Leonardo Wexell Severo
Comandante Omar Torrijos |
“A comunicação diária, ainda que somente seja para saudar-se socialmente, garante que não haja distanciamento entre nós. E sem distanciamento não há espaço físico, nem espiritual, nem político, para que se semeie a dúvida”
General Omar Torrijos
Com estas simples palavras do general e líder panamenho Omar Torrijos, abri minha fala sobre os “Desafios imediatos e históricos da comunicação dos trabalhadores”, sábado (8/11), na mesa de encerramento do Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação.
Numa época em que a mais escancarada covardia – e até mesmo traição – no campo político, econômico e social – é debitada na conta da “correlação de forças”, escolhi o líder panamenho por sua simbologia de altivez. Afinal, Torrijos soube mobilizar seu povo e a opinião pública internacional investindo na capacidade de diálogo, no aumento da consciência e na organização dos panamenhos para garantir a retomada do canal, até então ocupado por tropas militares dos Estados Unidos. A vitória foi formalizada nos Tratados Torrijos-Carter, assinados em 7 de setembro de 1977.
Naquele momento, muitas eram as vozes que, brandindo o argumento da “correlação de forças” expunham com os gritos do seu silêncio o medo pânico do império, numa América Latina tomada por ditaduras militares submissas até a medula. Ao absolutizar o poderio inimigo, reduziam o próprio poder de fogo e a capacidade de convencimento, de atrair ou neutralizar aliados, passo fundamental para isolar e derrotar o governo estadunidense. Os “argumentos” apresentados para o amém à superpotência eram, obviamente, divulgados à exaustão pelas agências internacionais de desinformação, regiamente pagas pelo Pentágono e pelas transnacionais.
Reproduzidas via rádio, jornal e televisão, as mensagens visavam a alienação, a apatia e a intimidação. Iam desde a constatação da desproporção militar entre o gigante do Norte e o istmo, até o “alerta” sobre a divulgação da óbvia importância do empreendimento que une os dois oceanos e as duas costas dos EUA para o governo de Washington. Na prática, o que os ianques queriam evitar – além da perda do Canal do Panamá – era o “exemplo negativo” da retomada da luta dos povos pela sua autodeterminação, colocando uma pá de cal no governo nacionalista.
Torrijos não se submeteu aos teóricos da submissão, que se encolhiam e escondiam frente às dificuldades e complexidades da conjuntura. Não se conformava com a manutenção do status neocolonial que sugava as riquezas do pequeno país e subjugava o seu povo. Praticando o princípio de que “quanto mais se consulta, menos se equivoca”, e conformando uma ampla rede de comunicação estatal e alternativa, alicerçada nos países do chamado Terceiro Mundo, o comandante foi à luta e venceu. A vingança estadunidense materializada no dia 31 de julho de 1981, com o avião do líder explodindo em pleno voo, dá a dimensão da vitória panamenha.
No alerta, deixado de herança aos povos do mundo, Torrijos esclarecia: “Devemos programar nossas ações com estratégia, que é a luz alta, e tática, que é a luz baixa. Precisamos saber o momento de usar uma e outra constantemente. Quem não usa a baixa, tropeça com os obstáculos imediatos, e quem não utiliza a alta, não chega nunca”.
Conforme a Carta Capital, “antes das férias, a presidenta Dilma autorizou a equipe a planejar um corte considerável de gastos em 2015, a fim de melhorar as finanças estatais. Em outro gesto capaz de agradar ao mercado, o Banco Central voltou a subir o juro. A taxa estava em 11% desde abril e foi a 11,25%, recorde mundial. É como resumiu um ministro sobre o segundo mandato: o governo virará à direita na economia para tentar ir à esquerda no social”.
A declaração – cujo conteúdo recessivo foi reafirmado pelo ministro da Fazenda – demarca um campo e aponta para um gol contra logo no início do jogo. A proposta dos movimentos sindical e social é o oposto: redução dos juros e do superávit primário para canalizar os recursos esterilizados na especulação para vitaminar a produção, fazendo a roda da economia girar com mais emprego, salário e direitos. Pois é precisamente o fortalecimento do poder de compra quem robustece o mercado interno e torna o país mais independente das oscilações da economia mundial.
Neste momento em que o dinheiro público financia os holofotes dos grandes conglomerados privados de mídia para iluminar o descaminho neoliberal, precisamos redobrar a campanha pela democratização da comunicação. É hora de nos empenharmos, coletivamente, para garantir a unidade do foco das nossas milhares de lanternas em defesa do país e do mundo do trabalho.
Temos que ver a negociação política e a mobilização da vontade popular como duas faces de uma mesma moeda, como parte do processo de acúmulo de forças, para que não se capitule diante das pressões da mídia, agente passiva do deus “mercado”. Fazendo uso da luz alta, de que falara Torrijos, precisamos deixar bastante clara a nossa pauta – até para fazer o contraponto ao retrocesso: fim do fator previdenciário, com o fortalecimento da Previdência pública – que vem sendo altamente prejudicada com as desonerações, particularmente para as transnacionais -, reforma agrária e mais recursos à agricultura familiar; redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais; 10% do PIB para a Educação; 10% do Orçamento para a Saúde; democratização da comunicação e fim dos leilões do petróleo. Ao mesmo tempo, precisamos fazer uso da luz baixa, apontando para as questões mais imediatas, como é a luta contra o aumento dos juros e o Projeto de Lei 4330, que liberaria para a demissão generalizada dos trabalhadores e a contratação de uma empresa de intermediação de mão-de-obra para reduzir salário, se eximindo completamente de qualquer responsabilidade trabalhista. O fato é que sem uma democratização da publicidade governamental para a mídia alternativa, nossas luzes continuarão bastante prejudicadas.
Afinal, se a defensiva é uma péssima conselheira, a intimidação é uma ridícula companheira. E a dignidade, a verdade e a justiça são e sempre serão questões de princípio.