Prefeito de La Paz e líderes empresariais condenam continuidade dos bloqueios e atos criminosos contra instituições

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Jerges Mercado; o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Óscar Hassenteufel; e o ministro do Planejamento do Desenvolvimento, Sergio Cusicanqui, em pronunciamento conjunto

 

LEONARDO WEXELL SEVERO, Enviado especial – Santa Cruz de la Sierra/Bolívia

 

Nesta terça-feira, 22 de novembro, a Bolívia lamenta um mês de badernas, sangrentas agressões e bloqueios nas ruas de Santa Cruz de la Sierra. A partir do meio-dia, a capital do departamento [estado] oriental do mesmo nome tem as ruas fechadas por mercenários que depredam carros e cobram pedágio, forçam o comércio a baixar as portas e impedem a livre circulação das pessoas.

O porta-voz presidencial Jorge Richter frisou que uma vez que os delegados da Universidade Autônoma Gabriel Rene Moreno (UAGRM) – fachada civil dos grupos paramilitares – se retiraram da mesa técnica, a violência foi desencadeada na cidade, denunciando a irresponsabilidade do governador Luis Fernando Camacho; do presidente do Comitê de Santa Cruz, Rômulo Calvo e do reitor da UAGRM, Vicente Cuéllar.

“A intenção deles é clara: forçar o governo nacional a reagir de forma a que possam, por meio da sua mídia, capitalizar, jogando sobre o outro os abusos que eles próprios vêm cometendo”, explicou o pesquisador Romeo Amorim.

Ações de vandalismo coordenadas pelo golpista Camacho e pela União Juvenil Cruzenhista já causaram quatro mortes, destruições e perdas de mais de um bilhão de dólares, como apontou o Ministério da Economia.

Ernesto Córdoba, o jovem estudante de Advocacia que me recebeu no aeroporto Viru Viru deu o seu testemunho do drama vivido: “Ofereceram 150 bolivianos por dia para que me somasse aos golpistas nos seus delitos. Isso é o dobro do valor pago diariamente pelo salário mínimo, o que acaba atraindo pessoas que precisam alimentar suas famílias”. Após quase duas horas em um trajeto – cheio de obstáculos – que normalmente demoraria 40 minutos, Ernesto destaca que o tempo foi reduzido por conhecer bem a rota.  “Como pudeste ver, muitos desses bloqueios são feitos por carros importados de 50, 60 mil dólares, que colocam atravessados e impedem completamente a passagem. Isso agride nossos direitos e prejudica a todos que querem trabalhar”, acrescentou.

Bloqueios montados por arruaceiros a soldo dos fascistas

Apesar dos cerca de 20 marginais detidos, a situação de descalabro e impotência é latente, com muitos movimentos sociais exigindo uma intervenção mais firme do Ministério da Justiça. Pressionada pelo governador, a polícia local faz corpo-mole e não atua com o rigor necessário.

Depois da ameaça de assassinato de lideranças, a sede da Central Operária Departamental (COD) foi completamente depredada, sendo roubados equipamentos médicos e odontológicos, além de remédios com os quais profissionais de saúde atendiam gratuitamente à população. A sede da Federação de Camponeses foi incendiada, com dezenas de trabalhadores rurais e famílias ali abrigadas precisando fugir pelos fundos para não morrerem asfixiadas ou consumidas pelas chamas. Todos esses crimes foram reduzidos a “autoatentados” pelas redes de televisão Unitel e Rede Uno, bem como pelo jornal El Deber. Uma vergonha.

“CORTINA DE FUMAÇA”

O pretexto para a radicalização do protesto é a realização de um Censo da População e da Moradia em 2023, que servirá para a redistribuição dos recursos orçamentários e da representação no parlamento federal. O mesmo censo inviabilizado pelos fascistas com a realização do golpe de Estado de Jeanine Áñez contra o presidente Evo Morales em 2019 e pela pandemia de coronavírus que veio na sequência.

