Movimentos sociais do Paraguai condenam governo de Cartes e exigem imediata libertação dos sem-terra.


Por Leonardo Wexell Severo
Movimentos pedem a liberdade dos presos políticos de Curuguaty| Fotos: Leonardo Wexell Severo

Em meio às velas postadas no chão em frente à cabine ao lado do portão do Hospital Militar de Assunção, na capital paraguaia, o agricultor Mariano Castro aguarda notícias dos filhos Nestor, de 31 anos, e Alberto, de 25, em greve de fome desde o dia 14 de fevereiro de 2012.

Da mesma forma que Ruben Villalva, Arnaldo Quintana e Felipe Balmori, os jovens sem-terra são presos políticos do governo do presidente Horacio Cartes, acusados pelo massacre no assentamento de Marina Kue, no município de Curuguaty. Com a greve, que completa 48 dias nesta quarta-feira (2), os cinco – com a solidariedade do movimento social paraguaio – reivindicam ser colocados em liberdade provisória, até que a Justiça defina sobre a verdadeira titularidade dos terrenos, já que estão sendo julgados como invasores.

No “enfrentamento”, que serviu como justificativa para o golpe fascista contra o presidente Fernando Lugo, morreram seis policiais e 11 camponeses em 15 de junho de 2012. Um dos sem-terra que perderam a vida, Adolfo, de 28 anos, também era filho de Mariano. Nestor, como muitos que sobreviveram, foram submetidos às mais repulsivas covardias: tendo o maxilar esquerdo destruído à bala. Embora o ferimento fosse extremamente grave, ele só teve “direito” à cirurgia em novembro, cinco meses depois.

Mariano: dois filhos presos e um assassinado 

Tranquilo, arrumando faixas e cartazes, Mariano cumprimenta amigos e parentes dos demais presos. Veste uma camiseta de luto e de luta, com a bandeira preta tremulando ao lado da tricolor vermelho, branca e azul, do Paraguai, e os dizeres Marina Kue, pueblo m’bae (Esta terra é nossa!). “Até agora a investigação tem sido completamente parcial, pois o atual governo tem muito a esconder”, protesta Mariano, lembrando que na operação de guerra foram utilizados mais de 300 policiais fortemente armados, acompanhados de helicóptero.

Com cerca de dois mil hectares, a terra que pertence ao Estado paraguaio, foi ocupada pelos camponeses. Eles haviam solicitado ao governo Lugo sua desapropriação para fins de reforma agrária, mas atendendo aos interesses da família Riquelme – ligada à ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) -, um juiz e uma promotora ordenaram a retirada das famílias. À frente da ação encontrava-se o chefe do Grupo Especial de Operações (GEO), irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da segurança do presidente, um dos primeiros a cair morto, precipitando o tiroteio.

FRANCO-ATIRADORES – “O fato é que os camponeses não tinham armas de grosso calibre e os policiais foram mortos com armas de guerra. Os tiros iniciais vieram do monte e também do helicóptero, com o uso de franco-atiradores”, relatou Mariano, esclarecendo que os fascistas utilizaram o confronto como combustível para o golpe. A ação guarda muita similaridade ao procedimento utilizado pela CIA em Puente Laguno, na Venezuela, durante o golpe contra o presidente Hugo Chávez, questionamento que cresce à medida que se comprova o treinamento de vários membros da elite da GEO por militares estadunidenses na Colômbia, durante o governo fascista de Álvaro Uribe.

Manifestações e vigílias exigem a libertação dos presos 

“Curuguaty é do Estado paraguaio. Estou seguro porque manuseei os documentos: os latifundiários entraram em propriedade alheia”, esclareceu o advogado Martin Almada, um dos mais renomados intelectuais da América Latina e Prêmio Nobel da Paz Alternativo, reiterando a inocência dos sem-terra, que serviram como bode expiatório para o golpe contra Lugo.

Martina Paredes perdeu dois irmãos no “confronto”. Vestindo a camisa com os dizeres da campanha “O que ocorreu em Curuguaty?”, declarou, segurando o cartaz que lembra o número de dias da greve, “apenas buscar justiça”. “Luiz tinha 25 anos e Firmin 28. Não eram folgados, só queriam terra para trabalhar. Nunca tiveram a intenção de matar ninguém. Somos uma família de 11 irmãos e meu pai tinha somente cinco hectares. Não havia como produzir e como aquela terra é pública, foram para lá jovens de uma mesma colônia. Uma lástima. As famílias ficaram completamente desestruturadas. Agora aqui neste hospital há cinco vidas que a qualquer momento podemos perder. Eles estão em greve de fome porque foram acusados injustamente de invasão de terras alheias, enquanto todos sabemos que é um patrimônio do Estado, que uma empresa tomou e passou a alugar para brasileiros plantarem soja”.

Cecília VyuK: foi armação dos golpistas

SOLIDARIEDADE – Uma das principais organizadoras da rede de solidariedade aos presos políticos de Curuguaty, Cecília Vuyk frisou que “até agora não há uma única investigação da Promotoria sobre a atuação da Polícia, absolutamente nenhuma. Tudo é voltado e montado para incriminar os camponeses”. “São presos políticos, pois o Estado não permite que se mostre o que houve em Curuguaty”, assinala. Conforme Cecília, o golpe contra lugo teve três passos e o primeiro foi justamente o massacre de Curuguaty. “Depois, às pressas, se fez um julgamento político em que se destituiu o governo e veio a eleição de abril, totalmente manipulada, em que fecharam o cerco, numa aparência de que está tudo em ordem”, destacou.

Até o momento os promotores José Sarza e Jalid Rachid – filho de Blader Rachid, ex-presidente do Partido Colorado, controlado por Stroessner – mantêm a versão de que os camponeses são os culpados e que não há previsão de julgamento antes do final de junho. Sarza, que ordenou a brutal ação policial em Curuguaty, acaba de ser processado por corrupção ativa, ao exigir mais de 15 mil dólares de um proprietário rural para ordenar a expulsão de assentados.

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