Denuncia o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai, Santiago Ortiz
Leonardo Wexell Severo, de Assunção
No Paraguai, o alto nível de concentração da mídia nas mãos da oligarquia, do capital estrangeiro e do próprio presidente Horacio Cartes atenta contra a democracia. Natural, portanto, que em relação à greve convocada pelas centrais sindicais e movimentos sociais para os próximos dias 21 e 22 de dezembro, a regra seja o silêncio, que é a forma que trata a luta por direitos, denuncia o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai, Santiago Ortiz. Abaixo, a íntegra da entrevista.
Faça um breve resumo da atual situação dos meios de comunicação no Paraguai.
Para nós, o principal é a concentração de meios, esta é uma situação muito grave e preocupante. Já existia em nível elevado, mas foi ampliada no último período com a entrada no mercado, entre aspas, do grupo do presidente Horacio Cartes, que comprou sete meios nos últimos cinco meses: o grupo Nación, que são as rádios 9.70 e Monte Carlo e os jornais Crónica e La Nación; depois o jornal Popular, o jornal digital Hoy e a rádio digital Laser. Além disso, tem o controle do diário ADN e existem rumores da sua participação em canais de televisão a cabo. São quatro ou cinco famílias que manipulam e controlam a mídia. Nos últimos meses este ‘mercado’ foi bastante movimentado porque não há nenhuma legislação ou controle por parte do Estado sobre compra e venda de meios. Não temos legislação alguma sobre meios impressos e a existente sobre rádio e televisão não é aplicada.
O que diz a lei?
A lei fala que se pode ter uma frequência de rádio e uma de televisão por pessoa física e jurídica, mas através de distintos mecanismos ilegais há grupos que concentram quatro canais de televisão, cinco rádios ou até mais. E o caso de Cartes é ainda pior, porque alega que não há nenhum impedimento legal, já que está em nome de sua irmã.
De quando é esta legislação?
A legislação é de 92. Quando se acaba a ditadura, depois das primeiras eleições democráticas, começa o processo constituinte.
Como se dá a manipulação da opinião pública?
O que vemos é que existe uma linha editorial muito clara dos principais meios, que corresponde à posição adotada pelos proprietários, que são grandes empresários, setores oligárquicos e grupos internacionais. Há uma linha bem clara: antipopular, abertamente contrária às reivindicações do campo progressista, de esquerda principalmente. Assim, ou se invisibiliza ou se tergiversa sobre os protestos pela reforma agrária, por direitos sociais e trabalhistas. Por isso estão fechando rádios comunitárias e não liberam novas licenças.
De que forma as diferentes mídias atuam nesta guerra suja?
Nosso país tem uma tradição oral muito forte, o que faz com que o rádio continue tendo muita vigência. A televisão também ocupa um espaço fundamental. A questão é que a tv não é só notícia e, por uma questão cultural e ideológica acaba martelando o consumismo, a prioridade do ter sobre o ser, algo que não é próprio dos paraguaios, mas que acaba se instalando, como o individualismo. Há muito noticiário mórbido, com muito sangue, problemas familiares, brigas entre vizinhos, que se convertem em notícia, em reality shows, É isso o que ganha espaço. Não há uma política pública de proteção à produção nacional, não se estimula o cinema nacional, nossa cultura.
Há algum veículo que se sobreponha e paute a agenda dos demais?
O meio que marca a agenda jornalística é o diário ABC Color que, com grande poder econômico e de produção de conteúdo, determina a pauta dos governos e da agenda pública. As manchetes e artigos dos jornais repercutem nas televisões e rádios e acabam impondo a agenda.
Como a mídia tem enfocado a greve geral convocada pelas centrais sindicais e movimentos sociais para os próximos dias 21 e 22 de dezembro?
Não falam da greve, mas é permanente o ataque e a invisibilização da luta por direitos. Claro que entram em jogo também outros interesses internos do governo e dos donos dos meios, fazendo com que, às vezes, venham à tona alguns ataques e críticas.
Como no período eleitoral em que a mídia colorada falava a verdade sobre as administrações liberais e a liberal trouxesse a verdade das coloradas.
Exatamente. Por isso praticamente não se diz nada da greve geral. No movimento dos transportes, a única coisa que se falava era do caos que a paralisação havia gerado, que tinha violência e que as pessoas estavam muito descontentes. Nunca se falou que os companheiros estavam há quatro meses crucificados pedindo um direito básico que é a liberdade sindical, defendendo que seus dirigentes fossem respeitados. Não se falou por um momento da solidariedade recebida, pois se os trabalhadores da Linha 49 conseguiram manter seu movimento, que se mantém até hoje, foi pela contribuição econômica dos companheiros que passavam em frente da barraca montada na porta do Ministério do Trabalho. Mas só se falava das moléstias causadas. É bom lembrar que praticamente não houve interrupção do trânsito, e quando ocorreu foi mínima. Embora o governo e a mídia martelassem sobre os malefícios da greve, os companheiros fizeram uma greve totalmente legal e legítima.
Seria esta criminalização do protesto uma herança dos 35 anos de ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989)?
A herança do strosnismo tem bastante que ver com o anticomunismo, com a contrariedade com tudo o que seja de esquerda. A mídia que se reivindica, entre aspas, anti-strosnista termina coincidindo com a ditadura no brutal ataque aos setores populares, aos que buscam transformar o modelo social, econômico e político excludente que vigorou com Stroessner. Os meios que enchem a boca para falar de democracia e alegam terem lutado contra a ditadura são os que ajudam a manter este modelo. O governo atual reforça esta ideologia ao dar continuidade à herança do Partido Colorado. Afinal, este é um governo strosnista, conformado por inúmeros membros da ditadura.
A figura do assassino continua assombrando.
O Partido Colorado segue tendo Stroessner como presidente de honra. Nunca fizeram um pedido de desculpas pelas torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados. O único presidente que fez um pedido de desculpas pelos atos do governo no período ditatorial foi Fernando Lugo, os demais reivindicam sua memória. Cartes chegou a dizer num dia 3 de novembro, dia de aniversário de Strossner, “hoje é uma data feliz”, que era a forma que os strosnistas celebravam.