Néstor, Rubén, Arnaldo e Luis Olmedo: comemoração |
Após mais de seis anos, magistrados tomam decisão histórica e revogam as mentiras do latifúndio e das transnacionais do agronegócio
LEONARDO WEXELL SEVERO
Em decisão histórica contra a mentira institucionalizada pelo latifúndio e pelas transnacionais do agronegócio, a Sala Penal da Corte Suprema de Justiça do Paraguai absolveu nesta quinta-feira (26) os camponeses acusados pelo massacre de Curuguaty.
Conforme os magistrados, não se pôde comprovar que os acusados tiveram qualquer tipo de participação na carnificina de 15 de junho de 2012. Na oportunidade, seis policiais e 11 trabalhadores rurais morreram após um “confronto” provocado pela ação de franco-atiradores no acampamento sem-terra de Marina Kue, em Curuguaty. No local, havia uma disputa entre o Estado e a família do senador Blas Riquelme, um dos grandes beneficiados pela ditadura pró-estadunidense de Alfredo Stroessner (1954-1989), que acusava os camponeses de terem invadido uma propriedade que não era sua.
Na fatídica data, 324 policiais – dispondo inclusive de helicóptero – cercaram menos de 60 camponeses – metade mulheres, crianças e idosos. Os trabalhadores rurais não portavam armas de grosso calibre – das quais partiram os projéteis que provocaram as mortes – e as garruchas que dispunham sequer foram disparadas. Para completar a manipulação, engrossada pela mídia que contribuiu para a derrubada do presidente Fernando Lugo exatamente uma semana depois da carnificina, no dia 22 de junho, a polícia fez com que “desaparecesse” a filmagem do helicóptero sobrevoando o acampamento, da mesma forma que uma série de provas e indícios favoráveis à equipe de advogados dos sem-terra.
Utilizados para a deposição de Lugo, os camponeses de Curuguaty transformaram-se em presos políticos, de um processo viciado de fio a pavio pela camarilha de Stroessner.
“TÊM QUE SAIR LIVRES”
De acordo com o juiz Emiliano Rolón, a decisão foi unânime em favor dos camponeses: “não haverá novo julgamento, simplesmente se revoga a decisão do Tribunal. Têm que sair livres”. O fato, sublinhou, “é que não se pôde ver quem disparou, houve falta de evidências, somada a numerosas irregularidades, como alterações da cena do crime”. “A investigação foi muito incipiente, foram cometidos muitos erros”, reiterou o jurista, para quem os recorrentes desacertos, sempre em favor de um lado da balança, requerem uma profunda reflexão. “É uma administração de Justiça em crise”, enfatizou.
Com a recente decisão, os magistrados Arnaldo Martínez Prieto, Cristóbal Sánchez e Emiliano Rolón Fernández votam por unanimidade pela anulação da sentença do Tribunal de primeira instância – que havia sido composto pelos mais do que suspeitos Ramón Zelada, Benito González e Samuel Silvero – com longo currículo de serviços prestados ao strossnismo – e o do Tribunal de Apelações – integrado pelos igualmente viciados Carlos Domínguez, María Belén Agüero e Narciso Ferreira.
Além de defenderem a absolvição dos condenados, Arnaldo Martínez e Emiliano Rolón se pronunciaram para que não se voltasse a realizar um novo julgamento oral e público. Sánchez também defendeu a absolvição, mas foi voto vencido quanto à realização de um novo julgamento.
BARRACA DA RESISTÊNCIA
Dançando diante da Barraca da Resistência – mantida com tenacidade e desprendimento durante mais de dois anos de pé por vítimas e familiares dos presos em frente ao Tribunal de Justiça -, a historiadora e escritora Margarita Durán Estagró e a ex-presa política e ativista Guillermina Kanonikkoff, coordenadoras do Comitê de Solidariedade aos presos de Curuguaty, comemoraram a decisão e anunciaram o começo das festividades no acampamento de Marina Kue.
“É um momento único e festivo que marca as nossas vidas, multiplica e potencializa a luta dos paraguaios por justiça, terra e liberdade. Esta é uma vitória maiúscula que energizará e mobilizará milhares”, declarou Guillermina, anunciando o que está por vir.
Devem ser libertados ainda nesta sexta-feira da criminosa e desumana Penitenciária de Tacumbú, em Assunção, os quatro presos políticos remanescentes: Rubén Villalba (35 anos de prisão); Luis Olmedo (20 anos de prisão), Néstor Castro e Arnaldo Quintana, com 18 anos, absurdamente condenados por “homicídio doloso”, “associação criminosa” e “invasão de imóvel.
Os demais sentenciados e que já cumpriram pena são Dolores López, Lucía Agüero e María Fani Olmedo, condenadas a seis anos de prisão, e Adalberto Castro, Alcides Ramírez, Felipe Benítez Balmori e Juan Carlos Tillería, condenados a quatro anos.
Na avaliação de Óscar Ayala, dirigente da Coordenadora de Direitos Humanos do Paraguay (Codehupy), “foi sobretudo um ato de justiça” que confronta um julgamento viciado e arbitrário. “Esta é a melhor notícia que poderíamos ter recebido”, frisou.
Para o advogado Jorge Bogarín, seus defendidos “não devem estar nem um minuto a mais na prisão”, pois “foram vítimas de muitíssimos erros”. Em relação ao ressarcimento para fazer frente a tantos anos de agruras e maus-tratos, o advogado acredita que isso se verá depois, “pois estamos em um momento de alegria”.