Derrotados, estes mesmos grupos se utilizam do poder desinformativo da mídia local – completamente dominada por uma oligarquia antinacional – de setores ultrarreligiosos e do racismo regionalista (a população boliviana é majoritariamente indígena, enquanto a oligarquia nacional se considera “superior”) para fomentar uma cultura do separatismo tão visceral quanto doentio. Esta “orientação” foi a que criou a chamada “Meia Lua”, com a qual lograram anteriormente somar os departamentos de Beni, Pando e Tarija. Tudo bastante estimulado pelo então embaixador dos Estados Unidos, Philip Goldberg, que precisou ser expulso do país em 2008 quando tentava repetir o feito pelo imperialismo na Iugoslávia.

“COORDENAÇÃO ENTRE OS TRÊS PODERES”

“Os níveis de coordenação entre os três poderes do Estado são os melhores e estão com a firme disposição que se realize o Censo 2024 e que seus resultados sejam aplicados, tanto na distribuição de recursos quanto na de cadeiras do legislativo para as eleições de 2025”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Jerges Mercado, tendo a seu lado o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Óscar Hassenteufel, e o ministro do Planejamento do Desenvolvimento, Sergio Cusicanqui, representando o presidente Luis Arce.

Sede da Federação Sindical Camponesa foi incendiada por milícias de Santa Cruz

Conforme Jerges, do Movimento Ao Socialismo (MAS), “há gente que vive destes conflitos, que se alimenta deles”, sendo necessário o levantamento dos bloqueios para que, “desde já, comecemos a construir a paz e a harmonia entre os bolivianos e voltemos ao caminho do crescimento e do trabalho, que é o que todos os cruzenhos queremos”.

“Os órgãos Eleitoral, Executivo e Legislativo que vão tratar do projeto de lei referente à distribuição de vagas para as eleições nacionais de 2025 trabalham de forma coordenada para dar segurança à população”, assegurou o comunicado lido pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Óscar Hassenteufel. Ele destacou que depois da explicação “detalhista” recebida do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o processo censitário, ficou acordado “que os dados oficiais da população emitidos para a distribuição dos recursos da coparticipação” em setembro de 2024 “são suficientes para o TSE começar o trabalho de distribuição de assentos”.

Reiterando o compromisso do governo boliviano com o diálogo, Sergio Cusicanqui confirmou que o INE enviará os resultados oficiais do Censo ao TSE em setembro de 2024 para que este realize seu trabalho de distribuição de cadeiras parlamentares.

“Parabenizo a decisão conjunta que foi tomada. Vamos para um recenseamento de concertação e não de confrontação”, comemorou o prefeito de La Paz, Iván Arias, qualificando a medida como “oportuna”. Arias recordou que na reunião do Conselho Nacional de Autonomias, formado pelo presidente, governadores e prefeitos, foi decidido o reagendamento do Censo.

SETOR PRODUTIVO UNIDO CONTRA O BLOQUEIO

Com a medida, a Câmara Nacional de Exportadores da Bolívia (Caneb) espera que sejam suspensos os bloqueios e o país volte à normalidade, já que as perdas econômicas já ultrapassam meio ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), o que implica projeções de crescimento menores.

“Nós, como setor produtivo, não podemos deixar de trabalhar, porque colocamos em risco a segurança alimentar do país”, assegurou o vice-presidente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Freddy García, condenando a “paralisação indefinida”. “Somos um setor que não pode, como se fosse um interruptor, desligar a vaca para que deixe de produzir leite e a galinha para que deixe de botar ovos”, explicou.

“O prolongamento deste bloqueio, de forma tão agressiva, aponta para o renascimento do fascismo em Santa Cruz. É uma escalada de violência extrema, numa paralisação que se degenerou completamente numa espécie de fundamentalismo”, apontou o estudioso Rolando Huáscar Bustillos. Conforme o escritor, “a exacerbação desta visão tem sido sustentada pela manipulação de notícias falsas, por uma verdadeira enxurrada de fake News que alimenta o fanatismo e coloca o que seria supostamente os interesses do departamento acima dos do povo boliviano”.

ENTREVISTA NESTA TERÇA-FEIRA, ÀS 17 HORAS, NA TV DIÁLOGOS DO SUL

Programa com o jornalista Paulo Cannabrava Filho vai ao ar nesta terça-feira às 17 horas, direto de Santa Cruz

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