Afirmou José Gil Ojeda, veterano dirigente das Ligas Agrárias Cristãs do Paraguai  
Nesta entrevista exclusiva ao Hora do Povo, José Gil Ojeda, veterano líder das Ligas Agrárias Cristãs do Paraguai, defende a mais ampla mobilização nacional e internacional em solidariedade aos juízes Arnaldo Prieto e Emiliano Rolón. Diante da mais absoluta falta de provas, os dois decidiram pela libertação de camponeses que haviam sido acusados de “homicídio doloso, associação criminosa e invasão de imóvel alheio” de uma propriedade rural em Marina Kue, Curuguaty. Em virtude disso, uma “Justiça” sob encomenda havia imposto  penas de até 35 anos de prisão por crimes que, comprovadamente, não cometeram. As armas que mataram os 11 camponeses e seis policiais no dia 15 de junho de 2012 eram de grosso calibre, a única “associação” encontrava-se legalizada e a terra era pública, estando na mira da reforma agrária. Dirigente das Ligas de 1970 a 1976, preso de 1976 a 1979, torturado pela polícia da ditadura de Alfredo Stroessner, exilado na Bolívia de 1979 a 1985, e no Brasil de 1985 até 1990, José Gil Ojeda teve sua vida protegida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e coordena hoje o projeto de tradução para o espanhol do livro “Curuguaty – O combate paraguaio por Terra, Justiça e Liberdade”, do jornalista Leonardo Wexell Severo, do HP.

Como o senhor vê a decisão do Jurado de Julgamento de Magistrados (JEM) de acolher a denúncia da Procuradoria Geral do Estado contra os juízes que defenderam os presos políticos de Curuguaty?
Se eu tivesse fundamentos para confiar em um desempenho imparcial por parte do JEM, estaria absolutamente tranquilo. Não me preocuparia pelo fato deles terem assumido a tarefa de julgar os dois juízes, respondendo à denúncia da procuradora geral do Estado, Sandra Quiñónez. Não estaria nenhum pouco preocupado, caso tivesse confiança em um julgamento honesto.
Lastimosamente, como sabemos, quem condenou os camponeses como culpados pela morte dos policiais atuou de forma extremamente parcial, atuou desde o início de forma mal intencionada contra pessoas inocentes. Assim, sem prova nenhuma, os condenaram em primeira instância, segunda instância e na Corte Suprema. Sabemos que os três juízes do tribunal de cassação, entre os que estão os dois juízes processados pelo JEM, agiram unicamente de acordo com a sua consciência, segundo o que realmente investigaram. Sabemos que atuaram corretamente e que não são culpados por nenhum suposto mal desempenho em suas funções, que atuaram de acordo com a sua consciência e o seu dever. Sabendo disso, e conhecendo a venalidade de muitos juízes da nossa “Justiça”, desde já nos indignamos frente a uma possível decisão do JEM contra os dois juízes.
 
Ojeda com lideranças: na luta pela democracia e a reforma agrária
Esta decisão não é, claramente, uma revanche dos grandes latifundiários para impor o medo a profissionais que assumem suas funções judiciais com responsabilidade?
Temos preconceitos contra os integrantes do JEM – e com bastante fundamento – porque comprovadamente atuam de forma ardilosa, com um comportamento de traição à verdade e à justiça. São venais, vendidos a quem tem mais poder econômico e ao poder político. Por isso nos preocupa sua decisão, porque é muito possível que condene injustamente os dois juízes, da mesma forma que foi feito anteriormente com os camponeses de Curuguaty.
 
E como vês a reação do juiz Arnaldo Prieto, que está processando a procuradora geral do Estado, Sandra Quiñónez, por violar a Constituição ao atentar contra a independência do Poder Judiciário?
A reação do juiz Arnaldo Martínez Prieto com sua solicitação apresentada à Câmara dos Deputados para que faça um julgamento político à procuradora geral do Estado é admirável.  Me lembra a luta de Davi contra Golias, uma atitude de coragem, mostra a disposição de enfrentar uma dura e viciada engrenagem. Está convencido – e com toda razão – de que ele e o juiz Emiliano atuaram corretamente, com base em provas, em investigações que realizaram. É uma reação firme, correta e exemplar contra a injustiça.
 
