos como estratégia para limitar a ação sindical e das forças democráticas na Colômbia. Esta multa a multinacional pagou nos EUA e não na Colômbia, que foi onde deixaram os mortos”.
“Mas aqui não foi possível que o empresariado reconheça nas negociações de paz com as Farc a sua responsabilidade. Chegamos a quem executou, mas não a quem determinou essa cultura de morte”, acrescenta. “Os assassinatos caíram, mas as ameaças estão subindo. O impacto que isso tem no mundo sindical é grande. Há um novo ciclo de violência porque o governo não cumpriu o Acordo de Paz com os que depuseram as armas”.
Mídia e a sabotagem histórica aos trabalhadores
“Em um sistema democrático é fundamental definir o papel dos meios de comunicação. Eles não só constituem, como constroem a opinião pública”, destaca o dirigente antioqueño. Isso porque, segundo ele, na Colômbia, prevalece a máxima de que no país “não há opinião pública, mas sim opinião publicada”, já que “a opinião pública é construída de forma tergiversada pelos grandes meios de comunicação”.
Quando denuncia o papel dos meios de comunicação dominantes, Carlos Julio dá nome aos bois: “Estamos falando dos jornais El Tiempo, El Espectador, El Colombiano, a Rádio e Televisão Caracol, a RCN… Enfim, todos os que estão articulados de forma uníssona com o governo, vendendo uma mesma mensagem sobre os problemas políticos do país”
Diante da eleição presidencial que ocorre no domingo, 29 de maio, Carlos Julio comenta o papel jogado por esta mídia partidarizada no pleito que pode, pela primeira vez na história do país, consagrar forças de esquerda no poder. “Há uma campanha bastante desinformativa em relação ao candidato Gustavo Petro (Pacto Histórico) e também fez-se algo neste sentido contra Sergio Fajardo (Centro Esperança), tentando mostrá-los como os candidatos do comunismo internacional, como comandantes castro-chavistas, que vão expropriar os trabalhadores, retirar suas aposentadorias, que vão tomar de assalto a propriedades das empresas e deixar o país sob o controle de um Estado único, totalitário, em que não haja livre empresas nem qualquer autonomia e liberdade de pensamento”, ironiza.
“Então há uma situação bastante complexa na forma como a mídia vem tratando de forma agressiva, criando muitas mentiras e falsificações sobre os candidatos de esquerda ou de qualquer variante democrática, colocando palavras em sua boca, propostas que não abraçam ou distorcendo seus programas”, diz.
“É claro que isso afeta a democracia”, prossegue, argumentando que é importante que os meios de comunicação atuem com independência e com equilíbrio. “O que temos atualmente é uma opinião pública manipulada, desinformada e atemorizada para que vote por um candidato determinado”.
“Este tema faz parte do futuro do país, um país que deve entender que a democracia também tem a ver com um ambiente midiático também democrática”, defende Carlos Julio. “É um tema chave não só para a Colômbia, mas para toda a agenda latino-americana”, conclui.
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