Pela sua relevância diante do ataque de setores sem-voto da sociedade boliviana, e da contribuição à compreensão sobre o que está em jogo sob o argumento de “fraude” nas eleições do dia 20 de outubro, o jornal HP traduziu e o ComunicaSul publica abaixo a íntegra do discurso do presidente Evo Morales em defesa da democracia e da soberania.
Afinal, como esclareceu o presidente reeleito com mais de 47% dos votos, “sob o pretexto de fraude ou de golpe, irmãs e irmãos, querem voltar novamente a privatizar. E nossa luta é para que nunca mais voltem os privatizadores dos recursos naturais ou dos serviços básicos”. “Para mim, defender o Processo de Mudanças é defender as políticas sociais; defender o Processo de Mudanças é defender nossas políticas econômicas como a nacionalização; defender o Processo de Mudanças é defender que os serviços básicos são um direito humano para todas e todos; e estas políticas sociais, estes programas econômicos, vêm da luta do povo boliviano”, sublinhou.
Diante de tantos e tamanhos abusos, “a luta nunca terminará enquanto não haja igualdade e injustiça. Agora querem nos trazer injustiça com violência”. “Por isso minha convocatória novamente é unidade. Unidade, unidade e mais unidade será sempre será o triunfo do povo boliviano, dos setores mais humildes, da nossa juventude. Unidade mais unidade será a derrota dos vende-pátria. Unidade mais unidade será mais projetos para o povo boliviano”, enfatizou.
Boa Leitura!
Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente Evo Morales
“Estamos aqui reunidos para mudar o quê? Para mudar esse modelo econômico do passado conhecido como neoliberalismo.
Dizer às novas gerações que o neoliberalismo vinha daqueles tempos de militarismo, de golpe de Estado; falava com o companheiro Juan Carlos Guarachi, secretário-executivo da Central Operária Boliviana (COB), com irmãos e irmãs mineiros, camponeses, profissionais, patriotas.
Seguramente, os companheiros mineiros recordam como se vivia nas ditaduras militares, como eram as intervenções nos centros mineiros, como era a repressão, como se vivia em toque de recolher, como se enfrentava a chamada lei marcial, quando a bala comia.
E algumas famílias vêm desde estas épocas de ditadura. E quando o povo se organiza em um instrumento político de libertação e garantimos não só estabilidade política, econômica e social, mas continuidade, nos acusam de autoritários, ou de ditadura.
Recordem vocês, irmãos e irmãs, nos últimos 20 anos de neoliberalismo governaram três partidos: MNR, ADN e MIR. Eles se revezavam numa democracia pactada. Às vezes MNR com ADN. Em alguns locais MIR com ADN e, a partir de 2002, os três juntos.
Banzerismo [Hugo Banzer] que vinha das ditaduras, emenerrismo [MNR] que participou de golpes de Estado, mirismo [MIR] que governou com Banzer, agora tentam juntar-se por aqui e ali para novamente recuperar o poder político. E quando não podem ganhar as eleições inventam o termo fraude. Agora nos damos conta de que não havia sido fraude, mas golpe de Estado. É isso o que estamos enfrentando.
Por isso faço uma saudação em nome do meu irmão, vice-presidente, que me acompanha, a todas e a todos, por esta vontade, por esta espontaneidade, para enfrentar, rechaçar e derrotar o golpe de Estado dos racistas que tentam recuperar o poder político.
Irmãs e irmãos, a história se repete. Nesta manhã com dirigentes nacionais que nos acompanham nesta grande concentração, recordávamos, e um irmão dirigente dizia: quando estava na presidência Lidia Gueiler e García Meza lhe levou uma carta para que assinasse sua renúncia. E agora querem trazer uma carta para que eu assine minha renúncia.
“As ditaduras anulam as eleições, igualzinho agora: planejam anular as eleições, quando o povo boliviano democraticamente triunfa em 20 de outubro deste ano”
Recordo meus irmãos e irmãs que em 1978 houve eleições. E as ditaduras anulam as eleições, igualzinho agora: planejam anular as eleições, quando o povo boliviano democraticamente triunfa em 20 de outubro deste ano.
Por isso irmãs e irmãos, a história se repete. Mas recordemos também o ano de 2008, já dentro do nosso Processo de Mudanças, que tentaram acabar com ele.
E, novamente, quero lhes dizer para refrescar a memória, sobretudo das novas gerações, quando ganhamos amplamente em 2005, com quase 54%. Porque depois de recuperada a democracia nunca nenhum partido havia ganho sequer com mais de 40%.
Recordo quando assumimos e grupos de direita diziam: pobre indiozinho que se divirta. Terá uns quatro ou cinco meses e não conseguirá governar, precisará ir.