Na sua avaliação, neste momento em que inicia um novo governo, qual é a importância da campanha de solidariedade aos dois juízes?
Acredito que ninguém ignora ou pode negar a importância que teve para conquistar a liberdade dos camponeses de Curuguaty a ampla solidariedade que se conseguiu a nível nacional e internacional, graças à campanha em que participaram muitos companheiros, como o jornalista Leonardo Severo, de forma eficaz. O grupo que se manteve permanentemente em vigilância por anos, em frente ao tribunal, na Barraca da Resistência, por exemplo,
Foi uma espécie de instituição popular, criada neste caso para implementar uma pressão permanente contra a injustiça cometida pelas autoridades judiciais e políticas. Esta resistência, esta vigilância constante durante anos, realizada pelos companheiros que assumiram um compromisso coletivo de defender, até as últimas consequências, aos companheiros injustamente condenados, Isso fez a diferença. Como máxima expressão de solidariedade do povo, foi algo valiosíssimo para conseguir a liberdade dos companheiros, assim como as mobilizações massivas ocorridas ao longo de todo o período.
Vale lembrar que a grande imprensa praticamente não dava cobertura, então foram realizadas uma série de encontros, feitas inúmeras publicações e houve muita participação nas redes sociais. Até que triunfamos.
Agora é fundamental estar ao lado destes juízes, que inclusive põem em perigo sua segurança física, sua integridade, numa postura firme de defesa da verdade. Daí a necessidade da campanha de solidariedade, porque é como dizer: prestem muita atenção, porque estamos cuidando, mobilizados em sua defesa.
É muito importante levar adiante uma nova campanha de solidariedade a nível nacional e internacional, latino-americano principalmente. Creio que é da maior relevância realizarmos uma campanha intensa, agora em apoio aos juízes que atuaram corretamente em suas funções.
 
Capa da edição em português
De que forma a tradução ao espanhol do livro “Curuguaty – O combate paraguaio por Terra, Justiça e Liberdade” pode contribuir com esta mobilização?
Acredito que é da maior importância que se possa ler em castelhano uma obra tão atual e que fala tanto sobre a nossa realidade. Infelizmente, a grande maioria dos paraguaios têm dificuldade de entender – e ainda mais de ler – o português. Enquanto estávamos fazendo a tradução do livro escutei o parecer de vários companheiros que nos estimularam a seguir em frente. Porque viram na publicação em espanhol uma forma de aprofundar, ampliar e fortificar a identidade dos próprios paraguaios com a causa de Curuguaty. Uma causa que ganha ainda mais força e relevância agora, em um momento em que se pratica a injustiça contra juízes que agiram honestamente.
Acredito que a publicação, e estamos trabalhando coletivamente para isso, vai incentivar a consciência da cidadania rumo à Justiça, ampliando e fortalecendo o ponto de vista das reivindicações dos que trabalham a terra junto às instituições públicas. Argentina, Chile, Equador, Bolívia são países de fala espanhola que podem rapidamente receber nossa mensagem e se somar.
 
E dentro de toda esta luta, qual o papel das forças populares, particularmente das organizações de trabalhadores rurais?
Precisamos da unidade das forças populares para recuperar nossa normalidade nacional. Considero que nossos problemas são de fundo, de raiz. Diria que no Paraguai a administração da Justiça não funciona, pois está nas mãos de setores políticos interessados em concentrar riqueza em suas mãos. O Judiciário está sempre ao lado de quem tem mais, dos poderosos, e isso não é justiça. Não funciona a democracia, as autoridades são eleitas conforme a quantidade de dinheiro, com suas armadilhas e fraudes. A economia também não funciona, devido ao açambarcamento, à concentração, uma vez que uma pequena minoria tudo detém para que 95% da população sofra com sua má administração. Por isso não basta combatermos de forma fragmentada, com os setores isolados tentando resolver sua parte dos problemas. Desta forma as reivindicações não vão sair do papel e continuaremos sendo governados por grupelhos.
Acredito que a bandeira que deve nos guiar e unir a todos é a da defesa da soberania nacional, e para isso precisamos lutar pela liberdade eleitoral e de organização política. Precisamos garantir a distribuição da terra e da riqueza, que deve ser de forma igualitária, e não absurdamente entregue a pequenos grupos que roubam o nosso patrimônio para si e para os estrangeiros. É para isso que necessitamos a unificação das forças populares, para a normalização da vida nacional.

 

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