Com a oposição, país acena rumo à construção de um novo tempo de justiça e prosperidade para honrar a luta de jovens como Duvan Felipe Barros, que deram sua vida pela libertação da Pátria
LEONARDO WEXELL SEVERO/COMUNICASUL
Neste domingo (19), 39 milhões de colombianos estão aptos a votar para elegerem o próximo presidente da República. No país, o voto não é obrigatório e será a participação da juventude que se fez presente no estallido social [levante popular] que fará a diferença.
De um lado, a perspectiva de mudança, com o economista Gustavo Petro e a advogada Francia Márquez, a esperança na construção de uma Colômbia onde caibam todos e todas, em que o diálogo e os interesses nacionais prevaleçam, com o fortalecimento da indústria, investimento na educação pública, gratuita e de qualidade, respeito à natureza, à vida e à Constituição.
Do outro, um magnata como Rodolfo Hernández, comprovadamente corrupto, fujão de debates e que conta com a máquina do governo de Iván Duque – que impôs a ferro e fogo a camisa-de-força das reformas neoliberais – e do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), tristemente célebre pelo Plano Colômbia, com o assassinato de milhares de jovens inocentes vestidos como guerrilheiros, que impulsionou os desaparecimentos forçados, torturas e assassinatos, e que oficializou o narcoestado com o paramilitarismo.
É a confrontação entre esses dois projetos que estará nas urnas: seguir as determinações de Washington com sua política de terrorismo de Estado, bases militares e pacotes econômicos que espraiam fome e miséria no encantador país de dois mares, ou garantir “desenvolvimento, emprego e renda”, como assinalou Petro.
Conforme o líder oposicionista, é preciso dar um basta à repressão que aprisiona quem luta e incentivar os jovens, com sólidos investimentos em ciência e tecnologia, para reduzir a dependência do estrangeiro, com um importacionismo desvairado.
Daí a importância da fiscalização, a fim de evitar a fraude e fazer com que o voto popular seja respeitado, apesar de o governo tentar impedir a presença de observadores internacionais e até mesmo a fiscalização do software da contabilização das urnas, com a alegação de que está sob a responsabilidade de uma empresa privada.
Em relação a um país que abrace a todos, sejam eles afrodescendentes, indígenas ou membros das comunidades mais distantes, sem exclusão, Petro apontou ao longo da campanha que, para a meia dúzia de famílias que se revezam no poder há décadas e sua mídia, “ser jovem e pobre o converte em inimigo”. “Mas neste jovem pobre está a Pátria”, enfatizou. Esta convicção é retribuída pela confiança da juventude que, conforme pudemos constatar em nossa caminhada pelas ruas dos bairros, em sua grande maioria votará pela coalizão Pacto Histórico.
O EXEMPLO DE DUVAN
Duvan Felipe Barros tinha apenas 17 anos quando foi barbaramente torturado e assassinado por policiais da Tropa de Choque de Iván Duque. “Ele saiu no dia 5 de junho de 2021 e nunca mais voltou. A última vez que o viram foi aqui no Portal da Resistência, onde os jovens da Primeira Linha faziam as manifestações. Foi um mês e seis dias de busca por todo lado, hospitais, delegacias de polícia e de menores, mas haviam desaparecido com Duvan. Aqui no Portal encontraram um cadáver, tiraram de um duto uma pessoa, mas diziam que era mais velha, que não era o meu filho. Para mim foram dias de tortura”, contou, entre lágrimas, a mãe Dolores Cecilia Barros Gomes. Na verdade, ele havia sido encontrado no outro dia, mas pelas terríveis sevícias, a polícia só entregou o corpo quando este já se encontrava em decomposição.
“Meus irmãos puderam constatar os golpes que havia sofrido, mas os policiais alegaram que ele morreu afogado na saída do duto, que era raso. Em nosso país, lutar por seus direitos é um delito”, protesta a mãe, frisando que o menino era estudioso e dedicado. “Ele era tudo para mim, meu filho mais velho. Tenho outros dois filhos, mas ele era quem me dava amparo”, disse.
Dolores acredita que com Petro e Francia haverá profundas mudanças na estrutura de governo, “para que a Justiça avance de forma mais rápida e não haja impunidade”. “É um problema que não é só meu, é de milhares de famílias. Oficialmente são 6.400 jovens falsos positivos, mas sabemos que há mais, porque muitos não denunciam porque vivem com medo. Porque quem denuncia é morto. Mas eu não ficarei calada”, frisou a mãe.
Emocionado, Rafael Salazer Gomez, tio de Duvan, foi quem reconheceu “que havia inúmeros golpes em todo o corpo, que tinham quebrado o seu nariz, havia múltiplas lacerações nos braços, como se tivesse sido amarrado”. “Desapareceram com ele às 11 da noite de 5 de junho e o encontram às seis da manhã. O torturaram e o jogaram no cano, mas não admitiram que era ele. Nós o reconhecemos pelas tatuagens, mas eles continuavam negando. Quando nos entregaram o corpo, apesar do estado de decomposição, pudemos comprovar as torturas. É uma pena, mas não foi o único caso e continuam perseguindo”, alertou.
