O ultra-direitista José Antônio Kast terminou o 1º turno das eleições do Chile neste domingo (21) à frente de todos os seis concorrentes, com 28,9% dos votos, e vai disputar o 2º turno com Gabriel Boric, um dos líderes dos levantes populares de 2019, votado por 25,8% dos chilenos.

A diferença entre os dois foi de apenas 2,1%, ou 146.313 votos, o que deixa indefinido o nome do sucessor de Sebástian Piñera que sairá das urnas em 19 de dezembro.

Rafael Duarte, de Santiago*

O resultado surpreendeu especialistas e a esquerda, especialmente porque as eleições de 2021 são as primeiras após as manifestações que obrigaram o atual presidente Sebástian Piñera a demitir todo o Ministério, revogar o reajuste no preço do transporte e a convocar um plebiscito para mudar a Constituição.

A participação dos chilenos no 1º turno foi a maior desde 2012, quando o Congresso aprovou o fim do voto obrigatório. Ao todo, 7,1 milhões de eleitores foram às urnas para escolher o presidente, senadores, deputados e membros dos conselhos regionais. Proporcionalmente, a participação foi de 47,3%.

Essa é a segunda vez que Kast disputa a presidência do Chile. Em 2017, ficou em 4º lugar com 7,9% dos votos. No 2º turno, apoiou o atual presidente Sebástian Piñera, de quem espera reciprocidade agora.

Nas eleições deste ano, o candidato governista Sebástian Sichel foi o 4º mais votado, com 12,8%, mesmo percentual de Franco Parisi Fernandez, outro concorrente que teve resultado surpreendente. Surfando na antipolítica, Parisi fez a campanha pelas redes sociais morando dos Estados Unido.

No Chile, ele é alvo de ações milhonárias que lhe cobram pagamento de pensão alimentícia para dois filhos, além de acusado em outras ações por supostos crimes de fraude e lavagem de dinheiro.

Quem é José Antonio Kast

Advogado e defensor da ditadura de Augusto Pinochet, o candidato pelo Partido Republicano do Chile José Antônio Kast nasceu em Santiago e tem 55 anos de idade. Ultra-direitista, é considerado uma espécie de “Bolsonaro chileno” pela visão ideológica estreita, o forte discurso nacionalista e a disseminação de ódio contra minorias sociais como estratégia política.

Um dos principais alvos do ultra-direitista é o povo Mapuche, etinia indígena que mais resiste à escalada de violência do Estado chileno que avança há várias décadas sobre os limites do território do grupo.

O candidato da Frente Ampla Gabriel Boric mostrou no último debate entre os candidatos as propostas do ultra-direitista / Foto: reprodução

O anti-comunismo, a situação de Cuba e da Venezuela estão sempre na ponta da língua do extremista:

– Existe uma situação que faz diferença com o que ocorre em Cuba, Venezuela e Nicarágua. Acredito que o que aconteceu na Nicarágua reflete plenamente o que não aconteceu no Chile (com Pinochet): foram realizadas eleições democráticas e não foram travados adversários políticos. Isso faz a diferença fundamental”, disse já na reta final de campanha.

Kast também foi uma das vozes que mais criminalizou os manifestantes dos protestos que sacudiram o Chile há dois anos e fez campanha contra o plebiscito no qual 78,2% dos chilenos que foram às urnas decidiu mudar a Constituição do país, atualmente em processo de elaboração.

O texto atual, que define os limites de direitos e deveres dos chilenos, foi aprovada em 1980, ainda sob o regime de Pinochet, que permaneceu no poder entre 1973 e 1990.

Sobre o discurso de ódio, o professor de jornalismo da PUC de Valparaíso Pedro Santander destaca que há um exército organizado por ultra-direitistas nas redes sociais para atacar a elaboração da nova Constituinte e especialmente a acadêmica mapuche Elisa Loncon, que lidera o processo. Santander criou um grupo com linguistas, estrangeiros e jornalistas para monitorar as redes sociais:

– Detectamos que 8.048 contas de usuários únicos que, só em agosto, participaram dos ataques, são de ultra-direita e participaram do rechaço ao plebiscito. E isso não é pouco porque participam de forma constante, incisiva. São contas que já estavam operando desde o plebiscito, em julho deste ano. São militantes, ativistas atacando. São ligados à ultra-direita, hoje apoiando a candidato do José Antonio Kast. O objetivo dos ataques contra Elisa Loncón é sua condição de mapuche e de mulher. A convenção representa os 9 povos orginários, mas só atacam os mapuches, não atacam os demais. É um discurso de ódio com caráter misógino e racista”, ressaltou.

Por que Kast é mais excludente que Bolsonaro

Além do discurso de ódio e da promessa de reduzir o tamanho do Estado e garantir mais poder para as polícias e para as Forças Armadas, outros pontos aproximam Kast e Jair Bolsonaro, especialmente na área social, o que reforçam o apelido de “Bolsonaro chileno”.

