Adolfo Pérez Esquivel analisa o cenário no país e o fenômeno Milei, que tem seduzido jovens e setores empobrecidos com negacionismo e discurso de ódio

Por Felipe Bianchi e Vanessa Martina-Silva, de Buenos Aires (Argentina)*

“Como chegamos até aqui”? Essa é a pergunta presente direta ou indiretamente nos jornais, nos programas informativos, nos debates televisivos. Essa é a resposta que se busca nas conversas em bares, nas ruas e na sociedade argentina em geral.

Foto: ComunicaSul

Como um país com tradição na defesa dos direitos humanos, que puniu militares que cometeram crimes na ditadura militar e que tem um amplo trabalho de recuperação da memória e da verdade histórica pode ter como seu principal candidato à presidência um fascista, que nega, inclusive, a quantidade de vítimas da ditadura argentina?

É o que buscamos compreender em conversa com o ativista argentino, ganhador do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. Para ele, esse cenário ocorre agora porque “os fascistas que causaram todo esse estrago não desapareceram, apenas estavam escondidos e agora voltaram à superfície”.

O “estrago” a que se refere Esquivel foi provocado pela ditadura argentina, que deixou mais de 30 mil desaparecidos, sequestrou cerca de 500 bebês, desindustrializou o país e avançou rumo à neoliberalização do Estado.

Quanto à pergunta central desses dias, Esquivel considera que a Argentina tem essa conjuntura devido à “falta de políticas claras no campo da memória, que apesar de existirem, não dão conta de deter propostas que hoje estão muito nebulosas”.

Outro fenômeno observado nessas eleições e sobre o qual muitos analistas têm se debruçado é que setores pobres da sociedade têm embarcado no canto da sereia da campanha de Javier Milei. “Justamente as vítimas das políticas ultraliberais que ele defende”, avalia.

Aos 91 anos de idade, Nobel da Paz lembra ter alertado, em uma de suas conferências, para que essas pessoas “não votem em seus algozes, porque votar em algozes é jogar fora os avanços e conquistas sociais do povo, como a educação pública, a saúde pública, os centros de pesquisa científica e muitos outros, que muita gente não leva em consideração, como a política de direitos humanos”.

Esquivel concedeu entrevista aos jornalistas Felipe Bianchi e Vanessa Martina-Silva neste sábado (21/10), em Buenos Aires, após participar de evento dedicado a discutir os rumos da democracia e da cidadania na Argentina e na América Latina.

Os debates ocorreram em um local bastante simbólico: a Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), atual Espaço de Memória e Direitos Humanos, onde foram assassinadas, torturadas, estupradas, roubadas e sequestradas milhares de pessoas, mulheres e homens, adultos e crianças.

Para ele, a juventude tem de estar no centro do debate: “muitas gerações atuais, as novas gerações, não viveram a época da ditadura, então não têm essa memória”. Dessa forma, “é preciso fazer um trabalho de memória para não cair no vazio”.

Nesse sentido, destaca que os políticos “se concentraram muito em políticas de conjuntura e não de médio e longo prazo”, que são estruturais para sabermos para onde estamos indo.

Os cidadãos e cidadãs não têm claro qual a direção a ser tomada, “para onde se está indo”. Para elucidar a questão, recorda de um ditado que diz: “se você não sabe para onde está indo, volte para saber de onde veio”.

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A Agência ComunicaSul está cobrindo as eleições de 2023 na Argentina graças ao apoio das seguintes entidades: jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Agência Sindical, Viomundo, Asociación Judicial Bonaerense, Unión de Personal Superior y Profesional de Empresas Aerocomerciales (UPSA), Federação dos Trabalhadores em Instituições Financeiras do RS (Fetrafi-RS); Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe-RS); Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos; Federação dos Comerciários de Santa Catarina; Confederação Equatoriana de Organizações Sindicais Livres (CEOSL); Sindicato dos Comerciários do Espírito Santo; Sindicato dos Hoteleiros do Amazonas; Sindicato dos Trabalhadores das Áreas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa, e de Fundações Públicas do Rio Grande do Sul (Semapi-RS); Federação dos Empregados e Empregadas no Comércio e Serviços do Estado do Ceará (Fetrace); Federação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT Rio Grande do Sul (Fetracs-RS); Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR); Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP), Federação dos/as Trabalhadores/as em Empresas de Crédito do Paraná (FETEC-PR), Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema-SP); Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina  (Sintaema-SC), Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado do Paraná (Sintrapav-PR), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste-Centro), Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc-SC); Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc-SC), Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal em Pernambuco (Sintrajuf-PE), mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS) e dezenas de contribuições individuais.

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