Advogados desmontam invencionices do Ministério Público

Cai no ridículo a manipulação contra camponeses paraguaios.

À medida em que transcorre o processo aberto contra os camponeses de Marina Kue, em Curuguaty, pelo advogado e promotor fiscal Jalil Rachid – atualmente vice-ministro da Segurança do Paraguai – vai ficando mais nítida a instrumentalização do caso como arma do latifúndio contra a desconcentração de terra e de renda.

A lacuna de uma semana entre a morte dos seis policiais e os 11 sem-terra no dia 15 até o dia 22 de junho de 2012 serviu para cavar uma fossa e, junto aos cadáveres, enterrar o governo de Fernando Lugo na vala comum das vítimas do imperialismo estadunidense.
Desde as primeiras linhas, o “documento” do Ministério Público coloca os camponeses como “criminosos”: “prepararam estrategicamente o cenário no qual receberiam as forças da ordem”, colocadas numa posição de “desvantagem evidente”, pegas “desprevenidas” com a “convicção de que tudo se desenvolveria na maior naturalidade”.
Entre outras obras de ficção, afirmam que os sem-terra estavam dispostos a tudo, tendo colocado “tábuas de madeira com pregos” que nunca apareceram, assim como teriam sido encontradas “armas de todo tipo” – como foices e facões -, “espalhadas por todo lugar”. Só para ter uma ideia do naipe das acusações, lampiões de querosene viraram “coquetéis molotov”, porque os “especialistas” não conheciam o aparato e só foram informados da sua utilidade durante o julgamento.
O Ministério Público informou que até “mulheres e crianças formavam parte do grupo e deviam cumprir uma tarefa concreta” da “organização criminosa”. E qual seria seu objetivo? A “preparação de uma emboscada para os efetivos policiais, que lhes permitisse adiantar-se e contrapor qualquer procedimento de desocupação do imóvel invadido”. Desde sempre, a declaração é um completo desprezo pela realidade, pois o tal “imóvel alheio” nada mais é do que uma propriedade pública, disponível para fins de reforma agrária. A assimetria de forças também era mais do que evidente: 324 policiais fortemente armados contra 60 camponeses, apenas metade deles homens.
Conforme admite o documento, no cumprimento da “ordem de averiguação” – e não do sangrento despejo, como se efetivou – datada de junho de 2012, “se conformou uma “comitiva” composta por efetivos policiais da Delegacia local de Aguaé; o Grupo Especial de Operações (GEO); a Agrupação Montada de Alto Paraná, Luque e São Pedro; o Grupo dos Antimotins; efetivos das Forças de Operação da Polícia Especializada (FOPE); efetivos da Agrupação Aero Fluvial da Polícia Nacional; funcionários de Direitos Humanos da Polícia Nacional e do Ministério Público; o assessor jurídico da Polícia Nacional, efetivos da Polícia Departamental de Canindeyú e efetivos policiais da 4ª Zona Policial”. Uma tropa que ultrapassava a três centenas de policiais.
HELICÓPTERO
Inicialmente, o documento do Ministério Público alega que no “sobrevoo de reconhecimento” o helicóptero Robinson da Polícia Nacional teria sido alvo de “disparos”, o que demonstraria sua predisposição beligerante. Completamente desconectado da lógica, poucos parágrafos depois já denuncia os sem-terra por terem armado uma “emboscada” contra “policiais desprevenidos e desarmados”. A argumentação é que mulheres e crianças de colo foram utilizadas para criar um clima artificial de tranquilidade. “Observaram a presença de várias mulheres e, algumas delas, com crianças nos braços, entre as que se encontravam Lucia Agüero, Dolores López Peralta (filho de três anos), Maria Fani Parredes e Raquel Villalba (filho de três meses”, “pondo em execução a ação planejada de gerar um aparente ambiente de confiança para atrair as forças policiais até a zona preparada”.
Então teria ocorrido o “enfrentamento” em que os camponeses escondidos entre as pastagens, o milharal e as ervas, sustentaram com meia dúzia de espingardas, por “30 minutos”, “de maneira intermitente”, a uma tropa com fuzis Galil, AK-47, bombas e todo tipo de armamento, amparada por cavalos, escudos e capacetes. A formação dos sem-terra – munidos de garruchas praticamente sem condição de uso – estaria feita “de forma alternada, um parado e outro agachado”. Uma tática sabidamente bem atual, como a vista nas telas do cinema em “O último dos moicanos”. Caindo no ridículo, o arrazoado fala em uma “segunda linha de fogo” sem qualquer poder de fogo: tão somente “com armas brancas”. Tudo isso não teria sido percebido pelos ocupantes do helicóptero que sobrevoou o local? Talvez a resposta explique a razão da Promotoria não ter convocado o piloto Marcos Agüero para depor. E mais, com a proximidade do julgamento e a pressão da defesa, justifique o porquê da morte do piloto no dia 17 de agosto de 2015, em um “acidente” de helicóptero.
Alinhando-se claramente com a visão de que a “empresa proprietária do imóvel” é a Campos Morombí SA – da família de Blas Riquelme, parceiro de Blader Rachid, pai do promotor – o Ministério Público ignora olimpicamente o fato de ter sido constituída uma associação comunitária junto ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert) a fim de legalizar a ocupação. Novamente o Ministério Público destila ódio de classe: “a associação criminosa havia concluído que esta era a roupagem aparentemente legal” que daria amparo ao “grupo de invasores”.
Pela obra de ficção, o comandante da ação, o subcomissário Erven Lovera foi atingido por uma foice no rosto, dando início ao choque. O exame de corpo delito desmente esta hipótese e aponta para tiros precisos de forma linear, em arma de grosso potente e de grosso calibre, o que elimina a possibilidade de participação dos camponeses no crime. A simetria dos tiros exatos, na vertical, dialoga com os disparos do fuzil Galil, arma israelense que só dispunham as tropas especiais na data fatídica.
Diante do exposto, as acusações de “invasão de imóvel alheio”, “associação criminosa” e homicídio doloso, em grau de tentativa”, pelos quais os camponeses poderiam pegar até 30 anos de cadeia cai no ridículo. Mais do que expor as vísceras de um sistema corrupto, são fatos que empesteiam o ar com o odor da injustiça e reforçam a necessidade da mais ampla solidariedade.

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