No programa de governo do ultra-direitista, há promessas que nem o presidente do Brasil foi capaz de fazer antes de executá-las, a exemplo como o fechamento do Instituto Nacional dos Direitos Humanos (pág.26), a extinção do Ministério da Mulher (pág. 170), a revogação da lei que permite o aborto (pág. 171) e o fechamento da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO).

Kast também propõe incentivos para cursos de preparação de matrimônios e subsídios para planos de saúde somente para casais formados por um homem e uma mulher (pág. 172).

No campo previdenciário, Kast diz, com todas as letras no programa de governo que “a melhor forma de melhorar as pensões é aumentar a idade da aposentadoria” (pág.71). E mais: “Subir a idade de aposentadoria das mulheres” (pág.97).

Origem na Alemanha nazista e devoção a Pinochet

Kast se vê como imagem e semelhança de Pinochet. Tanto que, na última semana de campanha, o ultra-direitista afirmou não ter dúvidas de que se estivesse vivo, o ditador votaria nele. A ligação entre as duas famílias também é política. Um dos nove irmãos do presidenciável, Miguel Kast, foi nomeado para a presidência do Banco Central do governo Pinochet em 1982, mas renunciou ao cargo poucos meses depois.

De acordo com reportagem publicada pelo portal chileno Interferência, a família Kast-Rist veio para o Chile após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e teve grande influência na transformação ideológica da direita a partir dos anos 70.

O patriarca do clã, Michael Kast Shindele, foi ex-tenente do Exército da Alemanha nazista e lutou na França, no front russo, na península da Criméia, e depois – a partir de 1944- na Itália, até a invasão do aliados e o armistício que o surpreendeu em Trento.

Na política chilena, os Kasts ainda contam com Felipe Kast, sobrinho do atual candidato à presidente, ocupando uma cadeira no Senado até 2026.

Mais fascismo

Recentemente, Kast voltou a criar polêmica ao afirmar não ter havido prisão política durante a ditadura pinochetista. No entanto, relatórios das comissões da Verdade instaladas no Chile em 1991, 2001, 2004 e 2011 provam o contrário. A ditadura matou pelo menos 3.216 pessoas, torturou 38.254 chilenos, roubou pelo menos 7 milhões de hectares de camponeses e indígenas, demitiu 230 mil trabalhadores e exilou aproximadamente 200 mil compatriotas.

As declarações negacionistas foram rebatidas pelo diretor-executivo do Museu da Memória e dos Direitos Humanos Francisco Estéban. À agência Saiba Mais/ComunicaSul, ele comparou Kast com Bolsonaro:

– É preciso ver que o vínculo entre Kast e Bolsonaro é um vínculo que existe, não necessariamente porque se querem muito bem, mas porque os dois têm a mesma visão ideológica, o que aqui chamamos de fascismo. E que se manifesta através de um forte nacionalismo em nome do que se cometeram inúmeras violações contra os Direitos Humanos no Chile. Ao mesmo tempo, Kast e Bolsonaro se apresentam como uma alternativa de liberdade, mesmo sendo o contrário, já que tanto um como o outro representam alternativas atentatórias contra a liberdade”, afirmou.

“Mais polido, menos tosco”, destaca cientista política

A cientista política venezuelana e professora da faculdade de Economia, Governo e Comunicação da Universidade Central do Chile Neida Colmenares Mejías também vê uma relação muito estreita entre Kast e o presidente brasileiro. Mas pontua diferenças, especialmente sobre a forma do discurso.

Neida Colmenares Mejías pontua que Kast está ocupando um vácuo deixado pelos políticos tradicionais / Foto: Alana Souza

Para ela, “Kast é um Bolsonaro mais polido, menos tosco”, o que o ajuda a avançar sobre setores da direita após a derrocada de políticos tradicionais nas manifestações de 2019:

Em seu discurso, uma diferença entre Kast e Bolsonaro é que o Kast não se apresenta como antipolítico, assim como outros candidatos. Ele se mostra como alguém capaz de suprir a necessidade cotidiana, é dono de um discurso muito simples, pragmático. Capaz de resolver a vilolência que Piñera não conseguiu controlar, ataca imigrantes pobres, foca na questão da previdência, que afeta muita gente. E Kast também ocupa um espaço vazio no setor da direita porque os politicos tradicionais saíram muito golpeados das manifestações de 2019”, diz.

Na comunicação de Kast com o publico estão presentes os valores da família, da religião e ataques à diversidade sexual e às questão de gênero que, na visão da cientista política, vai precisar se adaptar para atrair mais eleitores no 2º turno:

– Há setores da direita no Chile mais liberais, que defendem a liberdade sexual e de gênero. Pensando numa segunda volta, Kast vai precisar se mostrar disponível para abrir o discurso e sentar com outros setores da direita”, opina.

Esta reportagem foi elaborada pela Agencia Saiba Mais/Coletivo ComunicaSul, com o patrocínio do Barão de Itararé, Agência Carta Maior, jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Apeoesp Sudeste Centro, Intersindical, Sintrajufe-RS, Sinjusc, Sindicato dos Bancários do RN, Sicoob, Agência Sindical e 152 contribuições individuais.

 

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