Afirmou Marina Gouvea, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), avaliando a paralisação da próxima quarta-feira
Leonardo Severo

Com apoio das organizações de camponeses e estudantes, a greve geral convocada pelas centrais sindicais do Paraguai para a próxima quarta-feira (26) tem como mote o “repúdio à política de arrocho salarial, privatização e entreguismo selvagens do governo Horacio Cartes”. Nesta entrevista, a professora Marina Machado Gouvea, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) avalia a importância da mobilização popular para fazer frente “ao processo de privatização, camuflado com o nome de concessão” e garantir uma “viragem política que garanta ao Estado prover o que a Constituição determina”.  “Acredito que a paralisação é uma resposta ao arrocho, à informalidade e ao subemprego, que têm se agravado no governo golpista de Cartes”, acrescentou a professora.

Como estudiosa que acompanha o processo paraguaio e a economia latino-americana, qual a sua avaliação sobre a lei da Aliança Público-Privada (APP) aprovada recentemente pelo governo de Horacio Cartes?
Na verdade, esse projeto de parceria público-privada anunciado pelo governo paraguaio é um projeto de privatização, com o nome de concessão, infelizmente super parecido com o que está sendo feito em nosso país. É um modelo com o qual não privatizam a propriedade, mas concedem a posse e o recebimento dos dividendos de patrimônios públicos estratégicos por um tempo definido, por décadas no caso. Estamos falando de aeroportos, portos, rodovias, educação, saneamento básico… Obviamente que são “concessões” que comprometem o presente e que será bastante difícil sua revogação no futuro. Na minha opinião, é preciso garantir uma viragem política que garanta ao Estado prover o que a Constituição determina, instituindo um governo efetivamente dos trabalhadores com a progressiva estatização dos recursos estratégicos.
Como está a questão dos salários e direitos?

Desde abril de 2011 os trabalhadores estão sem reajuste salarial, enquanto o custo de vida não para de subir. Soma-se a esse arrocho, a enorme informalidade e o subemprego, que têm se agravado no governo neoliberal e golpista de Horacio Cartes. As perdas somam 25% e o governo oferece apenas 10% de reajuste.

Da mesma forma que o imperialismo estadunidense, a elite paraguaia tem historicamente semeado a discórdia entre nossos países e povos, na velha tática de “dividir para reinar”. Qual a sua análise?

Desde o Tratado de Assunção (assinado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 1991, precisamente num dia 26 de março), a política do governo paraguaio tem sido pendular entre os EUA e o Brasil. A classe dominante paraguaia tenta explorar o discurso contra a potência hegemônica regional, utilizando-se das brechas existentes no enfrentamento com o Brasil, para fazer uma aliança com as transnacionais. É uma elite absolutamente dependente e subordinada. Segundo a Câmara Paraguaia de Exportação de Cereais e Oleaginosas, quase 90% das sementes vêm de grandes multinacionais como a Monsanto. Por outro lado, o principal banco do Paraguai, em termos de correntistas, é o Itaú, e muitos dos consórcios para construção de obras de infraestrutura passam pela Odebrecht e pela Camargo Correa. A relação entre o capital brasileiro e os trabalhadores paraguaios é terrível, pois o Brasil acaba agindo como plataforma de exploração.

A Federação Nacional Camponesa se somou à paralisação, organizando desde o último domingo inúmeras marchas e piquetes. Qual é a situação do campo?

O Paraguai é um país primário exportador. A soja representa hoje 56,4% da área cultivada e 80% das exportações, mas há uma rotatividade em determinados períodos quando o milho e o trigo ocupam importante parcela da área semeada. Para complicar, as estimativas apontam que entre 70 a 80% da produção estão nas mãos de brasiguaios, brasileiros que passaram a viver no Paraguai. São questões que precisam ser debatidas e enfrentadas, se queremos construir uma efetiva integração.

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