Oscar Ayala, secretário-executivo da Codehupy

 

Treinada pelo “Plano Colômbia”, Sandra Quiñónez persegue juízes que libertaram os camponeses de Curuguaty. Dirigente da Coordenação de Direitos Humanos, Oscar Ayala condena “ações em favor do agronegócio”
LEONARDO WEXELL SEVERO 
“Representando o poder político dos grandes latifundiários, a procuradora geral da República, Sandra Quiñónez, ameaça com duras represálias os juízes que põem freios e insurgem contra os constantes atropelos realizados pelo agronegócio. Suas ameaças são direcionadas a quem dá amparo ao que é justo e defende os mais frágeis em um confronto desigual”, afirmou Oscar Ayala, secretário-executivo da Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy).
Para o ativista, que nos recebeu na sede da entidade em Assunção, “o atual sistema judiciário paraguaio é fruto da corrupção, mas também da manipulação política da Justiça, da parcialidade em favor dos poderosos, em boa parte estrangeiros”.

Exibindo cartuchos dos mais diferentes calibres de armas, tiros que têm massacrado impunemente comunidades rurais do Norte a Sul do país, Ayala condenou “a articulação entre o agronegócio e o narcotráfico”, e alertou como “o cultivo da soja se estende a partir da fumigação ilegal de veneno, da contaminação da água, da destruição dos bosques e do assassinato de lideranças”. “Em inúmeros conflitos, particularmente nas regiões de fronteira, a polícia tem abandonado o local para a atuação dos pistoleiros particulares das grandes corporações do agronegócio. Recentemente uma liderança que lutava pela terra desapareceu e foram encontrados restos de massa encefálica. Como não qualificar essa prática de terrorismo de Estado?”, questionou.
Integrada por 39 organizações sociais e não-governamentais, como a Associação Americana de Juristas, a Coordenação de Mulheres do Paraguai e a Anistia Internacional, a Codehupy repudiou a manipulação do Júri de Acusação de Magistrados (JEM) pela Procuradoria Geral da República. “É clara a motivação política por detrás desta ação”, frisou Ayala, denunciando que o processo contra os renomados juízes Emiliano Rolón Fernández e Arnaldo Martínez Prieto, responsáveis pela absolvição dos camponeses de Marina Kue, em Curuguaty, “visa dar uma lição exemplar a fim de atemorizar os demais”. Integrantes da Sala Penal do Tribunal Superior de Justiça, os dois juízes afrontaram o viciado roteiro e colocaram por terra um a um os “argumentos” utilizados por promotores e juízes mercenários, usados como marionetes para incriminar inocentes em primeira e segunda instâncias.
Desde o dia 15 de junho de 2012, os sem-terra vinham sendo alvo de uma intensa campanha de mentiras que os havia condenado a até 35 anos de prisão por “homicídio doloso, associação criminosa e invasão de imóvel alheio”, devido a uma carnificina feita por franco-atiradores treinados pelos Estados Unidos. O “conflito” em que morreram 11 camponeses e seis policiais foi utilizado para depor o presidente Fernando Lugo, uma semana depois.
PLANO COLÔMBIA
 
Vitaminada pelo Plano Colômbia e sua lógica do “inimigo interno”, “criminalização” e “militarização” do campo paraguaio, a procuradora Sandra Quiñónez – nomeada pelo ex-presidente Horacio Cartes no apagar das luzes de seu governo – é denunciada tanto pela violência com que atua, como pela impunidade em que navega.
Leonardo Severo e Oscar Ayala na sede da Codehupy, em Assunção
Agindo como fiscal anti-sequestro desde 2004, viajou constantemente à Colômbia para receber adestramento norte-americano, da mesma forma que boa parte das “forças especiais” que atuaram em Curuguaty no dia do massacre. A bem da verdade, as tropas especiais também ganharam treinamento ianque na Escola das Américas, no Panamá.
Conforme Oscar Ayala, “é conhecido que Sandra Quiñónez tem uma extensa ficha corrida de práticas atentatórias contra os direitos fundamentais do ser humano”. Entre outras violações, ela manteve presos – durante um ano e sete meses – 14 dirigentes dos trabalhadores rurais, entre eles a Don Sindulfo Agüero, veterano líder da Organização Camponesa do Norte (OCN), com 70 anos na época. Depois de todo este tempo encarcerados, foram libertados, pois não foi encontrada qualquer prova que os vinculasse com a acusação de “sequestro e terrorismo”, sustentada pela inquisidora. Pela sua decisão em favor da verdade e da justiça, o juiz Gustavo Bonzi foi perseguido e destituído do cargo. Após fortes pressões de Quiñónez e do Ministério Público, a causa foi reaberta.
Este não foi o primeiro nem seria o último caso em que Quiñónez tentou usar de sua autoridade para atropelar inocentes. De acordo com o Centro de Investigações Sociais Base, já em janeiro de 2009 ela havia encabeçado violentas invasões a comunidades rurais do Norte do país: em Kurusu de Hierro recordam com tristeza como crianças e adolescentes foram obrigados pela polícia a se jogar no chão, em plena madrugada, sob a mira de armas e o olhar sádico de Quiñónez. “Destruição de cultivos de subsistência, portas e janelas das casas, roubo de celulares e ameaças de morte” foram as marcas da sua passagem pela comunidade, relata o informe do Serviço de Paz e Justiça (Serpaj).
PLANTAÇÃO DE EVIDÊNCIAS
 
O Base destaca que, somada à trajetória da midiática personagem, existem inúmeros relatos de camponeses que a responsabilizam por práticas criminosas, como a plantação de evidências e o aval a tenebrosos abusos durante ações policiais. Um informativo do Base recorda que a procuradora converteu livros, panfletos e filmes em “provas irrefutáveis” da participação de camponeses em sequestros e atos terroristas. Além disso, é defensora da teoria de que o Ministério Público pode fazer escutas telefônicas e buscar outros dados privados, sem qualquer tipo de ordem judicial.
A Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo (CLOC– Via Campesina), seção Paraguai, reforça a condenação: “Quiñónez tem o triste mérito de haver sido a primeira autoridade fiscal a aplicar a ‘Lei Antiterrorista’ contra camponeses no marco da luta pela terra, agravando a perseguição de inocentes”. Integrada pela Federação Nacional Camponesa, Organização de Luta pela Terra e pela Organização de Mulheres Camponesas e Indígenas (Conamuri), a Coordenadora sustenta que a presença de Quiñónez na Procuradoria Geral da República eleva a tensão.
Diante de tantos e tão cabais argumentos, sintetiza a Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai, “além de expressar nossa solidariedade aos juízes Rolón Fernández e Martínez Prieto, exigimos que o Júri de Acusação de Magistrados retome o caminho da justiça e que, ao final do processo em curso, conclua com o rechaço à pretensão da procuradora geral, único caminho para contribuir com a independência do Judiciário e de restabelecer a institucionalidade na República”.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *