Yader, Carolina e Ariana, no Sindicato dos Jornalistas de SP
“Desde 18 de abril, já são mais de 480 assassinatos, 600 desaparecidos e 250 presos políticos”, afirmam lideranças de organizações estudantis, ambientais e de familiares de vítimas
 
Leonardo Wexell Severo
Você já pensou em ter seu irmão assassinado com um tiro no coração, dentro de uma universidade, pelo simples fato de estar levando água e alimento a estudantes que resistiam pacificamente à repressão governamental? E a ter todos os seus dez colegas presos por fundarem uma associação universitária? E a de ser perseguido por integrar um movimento contra a extração predatória de ouro e a contaminação da água dos rios?

Os jovens nicaraguenses Yader Parajón Gutierrez, do Movimento Mães de Abril, “organização de familiares de vítimas da ditadura de Daniel Ortega e de sua esposa Rosario Murillo”; Ariana Mcguire Villalba, da Coordenação Universitária pela Democracia e a Justiça; e Carolina Hernandez Ramires, do Movimento Nacional contra a Mineração Industrial, estão no Brasil, como parte da Caravana de Solidariedade com a Nicarágua, que vem realizando uma série de visitas pela América do Sul para denunciar a “a ditadura sanguinária” que aflige seu país. “Desde 18 de abril, quando iniciou a brutal repressão, já são mais de 480 assassinatos, 600 desaparecidos e 250 presos políticos pela política de terrorismo de Estado que dá carta branca à polícia e aos paramilitares para matar”, recordaram as lideranças, durante reunião em São Paulo, nesta quinta-feira, com a direção da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES).
De forma pausada, Yader lembrou que “se fosse no Brasil, esse número equivaleria a 18 mil assassinatos pelo governo” e deu seu testemunho comovente. “Meu único irmão, Jimmy, de 35 anos e pai de cinco filhos, foi morto por um franco-atirador com um disparo certeiro que explodiu seu coração no 11 de maio. Sempre íamos juntos apoiar os estudantes da Universidade Politécnica da Nicarágua (Upoli) com algo pago do nosso próprio bolso. Neste dia, não pude acompanhá-lo. A solidariedade foi o que causou a morte dele. Naquele instante, se deu em mim a ruptura entre os sonhos e a realidade”, relatou o jovem, transformado em ativista pela tragédia.
 
COMBATE À DESINFORMAÇÃO
 
Nos inúmeros contatos que estão sendo realizados pelo Continente e fora dele, acredita Yader, “o essencial é conformar Comitês de Solidariedade para confrontar a desinformação e desfazer a imagem que Ortega ainda conserva, em alguns países, de quando era dirigente de uma revolução popular” Infelizmente, condenou, “Ortega traiu seu passado e passou a fazer da política de sangue uma prática corriqueira de governo, se utilizando de profissionais da violência com tiros precisos na cabeça, pescoço e peito, dirigidos ao coração”. Por isso, acrescentou, “é que defendemos a sua saída imediata do poder e a instalação de uma Comissão da Verdade e da Justiça, para que seja devidamente julgado por seus crimes”.
Jovens representantes do povo nicaraguense recebem a solidariedade da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de SP
Como futura professora de Cultura e Memória, a estudante Ariana avalia que “a partir de 18 de abril, a Nicarágua mudou para sempre com a brutal repressão ao movimento contra a reforma da Previdência Social, onde presenciamos a execução sumária de tantos companheiros próximos”. “A insegurança é total, há uma lei anti-terrorismo que criminaliza o protesto, enquanto dá aval às desaparições forçadas, a todo de tipo de violações de direitos”, acrescentou. Diante desta tragédia, explicou, “conformamos recentemente nossa organização para resistir de forma pacífica à crise humanitária e de direitos que se agrava a cada dia. O que nos motivou a dar este passo, bastante arriscado, é o compromisso coletivo que temos com a defesa da justiça e da democracia, pois queremos que o nosso país seja livre”, frisou.
O caso da estudante brasileira Raynéia Gabrielle Lima, de 30 anos, assassinada por grupos paramilitares, ressaltou Ariana, infelizmente ficará impune se não houver uma forte pressão internacional, uma vez que os meios de comunicação na Nicarágua são na quase totalidade controlados pelo clã dos Ortega. “Começamos nossas visitas em agosto pelo Chile e depois de nos encontrarmos com companheiros da Argentina, do Uruguai e do Brasil, onde estivemos também no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, vamos para o Peru. Outro grupo de companheiros está conversando com entidades e partidos pela América Central e do Norte, ampliando apoios. Somos estimulados pelos 80% do povo nicaraguense que resiste bravamente contra Ortega. Seguimos firmes, enfrentando uma lei anti-terrorismo que, é importante frisar, nos condena por até 20 anos de prisão tão somente por integrar esta caravana para esclarecer o que está acontecendo em nosso país”. A bandeira que une a sociedade nicaraguense neste momento, enfatizou, é “a da justiça, da liberdade e da democracia, para fazer com que Daniel Ortega pague pelos crimes que cometeu”.
 
