“8 dos 9 departamentos querem diálogo”, diz Porfirio Cochi, denunciando que “objetivos das milícias cruzenhistas são propagar o desejo de uma elite como se fosse o de toda a nação”

LEONARDO WEXELL SEVERO

“Dos nove departamentos [Estados], um único se posicionou por atropelar a democracia e antecipar, sem qualquer critério além dos mesquinhos interesses da sua elite, a decisão soberana de realizar o Censo da População e Moradia no início de 2024. São oito departamentos de um lado e uma elite direitista representada pelo governador de Santa Cruz de la Sierra, Luis Fernando Camacho de outro”, afirmou o pesquisador e cientista social Porfirio Cochi.

Conforme o pesquisador boliviano, nesta sexta-feira (11), quando se completaram 21 dias de violências, incêndios e agressões na capital do departamento, o fato de milicianos dos autointitulados “grupos cívicos” terem atacado com pedras e coquetéis molotov a uma coluna de manifestantes que exigiam o fim do locaute empresarial, “expõe quais são os reais objetivos desta escória”.

Enquanto alegam defender a “democracia”, esclareceu Cochi, estes membros da União Juvenil Cruzenhista agrediram três jornalistas do canal estatal BoliviaTv, justamente no momento que se encontravam próximos ao governador Camacho – o “Bolsonaro boliviano” -, cobrindo a marcha pacífica contra o desemprego e os bloqueios ilegais.

Mais tarde, outro grupo de milicianos encapuzados ateou fogo à sede da Federação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses (Fsutcb), por seus vínculos ao Movimento Ao Socialismo (MAS), partido do presidente Luis Arce Catacora e seu vice David Choquehuanca. Demonstrando cumplicidade com os criminosos, o governo de Santa Cruz fez com que os bombeiros demorassem horas para chegar ao local.

Porfirio Cochi informa que “o governo central concordou essencialmente com três elementos para a instalação do diálogo: data do censo, cronograma para a condução da cartografia demográfica e, principalmente, a vinculação dos resultados do censo com as medidas estatais posteriores, como a redistribuição de recursos públicos”. “Arce inclusive alinhou com o governo de Santa Cruz para que o censo poderia ser adiantado de novembro para março de 2024 e que a data definitiva seja acordada com as mesas técnicas instaladas em Cochabamba, e não pelo governo. Porém, nas últimas horas, o governo de direita voltou a abandonar as mesas de conversação, encaminhando tudo para um confronto. Mas Camacho é um cadáver político, expressão do neofascismo que assombra a região e respondeu ao diálogo com mais violência, voltando a levantar a falsa bandeira do censo em 2023”, condenou.

O cientista social recorda que a legislação nacional aponta que o Censo de População e Moradia necessitaria ser feito a cada dez anos, mas que, “por conta da crise do coronavírus e do golpe de Estado de 2019 – de Jeanine Áñez contra Evo Morales – não pôde ser feito”. “Diante disso é que o censo será realizado com um atraso de dois anos”, explicou.

Neste embate, considera Cochi, precisam ser avaliados dois aspectos: um político e um técnico. “E nesta conjuntura está se abordando tão somente o aspecto político. Por quê? Em primeiro lugar, porque seus resultados implicarão numa nova redistribuição de recursos aos governos departamentais e municipais, gerando um novo espaço para o pacto fiscal. Em segundo lugar, porque implicará numa nova composição das cadeiras nas casas legislativas, com departamentos que vão perder e outros que vão ganhar assentos. Há uma compreensão de todos os departamentos da necessidade de se respeitar esse processo, que precisa ser feito com lisura e profissionalismo. Apenas o governo de Santa Cruz destoa, se utilizando de grupos de delinquentes, do lúmpen urbano sem qualquer relação com a cidadania”, declarou Cochi.

Sede da Federação Sindical dos Camponeses foi incendiada pelos fascistas em Santa Cruz

Sobre a manipulação de alguns meios de comunicação, o cientista social assinala que “continuam divulgando repetidamente mentiras sobre o processo boliviano com o objetivo claro de tirar proveito político da situação”. Acredita que “deveriam cumprir o papel de informar e educar, em vez de propagar o descontentamento de uma elite minoritária derrotada nas urnas e ficar propagandeando erroneamente como se fosse o desejo de toda a nação”.

“DIREITA RACISTA E FASCISTA”

A Federação Nacional de Mulheres Camponesas Bartolina Sisa expressou seu repúdio aos milicianos e manifestou sua posição de luta “para defender nosso presidente Luis Arce e o vice-presidente David Choquehuanca, democraticamente eleitos com a maioria dos votos do povo boliviano, diante dessa nova tentativa de golpe de Estado da ultradireita racista e fascista”.

O ministro da Economia, Marcelo Montenegro, lembrou que as “pessoas têm o direito de trabalhar” e por isso “exortou as autoridades de Santa Cruz a acabar com a paralisação de uma vez por todas, pois já causou um prejuízo de mais de US$ 700 milhões até a data”. “Essas elites têm renda e assim é fácil fazer greve”, acrescentou.

A vice-ministra da Comunicação, Gabriela Alcón, destacou que estão sendo investigados “todos os casos” de violência contra jornalistas em Santa Cruz e pediu respeito à liberdade de expressão e ao direito à informação. “O Ministério Público e o Poder Judiciário estão processando todos os casos de violência contra jornalistas, por isso pedimos que os direitos das vítimas afetadas e uma sentença oportuna sejam garantidas no âmbito do devido processo”, ressaltou.

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