Prefeito de La Paz e líderes empresariais condenam continuidade dos bloqueios e atos criminosos contra instituições
LEONARDO WEXELL SEVERO, Enviado especial – Santa Cruz de la Sierra/Bolívia
Nesta terça-feira, 22 de novembro, a Bolívia lamenta um mês de badernas, sangrentas agressões e bloqueios nas ruas de Santa Cruz de la Sierra. A partir do meio-dia, a capital do departamento [estado] oriental do mesmo nome tem as ruas fechadas por mercenários que depredam carros e cobram pedágio, forçam o comércio a baixar as portas e impedem a livre circulação das pessoas.
O porta-voz presidencial Jorge Richter frisou que uma vez que os delegados da Universidade Autônoma Gabriel Rene Moreno (UAGRM) – fachada civil dos grupos paramilitares – se retiraram da mesa técnica, a violência foi desencadeada na cidade, denunciando a irresponsabilidade do governador Luis Fernando Camacho; do presidente do Comitê de Santa Cruz, Rômulo Calvo e do reitor da UAGRM, Vicente Cuéllar.
“A intenção deles é clara: forçar o governo nacional a reagir de forma a que possam, por meio da sua mídia, capitalizar, jogando sobre o outro os abusos que eles próprios vêm cometendo”, explicou o pesquisador Romeo Amorim.
Ações de vandalismo coordenadas pelo golpista Camacho e pela União Juvenil Cruzenhista já causaram quatro mortes, destruições e perdas de mais de um bilhão de dólares, como apontou o Ministério da Economia.
Ernesto Córdoba, o jovem estudante de Advocacia que me recebeu no aeroporto Viru Viru deu o seu testemunho do drama vivido: “Ofereceram 150 bolivianos por dia para que me somasse aos golpistas nos seus delitos. Isso é o dobro do valor pago diariamente pelo salário mínimo, o que acaba atraindo pessoas que precisam alimentar suas famílias”. Após quase duas horas em um trajeto – cheio de obstáculos – que normalmente demoraria 40 minutos, Ernesto destaca que o tempo foi reduzido por conhecer bem a rota. “Como pudeste ver, muitos desses bloqueios são feitos por carros importados de 50, 60 mil dólares, que colocam atravessados e impedem completamente a passagem. Isso agride nossos direitos e prejudica a todos que querem trabalhar”, acrescentou.
Apesar dos cerca de 20 marginais detidos, a situação de descalabro e impotência é latente, com muitos movimentos sociais exigindo uma intervenção mais firme do Ministério da Justiça. Pressionada pelo governador, a polícia local faz corpo-mole e não atua com o rigor necessário.
Depois da ameaça de assassinato de lideranças, a sede da Central Operária Departamental (COD) foi completamente depredada, sendo roubados equipamentos médicos e odontológicos, além de remédios com os quais profissionais de saúde atendiam gratuitamente à população. A sede da Federação de Camponeses foi incendiada, com dezenas de trabalhadores rurais e famílias ali abrigadas precisando fugir pelos fundos para não morrerem asfixiadas ou consumidas pelas chamas. Todos esses crimes foram reduzidos a “autoatentados” pelas redes de televisão Unitel e Rede Uno, bem como pelo jornal El Deber. Uma vergonha.
“CORTINA DE FUMAÇA”
O pretexto para a radicalização do protesto é a realização de um Censo da População e da Moradia em 2023, que servirá para a redistribuição dos recursos orçamentários e da representação no parlamento federal. O mesmo censo inviabilizado pelos fascistas com a realização do golpe de Estado de Jeanine Áñez contra o presidente Evo Morales em 2019 e pela pandemia de coronavírus que veio na sequência.
