Aviso aos navegantes que este não é um artigo jornalístico, mas a opinião pessoal de um jornalista envolvido na cobertura da eleição argentina.

CAIO TEIXEIRA, de Buenos Aires

No domingo (19), os argentinos decidirão sobre o rumo que darão ao seu país nos próximos quatro anos. Uma semana antes de votar, o único debate presidencial entre o peronista Sergio Massa e o ultradireitista Javier Milei expôs sem máscaras o perfil das duas opções que o eleitorado terá diante de si quando se dirigir aos locais de votação.

Qualquer pessoa dotada de um mínimo de bom senso, ainda que desconhecendo os meandros da política, viu com clareza, de um lado um candidato aparentemente preparado, seguro, com conhecimento sobre economia, sobre a Argentina e a geopolítica mundial e, de outro, alguém que mais parecia um ator representando personagem humorístico chulo. Milei parece debochar dos sentimentos dos argentinos em relação a seus ídolos e heróis, dois valores muito caros que fazem parte da cultura emocional dos vizinhos hermanos.

O candidato que até dois anos atrás atuava na televisão no papel de um comentarista econômico inconsequente, chegou ao ponto de elogiar Margaret Tatcher, qualificando-a como uma pessoa notável e exemplo de personalidade da História da Humanidade. O elogio poderia soar bem numa festa da realeza britânica, mas para os argentinos a ex-dama de ferro é uma inimiga responsável pela morte de centenas de jovens na guerra das Malvinas, pelo afundamento do maior navio de guerra da armada, o icônico General Belgrano e pela usurpação colonial de parte do território pátrio. A derrota na guerra das Malvinas mexeu com o orgulho nacional.

Alguns dias antes do debate foi republicada uma declaração textual de Milei atacando Maradona, um ídolo incontestável de todos os argentinos, independente da linha política. Milei desejou a morte do atleta que garantiu o título mundial contra a Inglaterra com ajuda de “la mano de Diós”, era amigo de Fidel e liderou protestos contra a ALCA!

Para coroar o deboche atacou outro conterrâneo participante do imaginário emocional, o Papa Francisco, afirmando que vai cortar relações com o Vaticano. Durante o debate, o candidato ultra-liberal, que prega Estado zero, fechamento do Banco Central, fim do Peso argentino e adoção do dólar estadunidense como moeda, reafirmou seus “princípios” econômicos, embora tenha se esquivado de todas as perguntas objetivas sobre como pretende efetivá-los na prática.

Não respondeu questões fundamentais como se vai acabar com os subsídios das tarifas públicas de transportes e energia, ou se vai reativar os FJP, fundos de pensão privados que destruíram o sistema previdenciário público e reduziram drasticamente as aposentadorias dos trabalhadores.

Massa, a seu turno, tratou de defender um Estado forte e protetor dos direitos básicos dos cidadãos bem como a reinserção da Argentina no cenário mundial, enquanto explicitou uma a uma as contradições do adversário.

Voltando à observação inicial, qualquer pessoa de mínimo bom senso, diante da alternativa, não pensaria duas vezes em votar no candidato progressista ainda que tivesse passado a vida odiando e votando contra os peronistas. Ocorre que, apesar de tudo isso, o candidato da extrema direita, durante o debate, apenas repetiu o discurso e as contradições que marcam sua campanha, encarnando o mesmo personagem que o colocou no segundo turno em condições de igualdade com Sérgio Massa nas intenções de voto.

A eleição na Argentina segue a tendência das últimas eleições na América Latina, decididas por estreita margem, como Chile, Colômbia, Brasil e Equador, onde a população se dividiu entre uma opção de extrema direita defensora de Estado mínimo e supremacia do mercado e outra progressista defensora de um Estado forte regulador e indutor do desenvolvimento com alguma distribuição de riqueza.

A grande dúvida saltando aos olhos é o que há de errado com esse modelo de democracia no qual uma enorme parcela da população vota em propostas que, à toda evidência, inclusive histórica, lhe traz apenas prejuízos.

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A Agência ComunicaSul está cobrindo as eleições de 2023 na Argentina graças ao apoio das seguintes entidades: jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Agência Sindical, Viomundo, Fórum 21, Instituto Cultiva, Asociación Judicial Bonaerense, Unión de Personal Superior y Profesional de Empresas Aerocomerciales (UPSA), Sol y Sombra Bar, Federação dos Trabalhadores em Instituições Financeiras do RS (Fetrafi-RS); Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe-RS); Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos; Federação dos Comerciários de Santa Catarina; Confederação Equatoriana de Organizações Sindicais Livres (CEOSL); Sindicato dos Comerciários do Espírito Santo; Sindicato dos Hoteleiros do Amazonas; Sindicato dos Trabalhadores das Áreas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa, e de Fundações Públicas do Rio Grande do Sul (Semapi-RS); Federação dos Empregados e Empregadas no Comércio e Serviços do Estado do Ceará (Fetrace); Federação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT Rio Grande do Sul (Fetracs-RS); Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR); Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP), Federação dos/as Trabalhadores/as em Empresas de Crédito do Paraná (FETEC-PR), Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema-SP); Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina  (Sintaema-SC), Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado do Paraná (Sintrapav-PR), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste-Centro), Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc-SC); Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc-SC), Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal em Pernambuco (Sintrajuf-PE), mandatos populares do vereador Werner Rempel (PCdoB/Santa Maria-RS) e da deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP) e dezenas de contribuições individuais.

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