Com novo mandato até 2031, Nicolás Maduro toma posse na Venezuela, convoca diálogo nacional e aposta no aprofundamento da Revolução Bolivariana com nova Constituição e democracia participativa

Por Vanessa Martina-Silva

Maduro cumprimenta apoiadores em Caracas na tarde desta sexta-feira (10) (Foto: Francisco Trías)

“Hoje, mais do que nunca, somos Davi enfrentando o Golias imperialista. Nossa luta não é apenas pela Venezuela, é pela dignidade de todos os povos que resistem às imposições de um sistema injusto e predador”. Dessa forma, o presidente constitucionalmente eleito da Venezuela, Nicolás Maduro Moros, reafirmou o compromisso ideológico de seu novo mandato de seguir enfrentando o imperialismo estadunidense a partir de uma gestão alinhada com as demandas populares.

Apesar de todas as tentativas da oposição venezuelana de desestabilizar a democracia do país, a vontade popular mais uma vez venceu no país bolivariano. Nesta sexta-feira (10), Maduro foi empossado para seu terceiro mandato com um discurso de inclusão, voltado para o público interno, e de combatividade contra o imperialismo, para a audiência internacional.

Diante de delegados de mais de 100 países — incluindo a embaixadora brasileira em Caracas, Gilvânia Maria de Oliveira —, Maduro fez um discurso contundente, de aproximadamente 50 minutos, no qual abordou temas-chave, como o rechaço à ingerência estrangeira no país, fortes críticas ao imperialismo e defesa de um mundo multipolar. Ele também convocou um diálogo nacional e anunciou uma reforma constitucional para ampliar a democracia participativa no país e atualizar a Carta de 1999.

O mandatário fez questão de enfatizar que seu poder não advém de forças estrangeiras; ao contrário, emana do povo venezuelano, que manifestou, em julho de 2024, o desejo de que ele permanecesse no poder. A oposição golpista venezuelana tentou mudar o rumo da história, mas não conseguiu.

Logo após a eleição, mais uma vez, a oposição protagonizou protestos violentos no país — dos quais fui testemunha ocular —; gerou comoção externa com a fuga do ex-candidato Edmundo González para a Espanha e o desaparecimento da principal liderança da direita, María Corina Machado, que estava “na clandestinidade” e apareceu nesta quinta-feira (9) para dizer ter sido alvo de um sequestro relâmpago por parte do governo.

Apesar disso, como afirmou Maduro: “o povo venezuelano demonstrou uma consciência revolucionária exemplar, forjada na resistência contra as agressões externas e na defesa de seu direito à soberania. Essa consciência é o que nos permitiu avançar, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, e é nossa maior fortaleza frente ao imperialismo.”

Multidão nas ruas de Caracas em apoio à posse de Nicolás Maduro (Foto: Francisco Trías)

Aprofundamento da democracia

Um leitor mais desatento que navegar pelos principais jornais do país pensará que as eleições venezuelanas foram “fraudadas”, que Maduro enfrenta “fortes protestos”, é um “ditador” e que o país está “mais isolado do que nunca”. Jornais internacionais, seja de que país forem, dirão a mesma coisa, como parte da guerra midiática que o país enfrenta desde 1999 e que ganhou novos contornos atualmente com o apoio das grandes plataformas de comunicação, como Facebook e Instagram (ex-Twitter), que não hesitam em compartilhar mentiras e falsificações.

Imprensa brasileira hoje. Montagem: George Guariento

A realidade, no entanto, é outra. No que tange apenas ao aspecto eleitoral, a Revolução Bolivariana ostenta a marca de 31 eleições realizadas ao longo dos seus 25 anos e conta com 17 auditorias em cada processo, sendo um dos mais transparentes do mundo. Apenas para 2025 estão previstos mais três processos: eleições legislativas, regionais e municipais. Contudo, a mera realização de eleições não pode ser parâmetro para definir o que é uma democracia.

