Livro “Relatos que parecem contos” defende camponeses que são presos políticos no Paraguai

Com uma pormenorizada descrição dos crimes praticados pela “cleptocracia oligárquica” que comanda o Paraguai, “Relatos que parecem contos” (Editora Litocolor, 112 páginas, 2014) repudia o reiterado “uso da mentira para condenar inocentes”, “cujo exemplo mais recente e patético é o de Curuguaty”. Sobreviventes do massacre que matou 17 pessoas, os doze sem-terra de Curuguaty encontram-se há quase quatro anos privados de liberdade, acusados por um crime que não cometeram.

Militando durante três décadas na Diocese da Santíssima Concepção do Paraguai, os autores, monsenhor Pablo Cáceres Aquino e o professor Benjamín Valiente Duarte, colheram farto material incriminatório dos latifundiários da região. Na obra, denunciam a subordinação das diferentes estruturas do Estado e dos grandes conglomerados empresariais de comunicação a estes senhores feudais, que amealharam pelo menos sete milhões de hectares de terras durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Grandes criadores de gado, plantadores de soja transgênica ou de drogas, eles acabam se impondo como proprietários da vida e da morte. Literalmente.
Na avaliação dos autores, é bastante conveniente às forças da reação, que resistem à reforma agrária e à justiça social, a “criminalização do protesto” com a súbita aparição do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Assim, tornou-se frequente o uso da hipotética presença de “guerrilheiros” para justificar as mais atrozes barbaridades e a participação de militares estadunidense. Torturas e execuções, assinalam, blindadas pela mídia.
“Nos causa uma dolorosa preocupação a cultura da desinformação, instalada em nossa sociedade, que leva ao descrédito nas instituições oficiais, na promotoria,  parlamento, poder judiciário ou executivo e, inclusive, ultimamente, nos meios de comunicação”, denunciam os autores. Conforme os dois religiosos, “o mecanismo desta desinformação ou falácia oficial é muito simples: diante de qualquer fato violento, para dar um exemplo, que afeta aos mais pobres, sai um ‘porta-voz oficial’ dizendo uma vil mentira, os jornais a imprimem em suas capas com manchetes de catástrofe, os famosos apresentadores de televisão mostram em seus programas matinais e as rádios repetem sem parar. As pessoas simples, que não leem os conteúdos, engolem enormes gatos acreditando serem lebres. A matança de Curuguaty é o exemplo mais recente e patético. Ninguém dúvida dos motivos do criminoso massacre de camponeses e policiais, porém promotores e juízes seguem fazendo o impossível para condenar inocentes, sob o amparo da grande imprensa”, relatam.
PERSEGUIÇÃO E ASSASSINATO
O livro repudia a prática do “terrorismo de Estado” que conta com o uso indiscriminado da perseguição e do assassinato a partir da entrada em cena de pyragues (delatores), “espécie que parecia extinta, mas que ressurgiu com a chegada de Horacio Cartes ao poder”. O “aniquilamento dos inocentes”, apontam os autores, visa “continuar com a destruição e morte dos nossos opulentos bosques, com o objetivo de estender cada vez mais a fronteira da soja”.
Entre outros “acontecimentos trágicos”, o livro descreve o assassinato do líder camponês Benjamín Lezcano, com mais de 15 tiros de fuzil, em frente à sua casa, no dia 19 de fevereiro de 2013, em Arroyito. Esta comunidade rural de Horqueta é conhecida por suas mobilizações, “desde a conquista dos assentamentos, situados no coração do gigantesco e espoliador latifúndio chamado ‘A Industrial Paraguaya’, que de industrial não tinha nada, muito menos de paraguaia”. Com o posto policial a apenas três quilômetros de sua casa, as forças da ordem demoraram duas horas para chegar. O chefe policial alegou que era obra do EPP, como queima de arquivo.
Também em Arroyito nasceu Agustín Ledesma “com incapacidade auditiva e, consequentemente, sem possibilidade de falar”. “Seu pai não lhe deu os cuidados adequados, chegando ao mundo praticamente órfão. A mãe, Agustina Ledesma Godoy, também inválida, não podia oferecer as atenções devidas, fazendo com que o menino crescesse amparado pelo avô materno. A população oferecia ao pequeno Agustín todo seu afeto e carinho, sendo tratado pelas famílias como se fosse um dos seus”.

No dia 11 de abril de 2012, o jovem surdo-mudo, de apenas 17 anos, “entrou no bosque para fabricar os seus folclóricos estilingues”. Estava comendo mexericas quando se viu cercado por membros da FOPE (Força de Operações Policiais Especiais) e policiais locais, que abriram fogo. “Plantaram uma metralhadora sobre o seu peito com o objetivo de apresentá-lo como um perigoso integrante do grupo guerrilheiro. Paradoxalmente, ainda que em Arroyito quase ninguém tenha sido informado, pois tudo aconteceu muito rápido, a nível nacional a notícia correu como um rastilho de pólvora. Os apresentadores dos grandes meios noticiavam: acabam de abater um membro do EPP.”

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