E em 2006, graças a essa sabedoria do povo boliviano, o mandato do povo quis nacionalizar. No dia Primeiro de Maio de 2006 não tremeu a nossa mão para decretar a nacionalização dos hidrocarbonetos, confiando no mandato popular. E rapidamente começou a melhorar a nossa economia.
Então, em 2007, o que disseram? Creio que esse índio vai ficar por muito tempo.
É preciso fazer algo. E em 2007 seguramente se preparavam para fazer algo. E em 2008 nos levaram ao referendo revogatório [para decidir sobre a sua permanência]. É preciso repassar essa história, embora haja companheiros que a conheçam muito bem. Dissemos: vamos ao revogatório, não apenas o presidente e o vice-presidente, mas os governadores, e o povo boliviano nos ratificou com 67%. Que revogatório? Foi um ratificatório da vontade do povo boliviano.
Como não puderam nos tirar pelo voto do povo, tentaram dividir a Bolívia. Recordam vocês que em Santa Cruz e Pando cortaram a exportação de gás até o Brasil para nos prejudicar economicamente, colocando em risco o comandante da Polícia, fazendo danos às instituições administrativas do Estado plurinacional [deixando um prejuízo de US$ 110 milhões]. E quando fracassaram com o separatismo, vêm com o golpismo. Que dizem agora alguns dirigentes: “Evo renuncie”, “autonomia para o departamento de Santa Cruz”. Mas qual era o seu pedido naquela época: autonomia.
E na Assembleia Constituinte o que dissemos: vamos garantir a autonomia, mas constitucional, com o voto do povo boliviano. E agora qual é o pedido desta paralisação injusta, principalmente em Santa Cruz? Que isso sirva de reflexão para todas e todos: não há nenhum pedido. O pedido é somente fraude. Então dissemos: se pensam que é fraude, que venham organismos internacionais para verificar, para controlar. Que haja sobretudo uma auditoria eleitoral. E quando chegam os organismos internacionais, sobretudo a Organização dos Estados Americanos (OEA), dizem: queremos autonomia. Agora dizem que se vá a OEA! Mas se estão seguros de que havia fraude, estaria feliz que todas essas provas fossem levadas a esses organismos internacionais. Como não têm nenhuma prova, falam de fraude. Mas o que há é golpe.
O que há de reivindicação então nessa paralisação? É golpe. Agora resta falar em independência e separatismo [para o departamento de Santa Cruz]. Repassemos esta história. Como lhes enfrentarmos? Para garantir esse processo, o que fizemos? Uma segunda reunião com os movimentos sociais e o nosso partido MAS, que decidiram uma marcha de Corocolo a La Paz para garantir nosso Processo de Mudanças, mas fundamentalmente para garantir a nova Constituição Política do Estado.
Graças à luta se definiu qual o caminho da boliviana e do boliviano. Por esta marcha, por esta luta se acabou a opressão, se acabou a humilhação e, eu diria, se acabou inclusive a discriminação.
Depois de tanto tempo outra vez voltam a humilhar o povo. Na verdade não se entende, estamos vendo nos meios de comunicação, estamos vendo nas redes sociais, usam a bandeira boliviana, se enrolam na bandeira boliviana para chutar, bater no irmão e na irmã. Como podem usar a bandeira boliviana para chutar um irmão ou irmã, usar a bandeira boliviana para bloquear as ruas? O símbolo pátrio deve ser respeitado. Nossa convocação é que respeitem o símbolo pátrio. O símbolo pátrio não é para proibir, mas para que caminhem pelas ruas da Bolívia.
E o pior. Muitos de nós somos religiosos, católicos, evangélicos, metodistas, graças à nova Constituição, agora, todas as igrejas têm os mesmos direitos. Somos um Estado laico. Antes havia igrejas de primeira e de segunda categoria, igrejas clandestinas. Aqui, com a vontade do povo boliviano e da Constituição se reconhece a todas as igrejas, sejam quais forem. Não entendo como oram para fazer odiar. Rezam para fazer chutar, para fazer com que o outro se ajoelhe diante de si. Para mim a religião é como uma reconciliação, como uma bendição, nunca para uma discriminação. Não dá para entender.
Levantam o nome de Jesus Cristo para obstaculizar caminhos, para gerar violência. Por isso, meus irmãos e irmãs, muita reflexão. E eu faço um chamado às novas gerações. Penso que o adolescente deve ser mais solidário com os demais, com o mais humilde, que todo ser humano deve saber respeitar o próximo.
No entanto, temos profundas diferenças de caráter social, isso me dei conta. Pensei que já havíamos sepultado o ódio, a discriminação, o racismo e o insulto. Por isso faço um chamado a todo o povo boliviano, porque somos uma família grande e sabemos que temos diferença de caráter ideológico, social e cultural. Por isso somos um Estado plurinacional. Entendo perfeitamente. Mas a ideologia e o programa se submetem à vontade do povo boliviano, que democraticamente decide de que linha e programa se necessitam.
“O que é defender o Processo de Mudanças? Para mim é defender as políticas sociais, é defender nossas políticas econômicas, como a nacionalização, é defender que os serviços básicos são um direito humano para todas e todos”
E no dia 20 de outubro o programa do povo ganhou as eleições no primeiro turno e esta é a consciência do povo boliviano. Agora desconhecer isso, desconhecer um triunfo, é ser antidemocrático. O que é defender o Processo de Mudanças? Para mim é defender as políticas sociais, é defender nossas políticas econômicas, como a nacionalização, é defender que os serviços básicos são um direito humano para todas e todos. E essas políticas sociais, esses programas econômicos, vêm da luta do povo boliviano.
Irmãos e irmãs, é preciso defender a democracia. Porque este povo, mineiro e camponês, acompanhado dos nossos profissionais, têm a autoridade moral ética para defender a democracia, a democracia do povo boliviano. A democracia participativa e decisiva, e não apenas como havia antes, uma democracia representativa. Este é o nosso modelo.
Eu sempre digo e decido com o companheiro Álvaro: a democracia não termina no dia da votação, ela se faz a cada dia, estas reuniões que fazemos com os distintos setores sociais. Às vezes também com diferenças. A democracia são as reuniões em que aprovamos projetos, recorremos a novas iniciativas para ampliar o aparato produtivo e para que a Bolívia continue crescendo economicamente. É atender as demandas dos mais humildes, pequenos programas que têm sido tão importantes para nos libertar da pobreza.
Defender o Processo de Mudanças é também defender a redução da pobreza, como fizemos em curto tempo, respeitado e reconhecido em todo mundo. Sabem irmãos e irmãs, organismos internacionais, personalidades do mundo e autoridades nos perguntam como temos reduzido a pobreza de 38% para menos de 15%. Perguntam como cresce a Bolívia economicamente.
Nos últimos anos temos sido o primeiro país em crescimento na América do Sul. Isso não havia antes. Por isso nossas políticas econômicas não estão equivocadas.
Eu estou quase seguro que por esta paralisação de dias, sob o pretexto de fraude, que é um golpe, eles atuam para nos prejudicar economicamente.
E novamente quero dizer a todo o povo da Bolívia, como podemos destruir o que construímos em pouco tempo com a libertação? Libertação econômica que veio justamente da liberação política, e da liberação política veio a liberação social e cultural. E essa geração aprendeu que tão importante foi a unidade pela nossa dignidade, unidade por nossa identidade. Agora temos nossa dignidade, mas recuperamos nossa identidade.
Sobretudo o crescimento econômico, temos a obrigação de cuidar da nossa economia. Sabem muitos dirigentes e ex-dirigentes sindicais que nas negociações para atender suas reivindicações eu tenho dito: suas demandas estão um pouco exageradas, me ajudem a cuidar da economia. Quando nossa economia está bem somos respeitados na América do Sul, na América Latina e no mundo.
E agora esses grupos querem destruir como bem identificava o companheiro Carlos Huarachi, o que construímos como movimentos sociais. Por isso faço um chamado, por cima das nossas diferenças ideológicas, vamos trabalhar conjuntamente para o bem de todas e todos. Vamos nos contrapor com novos programas, projetos ou planos para que a Bolívia possa continuar crescendo economicamente.
A esses grupos que têm interesses pessoais ou familiares digo: não se garante justiça social se não há paz. Então o que fazemos com os programas sociais? Buscar essa justiça social para garantir a paz. E sempre nossa ação será por igualdade, porque isso garante a paz social e também o desenvolvimento do povo boliviano.
“Estou convencido que essas concentrações não são apenas uma defesa da democracia, mas uma defesa do próprio povo boliviano, a defesa da nossa verdadeira democracia libertadora”
Irmãs e irmãos, estou convencido que essas concentrações não são apenas uma defesa da democracia, mas uma defesa do próprio povo boliviano, a defesa da nossa verdadeira democracia libertadora, estas concentrações são para que trabalhadores e autoridades não nos abandonemos.
Saúdo esta grande convocatória dos dirigentes nacionais da COB e de outros movimentos sociais para dizer: aqui estamos, o povo trabalhador, humilde, das comunidades, de todos os setores, para defender o nosso processo de mudanças.
Como não expressar nossa solidariedade com nossos irmãos ameaçados, agredidos e vigiados em suas casas, vamos dizer-lhes com muita força: não se sintam abandonados. O povo de La Paz está com vocês. O povo novamente triunfará como triunfamos para garantir esta democracia, para garantir a igualdade, para garantir a identidade de todo o povo boliviano.
O povo responde: “Evo no está solo, carajo!”
Irmãos e irmãs, nunca me senti só. Não vamos cair na provocação. Nossa luta é pacífica. Eles estão provocando permanentemente. Saúdo também o povo de El Alto, onde não houve nenhum piquete, nenhuma paralisação.
“Em primeiro lugar está a Pátria. Para chegar até aqui, o que fizemos os trabalhadores? Democraticamente, foi recuperar a Pátria e construir a nova Bolívia. Agora o que os opositores querem? Destroçar o que temos construído com muito esforço, com muita luta”
Em primeiro lugar está a Pátria. Para chegar até aqui, o que fizemos os trabalhadores? Democraticamente, foi recuperar a Pátria e construir a nova Bolívia. Agora o que os opositores querem? Destroçar o que temos construído com muito esforço, com muita luta. Sabem vocês como foi o sacrifício dos trabalhadores.
Sabem de nossa experiência sindical, de acumulador social, que tão importante tem sido para identificar inimigos externos, suas políticas. Imaginem irmãos e irmãs aqui estamos suportando com tanta paciência, tantos insultos, aguentando.
Hoje de manhã me diziam companheiros: onde está a autoridade, a fiscalização e a polícia para acabar com essas paralisações ou pequenos bloqueios nas cidades? Sabem irmãos e irmãs, nas semanas passadas temos visto no Equador, quando o povo se levanta contra as medidas econômicas do Fundo Monetário Internacional (FMI), tantos mortos à bala. No Chile, igualmente, tantos mortos à bala. E aqui suportando, junto a vocês, junto ao povo, para que não haja mortos nem feridos.
Saúdo aqui a participação da polícia, sempre falamos, conversamos, entre bolivianos não podemos trocar tiros. Esta é a nossa tarefa e a nossa responsabilidade. Custa [à oligarquia] compreender, custa entender?
Por isso faço um chamado a esses irmãos que querem ser opositores. De qualquer forma, somos a família boliviana. Não devem agredir às nossas irmãs e irmãos. Não prejudiquem os irmãos comerciantes. Há famílias que vivem do dia trabalhado, como os de transportes, como as irmãs das tendas. Imaginem o dano econômico a estas famílias, mas também à família boliviana como há pouco eu comentava.
Irmãos e irmãs, agora me dei conta: enquanto exista o imperialismo e o capitalismo, a luta seguirá. Disso eu não duvido.
Está bem que nós trabalhadores ostentemos o poder político. Estamos convencidos que o inimigo da humanidade é o sistema capitalista. Como sempre digo, irmãos e irmãs, com o irmão Álvaro, as políticas do sistema capitalista dizem: os pobres que salvem-se como puder, não há programas sociais.
No modelo imperialista não há distribuição de renda. Quer melhor para eles mais pobreza, para com mais facilidade de nos dominar e submeter? Mas, sobretudo, tomam iniciativas para dividir-nos, para que divididos nos submetam mais, principalmente para voltar a saquear os nossos recursos naturais.
“Sob o pretexto de fraude ou de golpe, irmãs e irmãos, querem voltar novamente a privatizar. E nossa luta é para que nunca mais voltem os privatizadores dos recursos naturais ou dos serviços básicos”
Sob o pretexto de fraude ou de golpe, irmãs e irmãos, querem voltar novamente a privatizar. E nossa luta é para que nunca mais voltem os privatizadores dos recursos naturais ou dos serviços básicos.
Há algumas coincidências, com alguns setores há divergências, mas quando se trata da pátria, todos unidos e mobilizados.
Neste momento, recordamos de tantas marchas que fizemos, alguns companheiros como Nilton Gomes, da executiva da Central Operária Boliviana, tantas marchas, todos por nossa querida Bolívia e todos e todas pelas novas gerações.
Irmãos e irmãs, muito obrigado pela sua presença. Vamos seguir defendendo o que conquistamos, vamos seguir defendendo o que temos logrado com muito esforço, mas também compromisso. Com muito compromisso, porém muito sacrifício por nossa querida Bolívia.
Irmãos e irmãs, a luta nunca terminará enquanto não haja igualdade, a luta nunca terminará enquanto haja injustiça. Agora querem nos trazer injustiça com violência. Por isso minha convocatória novamente é unidade. Unidade, unidade e mais unidade será sempre será o triunfo do povo boliviano, dos setores mais humildes, da nossa juventude.
Unidade mais unidade será a derrota dos vende-pátria. Unidade mais unidade será mais projetos para o povo boliviano.
Pátria ou morte! Venceremos!
E o povo responde: Pátria ou morte! Venceremos!
Viva a Bolívia e o nosso Processo de Mudanças!”
Tradução: Leonardo Wexell Severo
Assista ao pronunciamento de Evo Morales no centro de La Paz: