
Referencial de líder e de combatente, o ex-presidente do Uruguai faleceu nesta terça-feira deixando seu legado de integridade e humildade para as futuras gerações
O ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica (2020-2015), uma das lideranças mais importantes e prestigiadas da América Latina, morreu nesta terça-feira (13) em Montevidéu após uma longa batalha contra o câncer de esôfago.
“É com profundo pesar que anunciamos o falecimento do nosso colega Pepe Mujica”, anunciou o presidente e amigo Yamandú Orsi, valorizando o “presidente, militante, referente e guia”. “Vamos sentir muito a sua falta, querido velho. Obrigado por tudo o que você nos deu e por seu profundo amor pelo seu povo”, enfatizou Orsi, da Frente Ampla.
“O ex-presidente Mujica foi um entusiasta do Mercosul (Mercado Comum do Sul), da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), um dos principais artífices da integração da América do Sul e da América Latina e, sobretudo, um dos mais importantes humanistas de nossa época”, assinalou o governo brasileiro. Lamentando a morte do “grande amigo do Brasil”, o Itamaraty lembrou do compromisso de Mujica com a “construção de uma ordem internacional mais justa, democrática e solidária”.
“Pepe Mujica, o grande revolucionário, o presidente do Uruguai, morreu. Adeus, amigo”, saudou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, para quem o combatente deixou marcada no coração do continente a sua contribuição para o projeto de integração latino-americana.
Em meados de maio, sua esposa e atual senadora Lucía Topolansky, ex-vice-presidente do Uruguai (setembro de 2017 a fevereiro de 2020), confirmou que o companheiro se encotrava numa situação terminal e pediu a todos que respeitassem o momento de folga de tão incansável combatente.
“O GUERREIRO TEM DIREITO AO DESCANSO”
“Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”, declarou Mujica, de 89 anos, quando detectar que, após dezenas de sessões de radioterapia, estava sem condições de combater a metástase por estar idoso e ter duas doenças crônicas.
Líder do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, organização guerrilheira que enfrentou a ditadura militar, Mujica levou seis tiros que lhe levaram meio pulmão, ficou quase 15 anos preso, 11 deles em uma solitária – onde precisou beber a própria urina para não morrer de sede – foi deputado, senador, ministro e presidente, transformando-se gradualmente em referencial da luta pela democracia, justiça social e pelos direitos humanos com reconhecimento internacional.
Um período exemplar de mais de meio século de lutas e conquistas, onde o velho combatente cativou a todos dando vida às palavras do cubano José Martí: “A melhor maneira de dizer é fazer!”
Sempre clamou pela reflexão com seus discursos anticonsumistas, praticando o que predicava e abrindo futuro às novas gerações, como fez quando garantiu que as centenas de milhares de estudantes das escolas públicas tivessem o seu próprio computador.
Entre as principais parcerias registrava a da Venezuela de Hugo Chávez, líder a quem considerava “o governante mais generoso que conheci, com vários gestos enormemente solidários com os uruguaios”.
CONSISTÊNCIA E COERÊNCIA NO COMBATE AO INDIVIDUALISMO
Nas frases de Mujica, consistência e coerência: “A economia globalizada não tem outra força motriz senão o interesse privado de muito poucos”; “Prometemos uma vida de esbanjamento e desperdício, que em última análise constitui uma contagem regressiva contra a natureza e contra a humanidade como o futuro”; “Se nós, nesta humanidade, aspiramos a consumir como um americano médio, três planetas são essenciais para podermos viver”; “Nosso mundo precisa de menos organismos globais servindo cadeias hoteleiras e de mais humanidade e ciência”.
De forma humilde, o eterno combatente tupamaro morou numa pequena chácara nos arredores de Montevidéu, em uma casa modesta que necessitou transformar o galinheiro para hospedar a guarda presidencial. À frente do governo doou 90% do seu salário ao Juntos, plano de moradia estatal, e tem como único bem em seu nome um Fusca azul de 1987.
Chegava no Parlamento pilotando seu Fusca ou a moto Vespa com terras nas unhas, vestindo botas de plástico sujas após cultivar flores e hortaliças. Por quê? “Os políticos têm que viver como vive a maioria e não como vive a minoria”. Afinal, “A política é a luta pela felicidade de todos!”
Para conhecer mais da história deste incansável e exemplar batalhador, assista Uma Noite de 12 anos.
HORA DO POVO