Esperanza Martínez, presidente da Concertação, denuncia que o ex-presidente Cartes é quem está por trás do candidato Colorado, Santiago Peña, “o setor de extrema-direita, que precisa ser derrotado” (LWS)

A Aliança Nacional Republicana (Partido Colorado), no governo do Paraguai, terá como candidato Santiago Peña, indicado pelo ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), alçado ao poder após o golpe contra o presidente Fernando Lugo. Em entrevista exclusiva, a senadora e ex-ministra da Saúde, Esperanza Martínez, líder da Frente Guasú-Ñemongeta e presidenta da Concertação – bloco oposicionista – defende uma ampla aliança para derrotar “o partido-Estado que está há 70 anos no governo nacional, com 35 anos de ditadura militar contínua”. Para Esperanza, será uma luta árdua, pois nos últimos anos se somou ao governismo, “a narcopolítica, com tudo o que significa o negócio político transnacional como a lavagem de dinheiro, as drogas e o contrabando de cigarros”.

De acordo com a dirigente, a hora é de o Paraguai investir na integração latino-americana, para “criar um mercado interno e fortalecer nossas economias” a partir das potencialidades de cada um, e construir “um processo regional de desenvolvimento de indústrias de tecnologias complementares”. Com vistas às eleições gerais de 30 de abril de 2023 e, posteriormente, garantir a governabilidade, assinalou, é preciso conformar uma ampla aliança contra as desinformações e ações bolsonaristas dos setores mais retrógrados que, “aqui no Paraguai, estão metidas através de Horacio Cartes e do cartismo, que representam o setor mais de extrema-direita, que precisa ser derrotado”.

LEONARDO WEXELL SEVERO, Hora do Povo – de Assunção-Paraguai

Como presidente da Concertação e líder da Frente Guasú-Ñemongeta quais os pontos que devem aglutinar as forças oposicionistas para derrotar o governo?

No caso da Concertação e das forças políticas que venham a se somar, a unidade é um passo chave da oposição frente a um adversário importante como o Partido Colorado. Ele é um partido-Estado, há 70 anos no governo nacional, com 35 anos de ditadura militar contínua [Alfredo Stroessner esteve à frente de 1954 a 1989]. Nesse período, conseguiram aplicar um modelo patrimonialista de Estado, onde setores privados, associados ao Partido Colorado, tomaram para si toda a estrutura governamental. Os serviços entregues à população formam parte de benesses políticas e de extorsão, seja dando ou retirando benefícios.

A isso é preciso acrescentar que nos últimos anos se somou a narcopolítica, com tudo o que significa o negócio político transnacional como a lavagem de dinheiro, as drogas, o contrabando de cigarros – ressaltando que 30% deste contrabando passa pelo Paraguai. Todas essas cadeias de negócios ilícitos que têm vínculos a nível nacional e internacional.

Com a derrubada do presidente Lugo por meio de um golpe parlamentar, aplicaram políticas neoliberais com privatizações, terceirizações e precarizações”

Esse sistema foi o que agiu para a derrubada do presidente Fernando Lugo (2008-2012) por meio de um golpe parlamentar e instalou, desde 2013, políticas neoliberais que ainda não haviam chegado ao país. O problema das privatizações, terceirizações, precarizações, do endividamento público, e da sustentação do modelo econômico extrativista de matérias-primas sem nenhum valor agregado, tudo isso que nos torna dependentes de commodities e do preço do gado internacional.

A dívida assumida foi para obras viárias que fortalecem o agronegócio e o gado como matriz econômica, tudo às custas do investimento social, como saúde, educação e reforma agrária, e sustentando um modelo latifundiário em que 85% das terras estão concentradas nas mãos de 5% da população.

Se vemos a fortaleza desse sistema e desse modelo, bem como as debilidades da oposição que não conseguiu em todos esses anos do presidente Lugo construir uma ferramenta política unificadora, através de um partido aglutinador, não existe outra forma que não seja a conformação de uma aliança de setores políticos.

Precisamos mudar o modelo econômico e sair do extrativismo para a industrialização. Somos um país que produz alimentos, mas que tem fome”

Seu objetivo deve ser um programa mínimo com a mudança do modelo econômico, o que significa sair do extrativismo para a industrialização, com proteção e apoio à agricultura familiar como sistema de segurança alimentar. Nós damos de comer para 80 milhões de pessoas, mas um de cada quatro paraguaios não come uma refeição ou todas as refeições uma vez por semana. Somos um país que produz alimentos, mas que tem fome.

