Martin Almada, prêmio Nobel Alternativo da Paz, foi preso e torturado pela ditadura de Alfredo Stroessner durante três anos, teve a mulher morta e todos os seus bens confiscados (Right Livelihood)

Advogado, professor e escritor comprovou a ação repressiva executada em conjunto pelas ditaduras da América do Sul no âmbito da Operação Condor, dirigida pela CIA

LEONARDO WEXELL SEVERO

Prêmio Nobel Alternativo da Paz*, o advogado, professor e escritor paraguaio Martín Almada faleceu aos 87 anos no último sábado [30] em Assunção, deixando sua marca de ousadia, integridade e anti-imperialismo.

Ativista pelos direitos humanos até o último suspiro, Almada ganhou notoriedade ao descobrir, em 1991, os “Arquivos do Terror”, série de documentos que comprova a ação repressiva executada conjuntamente pelas ditaduras da América do Sul, “sem se preocupar com fronteiras nem limites”, no âmbito da ação dirigida pela CIA nos anos 70. Os arquivos foram declarados “Memória do Mundo” pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Almada expôs “a política exterior de Washington em carne viva”

O “maldito jogo de xadrez da morte” foi descrito pela premiada escritora e jornalista argentina Stella Calloni em seu livro “Os anos do lobo – Operação Condor” (Peña Lillo – Ediciones Continente, Buenos Aires, 1999), no qual expõe “a política exterior de Washington em carne viva”, especificamente contra os povos da Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia.

A maior parte das informações sobre a Operação Condor veio dos “Arquivos do Horror”, descobertos por Martin Almada, no dia 7 de dezembro de 1992, em uma delegacia de polícia de Assunção. Preso e torturado durante três anos (1974-1977), exilado por 15 anos, Almada teve sua mulher morta e todos os seus bens confiscados pela ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). “Ali estavam as gravações de meus próprios gritos, quando me torturavam, que fizeram escutar a minha esposa Celestina, que morreu do coração ao não poder resistir àquela tortura psicológica”, descreveu o ativista. Mantida em prisão domiciliar, Celestina Pérez era obrigada pelos torturadores a escutar por telefone as sessões de tortura que lhe eram impostas.

“Tenho um documento em que pedem a prisão e a tortura até da minha mãe, que era analfabeta. Diziam que ela levava cartas e informações da ditadura”, denunciou.

Libertado, Almada escreveu a obra Paraguay: la cárcel olvidada, el país en el exilio (“Paraguai: a prisão esquecida, o país no exílio”) durante o período em que viveu como asilado político no Panamá.

TONELADAS DE DOCUMENTOS COMPROMETEDORES

Leonardo Severo com Martin Almada, durante entrevista em sua casa em Assunção (Ana Bella)

As toneladas de documentos encontrados por Almada eram arquivos, correspondências, livros de entradas e saídas de prisioneiros, controle de fronteiras, cartas e informes entre os ditadores, os chefes militares e de segurança dos países da região, fotografias, fitas cassete, vídeos, fichas de ‘colaboradores especiais’, dados de ‘agentes especiais’ e até mesmo correspondências trocadas por Stroessner com o alto mando militar. Na luta para passar uma borracha em passado tão comprometedor, assegura Stella, “os mesmos interesses que possibilitaram o crime se encarregaram de minimizar o valor documental do achado”.

Entre outras provas desta “corporação internacional da morte”, como foi reconhecida pelo The Washington Post, encontram- se cartas do coronel Robert Scherrer, do Burô de Investigações dos Estados Unidos, dirigidas a funcionários de Stroessner desde a sede diplomática em Buenos Aires. Elas confirmavam que este era um “homem-chave”, e que sabia muito bem o que significava a Operação Condor. “Mais ainda, alimentava com informes e solicitações de informes os criminosos, assim como outros funcionários estadunidenses e de distintos países”, revelou.

Recordo do sorriso generoso de Almada, a profunda identidade com o seu país e seu povo, a intensa solidariedade aos camponeses de Curuguaty, a luta contra a privatização dos setores estratégicos e a afirmação da memória como espaço de luta política.

Nesta balada, penso em alguma lembrança para encerrar esta breve referência, e nele respondendo. “Vou contar uma coisa para rirmos. Estava num campo de concentração onde o chefe era um analfabeto. Chegou até o posto de coronel por suas debilidades, era bêbado e gostava de jogar jovens do alto do helicóptero na selva, algo bem estilo de Stroessner, de Pinochet, de Somoza. Ele me chamava como uma pronúncia estranha de ‘indivíduo’ ou ‘sujeito’, como se dissesse ‘comunista’. Então ele se aproxima de mim e diz: ‘estou falando com você, sujeito’. E me pergunta: ‘e o que você é, agora?’. E eu respondo: sou predicado, coronel. E ele não entendeu o que havia se passado”.

*Prêmio Nobel Alternativo, assim denominado o prêmio concedido pela entidade sueca Right Livelihood Foundation (Fundação da Vida Correta)

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *