
Oposição, liderada por Luisa González, denuncia uso indevido de instituições eleitorais, militarização e interferência externa; especialistas alertam para ameaça à soberania e ao Estado de Direito do Equador
Redação Diálogos do Sul Global
“Eu denuncio diante do meu povo, diante dos meios de comunicação e diante do mundo que o Equador está vivendo uma ditadura e estamos enfrentando a maior e mais grotesca fraude eleitoral da história da República do Equador.” Dessa forma, a candidata do partido Revolução Cidadã (RC), Luisa González, desconheceu o resultado eleitoral deste domingo [13/4], que deu vitória a Daniel Noboa.
A oposição, liderada por González, pede a recontagem dos votos diante das irregularidades do pleito. “Como o abuso de poder. Em primeiro lugar, [Daniel Noboa] nunca pediu licença [do cargo]. Em segundo lugar, ele usou as autoridades do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e do Tribunal Contencioso Eleitoral (TCE) para fazer o que quisesse, para atropelar os direitos da democracia equatoriana e, em seguida, estados de exceção. Por quê? Por quê? Por que queria garantir a fraude eleitoral mais grotesca que nós, equatorianos, estamos testemunhando?”, questionou a líder.
O empresário da indústria bananeira e candidato pela aliança política Ação Democrática Nacional (ADN) obteve 55,9% dos votos, frente aos 44,1% da advogada Luisa González, de acordo com os dados apresentados pelo CNE na noite deste domingo [13/4].
Um dos fatores que levanta desconfiança é que, neste segundo turno, González figurava nas pesquisas com 52,6% das intenções de voto — 8,5% a mais que a contagem deste domingo.
A desconfiança sobre os resultados também é alimentada pelos dados do primeiro turno — quando Luisa González (43,97%) ficou apenas 0,2% atrás de Noboa (44,17%) — e pelo fato de que, para o segundo turno, a progressista conquistou o apoio do movimento indígena Pachakutik, que somou 5,2% dos votos em fevereiro. Mas, no resultado oficial publicado, ela teria perdido votos entre o primeiro e o segundo turno.
Irregularidades e mudanças nas regras levantam suspeitas
Os alertas de violações cometidas por Daniel Noboa ao sufrágio, vale lembrar, não se limitam aos últimos dias da corrida. Em entrevista coletiva concedida em 4 de abril e acompanhada pela Diálogos do Sul Global, o ex-ministro das Relações Exteriores do Equador, Guillaume Long, falou dos riscos de fraude representados pelas manobras institucionais de Noboa e pelas alianças do mandatário com os Estados Unidos e Israel.
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“E o CNE proibiu celulares [no mesmo domingo das eleições], mesmo que a lei eleitoral proíba alterações nas regras até um ano antes das eleições. Mudar entre o primeiro e o segundo turno é um escândalo”, afirmou o ex-chanceler.
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Além disso, segundo Long, militares foram vistos fotografando atas — um ponto crítico denunciado até mesmo pela Organização dos Estados Americanos (OEA): “Significa que podem ter um cômputo paralelo dos votos, o que não é função dos militares, não está previsto na Constituição”, observou.
Noboa se negou até mesmo a cumprir as regras eleitorais que o obrigavam a pedir licença do cargo de presidente para disputar as eleições. Isso porque ele rompeu com a vice-presidenta, Verónica Abad, a quem deveria nomear em caso de ausência. Além de não solicitar o afastamento, Noboa destituiu Abad:
“Deu um golpe contra sua vice-presidenta […] eleita pelo povo. Só pode ser removida por impeachment, por julgamento político na Assembleia Nacional. Isso é o básico. Você não pode destituir uma vice-presidenta por decreto”, observou Long.
Ainda segundo o ex-integrante do governo de Rafael Correa, a conduta de Noboa rendeu críticas de missões de observação eleitoral e incomodou até a centro-direita mais liberal do Equador: “Não é só questão de ideologia. É questão de formas.”
Primeiro turno marca início das denúncias contra Noboa
Herdeiro de uma das famílias empresariais mais poderosas do país, Daniel Noboa chegou a se autoproclamar vencedor já no primeiro turno. Emitido o resultado, a campanha de Luisa González, focada em justiça social, segurança e inclusão, passou a ganhar força ao buscar alianças com diferentes setores e movimentos sociais. A candidata reforçou seu papel como uma alternativa progressista, defendendo a reconstrução institucional do país e o combate à violência com políticas públicas mais efetivas.
O primeiro turno também foi marcado por irregularidades reiteradamente denunciadas por González.
Noboa utilizou recursos públicos para promover sua candidatura e prometer favores a eleitores, configurando uma violação das normas constitucionais. Ainda segundo a candidata da Revolução Cidadã, o empresário impôs obstáculos à fiscalização durante a eleição, violando a transparência e a justiça do processo eleitoral na tentativa de manter o povo equatoriano subjugado à elite política e econômica do país.
Militarização: aposta falha
A intensificação da militarização no combate à violência — especialmente com o aumento das operações de segurança nas ruas e a implementação de estados de exceção prolongados —, além de manter o Equador em permanente tensão, falha em combater a violência de maneira eficaz.
O país enfrenta um aumento significativo no número de homicídios e atentados. Recentemente, um massacre em Guayaquil, que resultou na morte de 22 pessoas, evidenciou a incapacidade das forças de segurança em controlar os cartéis de narcotráfico e grupos criminosos, que continuam a operar indiscriminadamente.
A resposta de Noboa foi reforçar a presença militar e policial, insistindo em um método considerado ineficaz e autoritário por especialistas, o que alimenta a desconfiança da população nas instituições de segurança.
A estratégia de Noboa para enfrentar o crime organizado também incluiu parcerias com empresas militares privadas, como a Blackwater, fundada por Erik Prince, envolvido em massacres durante a guerra promovida pelos Estados Unidos contra o Iraque.
Especialmente movimentos sociais e defensores dos direitos humanos alertam para os riscos dessas medidas e lembram que a militarização apenas agrava a crise de segurança e resulta em violações aos direitos da população.
Outro sinal da dependência de Noboa de soluções externas — reflexo de um governo que não consegue resolver os problemas estruturais de violência e criminalidade no país — foi a proposta do magnata de buscar apoio militar internacional, incluindo o envio de tropas dos Estados Unidos, Brasil e União Europeia.
A colaboração teria a finalidade de combater cartéis cujos tentáculos se estendem por várias partes da América Latina. Especialistas alertam, no entanto, que a intervenção militar externa só exacerba a situação, por não abordar as causas estruturais da violência, como a desigualdade social, a falta de oportunidades econômicas e a corrupção endêmica.
A postura de Noboa evidencia sua disposição em minar a soberania do Equador e submeter o país a uma perigosa dependência de potências externas.
Vale lembrar que, a despeito do discurso de combate à violência e da “guerra às drogas” propagandeada por Noboa, ele possui negócios com uma transportadora flagrada transportando cocaína para a Europa.
Bases dos EUA e democracia equatoriana
A crescente militarização do Equador no contexto da luta contra o narcotráfico inclui ainda uma proposta polêmica de reativar bases militares dos Estados Unidos no país. Daniel Noboa deixa evidente seu desejo de abrir a nação equatoriana às tropas estadunidenses, em consonância com seu alinhamento à agenda geopolítica intervencionista de Washington na América Latina.
A razão do plano, inclusive, vai além da esfera regional e se insere em um contexto maior da contenda geopolítica na região, especialmente com a ascensão da China e seu forte investimento em infraestrutura na América Latina. Em caso de uma guerra entre o gigante asiático e o Tio Sam, o Equador poderia ser usado como um ponto estratégico para ações militares no Pacífico, o que, segundo especialistas, implicaria na perda de autonomia política do país sul-americano.
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Se acumulam ainda as ações de Noboa que enfraquecem a institucionalidade democrática e desafiam a Constituição do Equador. Um exemplo flagrante disso foi a destituição dos direitos políticos da vice-presidenta Verónica Abad, com quem o presidente rompeu desde o início de seu mandato, em 2023.
O Tribunal Contencioso Eleitoral, no entanto, aponta que a perda dos direitos políticos não seria suficiente para tirá-la do cargo. Esse episódio, juntamente com outras ações autoritárias do governo — como a perseguição judicial a figuras da oposição e a instrumentalização da justiça para fins políticos — mostra a forma como o governo liberal compromete a independência das instituições e o equilíbrio democrático no país.
* Imagem na capa: Reprodução / Facebook | Presidência do Equador
** Com informações de Hora do Povo e Brasil de Fato.
*** Edição: Vanessa Martina-Silva