“O poder do povo venezuelano não é um slogan, é uma realidade construída com esforço e luta. Conselhos comunitários, comunas, movimentos sociais: todos são a expressão viva de uma democracia nas mãos de quem verdadeiramente deve exercê-la, o povo,” afirmou Maduro.

Nesse sentido, a Venezuela conta com uma democracia participativa e protagônica. Maduro destacou que esse princípio está definido na Constituição de 1999 e dá aos venezuelanos o papel de protagonistas no processo de decisão política por meio dos conselhos comunais, comunas e outros espaços de organização popular.

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Além disso, o país tem avançado para fortalecer o poder popular, rumo à consolidação do Socialismo do Século 21, como idealizado pelo ex-presidente Hugo Chávez. O mandatário apontou que: “aqui, não decidimos de cima para baixo; construímos de baixo para cima, com o povo como centro e motor do processo revolucionário.”

A partir do poder popular, as comunidades têm poder de decisão e recursos financeiros destinados pelos governos federal e estadual para o desenvolvimento de políticas próprias, definidas pela comunidade. Para isso, estão sendo realizados diversos referendos, nos quais a população é convocada a escolher os projetos mais importantes para sua comunidade.

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“O movimento comunal é nossa ferramenta para transformar o Estado e construir o socialismo. É lá, nas comunas, onde se desenvolve o novo modelo de sociedade que sonhamos e que estamos construindo dia após dia,” afirmou.

Diálogo nacional

Apesar de a oposição mais uma vez trabalhar pela desestabilização do país, Maduro aproveitou o momento de atenção mundial — as eleições venezuelanas só não receberam mais atenção global do que o pleito dos Estados Unidos — para convocar um grande diálogo nacional, com o objetivo de incluir diversos setores da sociedade venezuelana na construção de consensos e avanços estruturais.

“Convoco a todas as forças produtivas, sociais e políticas para um diálogo nacional, sem exclusões, que nos permita encontrar soluções coletivas para os desafios que enfrentamos como nação soberana.”

Maduro cumprimenta apoiadores em Caracas na tarde desta sexta-feira (10) (Foto: Francisco Trías)

Ele também destacou a importância de continuar o processo de estabilização e recuperação de setores essenciais à economia, chamando o setor produtivo privado para apoiar a recuperação econômica. “Fortalecemos alianças estratégicas com setores empresariais nacionais comprometidos com o desenvolvimento do país, sem ceder ao modelo privatizante imposto pelo imperialismo. (…) Estabelecemos uma colaboração produtiva com empresários venezuelanos para garantir a soberania econômica e avançar na diversificação da economia, sempre alinhada com os princípios da Revolução Bolivariana” afirmou.

O mandatário ressaltou ainda que, apesar das adversidades econômicas e das sanções internacionais, o governo venezuelano conseguiu estabilizar e recuperar setores essenciais, garantindo a continuidade de programas sociais e produtivos. “Não é o setor privado que financiará o desenvolvimento comunal, mas sim o Estado, sob a Revolução Bolivariana, que seguirá utilizando seus recursos para transformar a economia e aprofundar a democracia participativa e protagônica.”

Sete grandes transformações

O novo período presidencial, de 2025 a 2031, tem como plano de governo o projeto chamado Sete Grandes Transformações. Maduro detalhou cada uma delas:

1. Transformação econômica para um modelo produtivo e diversificado

Essa transformação está inserida no contexto do bloqueio econômico e das sanções internacionais impostas pelos Estados Unidos contra a Venezuela. Apesar da tentativa imperialista de sufocar a economia e, sem exageros, matar a população de fome, tal como visto nos difíceis anos de 2017 a 2019, a Venezuela vive um momento de diversificação econômica e incentivo à produção nacional. De acordo com Maduro: “estamos construindo uma economia sólida, baseada no trabalho, na produção e na justiça social. Este é o caminho para garantir a independência definitiva da nossa pátria.”

2. Construção de cidades humanas e o fortalecimento dos serviços públicos

Essa transformação busca melhorar a infraestrutura urbana, fortalecer os sistemas de saúde, educação e transporte, e garantir que todos os recursos cheguem diretamente às comunidades. “Devemos garantir cidades humanas, onde a qualidade de vida seja uma prioridade. Isso inclui o acesso a serviços básicos eficientes, espaços públicos dignos e a implementação de um modelo urbano que responda às necessidades do povo,” afirmou.

3. Segurança cidadã e defesa nacional

Há 26 anos, a Venezuela resiste à pressão estrangeira, às tentativas de golpe e aos processos de desestabilização, além de uma guerra híbrida e midiática contra o país. De acordo com o líder bolivariano, isso só foi possível graças à articulação interna e à união entre as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) e o poder popular. Em seu discurso, declarou: “A defesa de nossa soberania é um eixo central dessa transformação. Não há paz sem defesa, e não há defesa sem a união cívico-militar. Enfrentamos agressões externas e as derrotamos com a força de um povo organizado e consciente de seu papel histórico.”

4. Luta contra as mudanças climáticas e a construção de uma “Venezuela verde”

Essa transformação reflete o compromisso do governo venezuelano com uma agenda ambiental que integre soberania energética, preservação da biodiversidade e enfrentamento das desigualdades ambientais impostas pelo sistema capitalista. “Nossa luta contra as mudanças climáticas é uma prioridade para garantir a vida em nosso planeta. Avançamos rumo a uma Venezuela verde, com projetos que promovam a energia renovável, a reflorestação e a proteção dos nossos recursos naturais como base para um desenvolvimento sustentável,” afirmou Maduro.

5. Geopolítica multipolar e soberana

Durante o discurso de posse, Maduro ressaltou a importância do ingresso da Venezuela ao Brics+. Lembrando o Libertador Simón Bolívar, destacou a vocação internacionalista da Revolução Bolivariana e sua luta por uma ordem internacional justa, sem ingerências externas. “A Venezuela avança em direção a um mundo multipolar, trabalhando ao lado de blocos como a ALBA, os BRICS e outras nações independentes. Nossa diplomacia é de paz, mas também de firmeza na defesa de nossa soberania,” enfatizou.

6. Democratização do poder e a consolidação do Estado Comunal

Maduro apontou que a transição para o modelo comunal exige recursos materiais, organização popular e a superação das barreiras impostas pelo capitalismo. Segundo o presidente: “nosso objetivo é construir uma democracia direta, onde o povo, por meio das comunas e conselhos comunitários, tome as decisões fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Esse modelo nos permitirá superar as estruturas do velho Estado burguês e avançar para um Estado comunal e socialista.”

7. Revolução cultural e tecnológica

Esse eixo reflete o compromisso do governo em integrar tecnologia e cultura como pilares para a emancipação do povo venezuelano, algo que vem sendo buscado pelo país já há algum tempo. “A revolução cultural e tecnológica deve ser o motor de um novo modelo de desenvolvimento. Apostamos na ciência, na inovação e na educação como ferramentas para transformar a consciência e construir uma sociedade mais justa e solidária,” destacou.

Chavistas nas ruas de Caracas em apoio à Maduro (Foto: Francisco Trías)

Reforma constitucional

A Constituição venezuelana tem 25 anos e é considerada uma das mais avançadas do mundo no que se refere aos direitos e garantias à população. Em 2017, foi convocada uma Assembleia Constituinte com o objetivo de pacificar o país. Porém, apesar de mudanças na Carta Magna, não houve a promulgação de uma nova constituição.

Maduro justificou a necessidade de uma reforma constitucional, conduzida por meio de um grande diálogo nacional, com o objetivo de avançar na democratização do país e fortalecer o poder popular como eixo central da revolução. “É necessário construir uma Constituição que responda às transformações da nossa economia, da nossa sociedade e às ameaças que o desenvolvimento tecnológico apresenta. Esta nova etapa exige instituições fortes e uma capacidade renovada de resposta aos desafios do presente e do futuro,” explicou.

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