PRISÕES E TORTURAS
 
Mãe de três filhos, Carolina Ramires se emocionou ao lembrar das “centenas de jovens que foram assassinados, presos e torturados, muitos adolescentes como vocês da UMES, com sonhos e ideais, que buscavam um país melhor para todos”. “Somos um povo valente, corajoso, que depois de derrubar a ditadura dos Somoza, agora se enfrenta de forma pacífica à ditadura do casal Ortega e Rosario, que age contra o futuro das nossas famílias, dos nossos empregos e da nossa soberania”, acrescentou.
Sem levar em conta a gravidade da situação – ou talvez aproveitando-se dela – Ortega anunciou recentemente três novas concessões ao capital estrangeiro, informou Carolina. “Há três semanas as mineradoras canadenses Condor Gold, B2 Gold e Golden Ruy foram premiadas pelo governo para explorar ouro em áreas extremamente sensíveis, sem que tenha havido qualquer diálogo com as comunidades ou estudo de impacto ambiental”, disse. Conforme a líder ambientalista, “a situação é extremamente grave, uma vez que estamos falando de minerações com dois quilômetros de largura e 500 metros de profundidade, que consomem em uma única hora a água necessária para uma família em 20 anos”. “Condenamos estas medidas por serem completamente arbitrárias, fazem com que nosso povo se sinta frustrado, humilhado e violentado na integridade de seu ser. Tudo pela ambição de poder de Ortega e dos poucos que lhe seguem, esquecendo dos que derramaram seu sangue e deram sua vida pela libertação do país”.
O mais incrível, alertou Carolina, é que um governo que faz o jogo do capital estrangeiro e de alguns poucos submetidos à sua lógica acuse os jovens que se levantam de criminosos ou de fazerem o jogo do imperialismo estadunidense. “Inventam que os que se levantam são delinquentes, que são terroristas, e lhes é negado até mesmo o atendimento nos hospitais, como aconteceu recentemente com uma criança que havia saído de casa para ajudar os manifestantes sem os pais saberem. Impedem as mães de chegarem até os cemitérios, fazendo com que tenham de enterrar os corpos dos filhos no próprio quintal. Na Nicarágua de hoje é um crime ser jovem, como é a maior parte da nossa população”, destacou.
Para Ariana, “a postura entreguista do governo elevou o nível de frustração, que já era enorme”, havendo uma tomada de consciência crescente de que “este é um governo de traição nacional, de perversão dos valores do sandinismo, que está fazendo o país retroceder 40 anos e a relembrar as dores da guerra”. Por isso, concluiu, “é essencial a conformação de uma Rede Internacional de Solidariedade que reúna o conjunto de entidades estudantis, sindicais e femininas, e some os partidos políticos, para pressionar e isolar o governo de Ortega a deixar o poder de forma pacífica o quanto antes”.

 

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