Então propomos a democratização da terra, a recuperação das tierras mal habidas [adquiridas ilegalmente], a substituição de um modelo extrativista por outro que gere valor agregado, investimentos públicos na área social, em saúde e educação, e uma reforma tributária que enfrente o atual sistema existente, o mais injusto do planeta. Hoje a pressão tributária não alcança 10% e a maioria está em impostos indiretos, 60% recaem sobre o bolso do trabalhador e da classe média empobrecida. Se conseguíssemos avançar em relação a esses eixos, contra a corrupção e a narcopolítica, iríamos fortalecendo as instituições democráticas.

Precisamos que o poder Judiciário seja independente, que o Legislativo saia do atual modelo de corrupção. Será um processo que vai requerer um governo de aliança a longo prazo. Teremos de pensar que esse modelo de Concertação precisa ser um processo como foi o da Frente Ampla no Uruguai, ou como foram as coalizões no Chile, permitindo haver alternância no seu interior, tendo como eixo as reformas estruturais que o país tanto necessita.

A governabilidade depende da força política a ser conquistada no parlamento. Que mensagem está sendo levada à população sobre o significado das eleições gerais de abril de 2023?

A Constituição paraguaia, feita em 1992, após a queda da ditadura, deu um peso político importante ao Poder Legislativo e, principalmente, ao Senado, justamente como contrapeso. Isso torna estratégico para a governabilidade contar com os votos do Senado. Assim, de todos os partidos que conformam a Concertação por um novo Paraguai, a Frente Guasú- Ñemongeta [diálogo, em guarani] representa o setor mais progressista e de esquerda dentro da coalizão. O nosso desafio é eleger o maior número de parlamentares que representem a Frente como garantia dessa agenda política e de governabilidade.

Se não ganharmos o governo nacional, a Frente precisará continuar sendo – como hoje – o bastião de defesa dos trabalhadores do campo e da cidade, dos interesses populares e do Paraguai. Se ganha, precisará sendo controladora do seu próprio governo, para que esses pactos se cumpram e sejam cumpridos, necessitaremos dar-lhes governabilidade. Em qualquer cenário, teremos a obrigação de trabalhar para ter a maior quantidade de legisladores, tanto na Câmara quanto no Senado.

Para a ruptura com o atual modelo, quais são as prioridades?

Estamos às portas da negociação do Tratado de Itaipu, portanto o encontro com o companheiro Lula deve ser uma das agendas prioritárias do próximo governo. Acreditamos que a Concertação pode ser um melhor interlocutor com o Brasil.

Estamos às portas da negociação do Tratado de Itaipu, portanto o encontro com o companheiro Lula deve ser uma das agendas prioritárias do próximo governo”

Em segundo lugar, precisamos recuperar todo o processo de integração, porque uma das ações específicas da direita a nível regional tem sido a desagregação. Imediatamente após a derrubada de Lugo, a direita desarticulou a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), tentou fazer o mesmo com o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e nos obrigou, em tempos de pandemia, a que tivéssemos de negociar individualmente, país por país. Dessa forma, os menores fomos extorquidos para assinar contratos leoninos, e até mesmo os grandes tiveram que fazê-lo.

Essa é uma das agendas mais importantes que temos de reconstruir. A Celac necessita ser nosso ponto comum, sem os Estados Unidos e o Canadá, como vinha sendo; a Unasul, como articulação dos países do Sul, deve recuperar a filosofia inicial da época em que estavam Lula, Chávez, Lugo, Evo, Kirchner e Rafael Correa, quando se falava inclusive num intercâmbio de maneira a que pudéssemos criar um mercado interno na região, que fortalecesse nossas economias. Um país tem petróleo, outro minerais, outro gás, outro alimentos…

É necessário pensar num processo regional de desenvolvimento de indústrias de tecnologias complementares. Creio que, neste momento, nenhum país que pretenda falar de desenvolvimento pode desconhecer a importância do investimento em ciência e tecnologia, em educação. Esse é o caminho.

O Paraguai precisa priorizar a reforma educacional, hoje satanizada pelos grupos de direita fundamentalista, como fez Bolsonaro no Brasil, que tem toda essa ideia da educação como ideologia de gênero. Aqui no Paraguai essas agressões e desinformações bolsonaristas estão metidas através de Horacio Cartes e do cartismo. Eles representam o setor mais de extrema-direita, que precisa ser derrotado.

 

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