Dom Rafael acredita que com a vitória de Petro e Francia, o primeiro que é preciso fazer é reconhecer que estes jovens da Primeira Linha não eram – e não são – vândalos, que estão lutando por seu país, por uma vida digna. “É preciso que estes casos não permaneçam no escuro, que não só quem executou seja responsabilizado, mas quem deu a ordem, os mandantes, que respondam. Por isso, querem que Rodolfo ganhe, para que tudo continue igual, com a criminalização e o silêncio de todos os que lutaram por justiça no país. Querem perpetuar-se no poder. Este é um governo narcoterrorista que está matando os jovens”, enfatizou.
“Em nosso país, nos tiraram tanto que nos tiraram até o medo”, declarou a jovem mãe Ingrid Bernal, dirigente do movimento “Primeira Linha” — que esteve à frente na defesa contra a repressão do governo — em Cidade Bolívar, em Bogotá.
“O que buscamos é a esperança. Todos os jovens e aqueles mais velhos que participaram do estallidosocial [levante popular], lutaram para que haja uma verdadeira justiça. Neste momento, a transformação e a esperança são Gustavo Petro e Francia Márquez. Queremos que as mães tenham um túmulo onde chorar, que tenham o filho desaparecido encontrado, que os filhos que não conheceram seus pais possam saber onde estão. Nos atrevemos a sonhar com um país mais bonito, mais digno e inclusivo, com paz e tranquilidade”, enfatizou.
Para David, líder do coletivo em Usme, sublocalidade da capital, “a esperança em Petro e Francia é única, porque será um governo real, com critério, com postura, capaz de retirar do poder aqueles que sangraram e tanto mal fizeram à Colômbia”.
Também à frente do movimento em Usme, pelo qual está sendo criminalizado, Javier Silva disse que “Petro e Francia trazem consigo uma mensagem de amor e esperança, somando muitos apoios”. “Nosso país é tão grande, rico e belo que precisa de um governo à altura. Sabemos que não será fácil transformá-lo em pouco tempo, mas sabemos que este é o caminho que devemos seguir. Temos que apropriar-nos deste sentimento e deste amor, com a confiança de que podemos ter um poder mais equitativo, que os camponeses possam voltar às suas terras e que os que estamos nas cidades possamos ter uma educação de qualidade. Possamos ser uma potência para o mundo, porque os recursos com que a Colômbia conta devem servir para seu povo e não para os de sempre”, acrescentou.
Vítima ocular das violentas repressões às manifestações do Primeiro de Maio de 2021, Daniel Jaime denunciou que, apesar de ter perdido a visão do olho, não lhe foi dada nenhuma garantia pelo mesmo governo que executou os disparos.
“Os únicos que nos ouviram foram os dirigentes do Pacto Histórico. Por isso, como vítimas e ativistas sociais esperamos a vitória da oposição, com o desmantelamento do Esmad (Esquadrão de Choque Móvel), a reparação dos danos causados e que não haja mais repetição destas dezenas de lesões, que são fruto de treinamento. Além disso, é preciso lembrar que além dos assassinados e desaparecimentos, continuam ocorrendo os falsos positivos judiciais, através dos quais montam farsas para incriminar quem protesta”, protestou. Daniel Jaime acredita que Rodolfo é a continuidade desta política “e isso não podemos permitir”.
GOVERNO RASGOU O ACORDO DE PAZ
Ao encerrar a campanha da frente progressista neste sábado (18), em Cali, junto a veteranos das Forças Armadas e da Polícia, a candidata à vice-presidência Francia Márquez destacou a responsabilidade dos presentes com a nova Colômbia que emergirá. “Amanhã, cada um de vocês poderá dizer a seus filhos, seus netos, que contribuiu decisivamente para a reconciliação e para que a paz fosse uma realidade para todos os colombianos e colombianas. Com isso, os convido a dar o primeiro passo para a paz que começou, mas que este governo se encarregou de rasgá-la em pedaços, indo neste domingo às urnas em família, com amor, com alegria, em comunidade para cumprir este momento com nosso país, com nossa pátria”, concluiu Francia Márquez.
*A Agência ComunicaSul está na Colômbia cobrindo o segundo turno das eleições presidenciais graças ao apoio das seguintes entidades: Associação dos/das Docentes da Universidade Federal de Lavras-MG, Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas (CSA), jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Bancários do Piauí; Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará (APEOC), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-Sul), Sindicato dos Bancários do Amapá, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, Sindicato dos Correios de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste Centro), Associação dos Professores Universitários da Bahia, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do RS (Sintrajufe-RS), Sindicato dos Bancários de Santos e Região, Sindicato dos Químicos de Campinas, Osasco e Região, Sindicato dos Servidores de São Carlos, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc); mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS), Agência Sindical, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Revista Fórum, Viomundo e centenas de contribuições individuais.