“Na Venezuela tivemos a sorte de que o aviso popular não foi acompanhado de uma derrota eleitoral” |
Considerado um dos maiores intelectuais da Venezuela, o escritor, ensaísta, dramaturgo e pintor, Luiz Britto García, é um dos maiores pensadores do país. Em entrevista ao ComunicaSul, o escritor nega que morte de Hugo Chávez represente o fim do chavismo, ressalta a importância da vitória de Nicolás Maduro e diz ser necessário refletir sobre os motivos que levaram ao crescimento da oposição no país.
Por Vanessa Silva, de Caracas
Ao ComunicaSul, García avalia que a direita pode estar cometendo um suicídio político ao não reconhecer o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Confira:
ComunicaSul: Como avalia a situação atual da Venezuela? Luiz Britto García: Em primeiro lugar quero ressaltar que foi uma vitória bolivariana apertada, mas contundente. A oposição se nega a admitir resultados que os favorece muito, já que revelam um crescimento de mais de 700 mil votos. Em todo caso, o sistema venezuelano tem sido qualificado quiçá como o melhor do mundo pelo ex-presidente [dos Estados Unidos] Jimmy Carter. Além disso, o processo foi acompanhado por uma centena de observadores internacionais que não encontraram nenhum defeito.
Agora tem que se perguntar: se a direita insiste em desconhecer o CNE, como irão concorrer às próximas eleições? Eles teriam que se declarar fora do jogo político. A direita fez isso na Venezuela e foi fatal. Retirou-se das eleições e não elegeu nenhum deputado na Assembleia Nacional, que teve maioria de 100% de esquerda. Se eles querem cometer de novo este suicídio político, é seu direito, mas não é sensato, nem recomendável.
No Brasil, os jornais tradicionais dizem é o fim do chavismo… Não. Quem certifica isso é a própria direita. O que fez Capriles Radonski para aparecer em público? Se apresentou com o boné, os símbolos do bolivarianismo. Prometeu que iria continuar com as missões, que são símbolos do bolivarianismo. Então ele mimetizou na medida do possível a linguagem do adversário. Agora, se o chavismo tivesse acabado, por que a direita teria tanta paixão por copiá-lo?
Eu creio que há uma situação conjuntural por uma desvalorização da economia capitalista, que provocou uma série de desabastecimentos, acaparamentos de produtos essenciais e isso provocou um grande surto e lamentavelmente, não foram tomadas sanções oportunas a tempo. Bom… eu acho que isso tem relação com a margem dos votos.
A Revolução Bolivariana tem muitas conquistas e também falhas. Crê que esta mudança do eleitorado tem relação com estas debilidades? Evidentemente. Mesmo as autoridades dizem: houve problemas de burocracia, de ineficiência que o próprio Chávez denunciou e tentou combater, mas às vezes estas coisas não são corrigidas tão facilmente. Mas esta mudança no padrão eleitoral evidentemente é um aviso e creio que é muito saudável, porque a revolução sandinista perdeu as eleições quando esperava ganhá-las e foi um longo processo de mais de dez anos para recuperar o poder. Aqui tivermos a sorte de que o aviso não foi acompanhado pela derrota eleitoral. Teremos tempo para corrigir, melhorar, reparar estas falhas.
Três anos até o pedido de referendo revogatório, que a oposição poderá fazer, somada à questão econômica, à inflação… serão suficientes para que Maduro reconquiste estes votos? Sim, esperamos que sim. Em todo caso, a situação econômica da Venezuela é infinitamente melhor do que a de outros tantos países. A Venezuela tem o menor índice de desigualdade social da América Latina e o salário mínimo mais alto. Recuperou o salário mínimo dos trabalhadores, deu aposentadoria para os idosos. Um em cada três venezuelanos está estudando e a maioria deles em escolas gratuitas. Então não creio que o povo queira perder estas conquistas.
Em poucas horas houve um exemplo do que seria um governo da direita, que começou a destruir hospitais, mercados onde são vendidos produtos a preços solidários [mercais], destruir sedes partidárias. Então isso mostra que [em um possível governo] não haverá liberdade política. É uma pequena prova do que poderia ser um governo da direita.
Qual foi o papel desempenhado pelos meios de comunicação nestes últimos dias? A Venezuela tem uma centena de jornais, mais de uma centena de televisões, milhares de rádios e todos são abertamente contra o processo. Até 2004, [o governo] contou com apenas uma TV e uma rádio nacional e de pequeno alcance. Desde então se criou seis televisões públicas, rádios e um grande setor de emissora de meios de comunicação alternativos e comunitários. Mas segue havendo uma minoria favorável ao processo.
Foi feito um estudo dos meios de comunicação nos tempos do golpe [2002]. A pesquisa foi feita por um comunicador direitista. Ele provou que somente em dois jornais houve algum tipo de equilíbrio na cobertura. Isso mostra que o que o processo tem a seu favor é a mensagem: da igualdade contra a desigualdade social, da inclusão contra a mensagem racista da direita, do nacionalismo contra a desnacionalização, imperialista.
Eu penso que o extraordinário êxito da revolução bolivariana se deve a seu próprio conteúdo, porque estabeleceu uma hegemonia comunicacional com poucos meios de comunicação. Hoje, não seria tão fácil outro golpe midiático na Venezuela.