Derrotados, estes mesmos grupos se utilizam do poder desinformativo da mídia local – completamente dominada por uma oligarquia antinacional – de setores ultrarreligiosos e do racismo regionalista (a população boliviana é majoritariamente indígena, enquanto a oligarquia nacional se considera “superior”) para fomentar uma cultura do separatismo tão visceral quanto doentio. Esta “orientação” foi a que criou a chamada “Meia Lua”, com a qual lograram anteriormente somar os departamentos de Beni, Pando e Tarija. Tudo bastante estimulado pelo então embaixador dos Estados Unidos, Philip Goldberg, que precisou ser expulso do país em 2008 quando tentava repetir o feito pelo imperialismo na Iugoslávia.
“COORDENAÇÃO ENTRE OS TRÊS PODERES”
“Os níveis de coordenação entre os três poderes do Estado são os melhores e estão com a firme disposição que se realize o Censo 2024 e que seus resultados sejam aplicados, tanto na distribuição de recursos quanto na de cadeiras do legislativo para as eleições de 2025”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Jerges Mercado, tendo a seu lado o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Óscar Hassenteufel, e o ministro do Planejamento do Desenvolvimento, Sergio Cusicanqui, representando o presidente Luis Arce.
Conforme Jerges, do Movimento Ao Socialismo (MAS), “há gente que vive destes conflitos, que se alimenta deles”, sendo necessário o levantamento dos bloqueios para que, “desde já, comecemos a construir a paz e a harmonia entre os bolivianos e voltemos ao caminho do crescimento e do trabalho, que é o que todos os cruzenhos queremos”.
“Os órgãos Eleitoral, Executivo e Legislativo que vão tratar do projeto de lei referente à distribuição de vagas para as eleições nacionais de 2025 trabalham de forma coordenada para dar segurança à população”, assegurou o comunicado lido pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Óscar Hassenteufel. Ele destacou que depois da explicação “detalhista” recebida do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o processo censitário, ficou acordado “que os dados oficiais da população emitidos para a distribuição dos recursos da coparticipação” em setembro de 2024 “são suficientes para o TSE começar o trabalho de distribuição de assentos”.
Reiterando o compromisso do governo boliviano com o diálogo, Sergio Cusicanqui confirmou que o INE enviará os resultados oficiais do Censo ao TSE em setembro de 2024 para que este realize seu trabalho de distribuição de cadeiras parlamentares.
“Parabenizo a decisão conjunta que foi tomada. Vamos para um recenseamento de concertação e não de confrontação”, comemorou o prefeito de La Paz, Iván Arias, qualificando a medida como “oportuna”. Arias recordou que na reunião do Conselho Nacional de Autonomias, formado pelo presidente, governadores e prefeitos, foi decidido o reagendamento do Censo.
SETOR PRODUTIVO UNIDO CONTRA O BLOQUEIO
Com a medida, a Câmara Nacional de Exportadores da Bolívia (Caneb) espera que sejam suspensos os bloqueios e o país volte à normalidade, já que as perdas econômicas já ultrapassam meio ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), o que implica projeções de crescimento menores.
“Nós, como setor produtivo, não podemos deixar de trabalhar, porque colocamos em risco a segurança alimentar do país”, assegurou o vice-presidente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Freddy García, condenando a “paralisação indefinida”. “Somos um setor que não pode, como se fosse um interruptor, desligar a vaca para que deixe de produzir leite e a galinha para que deixe de botar ovos”, explicou.
“O prolongamento deste bloqueio, de forma tão agressiva, aponta para o renascimento do fascismo em Santa Cruz. É uma escalada de violência extrema, numa paralisação que se degenerou completamente numa espécie de fundamentalismo”, apontou o estudioso Rolando Huáscar Bustillos. Conforme o escritor, “a exacerbação desta visão tem sido sustentada pela manipulação de notícias falsas, por uma verdadeira enxurrada de fake News que alimenta o fanatismo e coloca o que seria supostamente os interesses do departamento acima dos do povo boliviano”.
ENTREVISTA NESTA TERÇA-FEIRA, ÀS 17 HORAS, NA TV DIÁLOGOS DO SUL