Numa tentativa evidente de atrair eleitorado de direita que não votou nele, a menos de duas semanas do segundo turno, o candidato a presidente da extrema direita chilena anuncia mudanças radicais no programa de governo
Caio Teixeira, ComunicaSul
José Antonio Kast, candidato do Partido Republicano de ultra-direita, é um verdadeiro fascista em qualquer análise científica que se possa fazer da sua prática e do seu discurso. No entanto, ao passar para o segundo turno o candidato da mudou seu programa. A mudança de discurso, que o deixou mais parecido com um social-democrata aliado a verdes, indica o desgaste do ideário fascista perante parcelas importantes da população e, principalmente, perante o eleitorado do segundo turno.
No entanto, um olhar atento permite ver o lobo que continua feroz sob a pele de cordeiro – com todo respeito à espécie dos lobos. O Chile tem uma grande quantidade de imigrantes inseridos intencionalmente no sistema como mão-de-obra barata para diminuir custos empresariais como mostra esta nossa matéria. Como Trump, Kast alega que os trabalhadores estrangeiros tiram empregos dos chilenos que enfrentam alto índice de desocupação, e ambos estão corretos. Trump apostou na construção de muros para afastar latinos assim como Israel para afastar palestinos. Apesar da festejada queda do muro de Berlim, governos continuam construindo muros que agora separaram ricos de pobres. Seguindo a tradição da extrema direita contemporânea, Kast propôs, por escrito em seu programa, criar grandes valas vigiadas, na linha de fronteira, para impedir os fluxos migratórios. São venezuelanos, peruanos, colombianos, bolivianos e, cada vez mais, caribenhos, como os haitianos que tem se estabelecido no trabalho rural. Todos eles são explorados em condições análogas à escravidão. Migrantes, é bom lembrar, vítimas de políticas desastrosas dos parceiros do atual presidente chileno Sebastian Piñera, aliado dos EUA que promove bloqueio criminoso contra a Venezuela há anos, sustenta governos fantoches na Colômbia, promoveu golpes na Bolívia e no Haiti e já tenta desestabilizar o recém eleito governo progressista no Peru.
Depois de sofrer ataques de todos os lados, o candidato resolveu “mudar” e concordou em acrescentar que a vala, um muro invertido, será usada apenas “em casos necessários” que obviamente serão decididos por ele mesmo. Outras mudanças, no entanto são mais drásticas. O candidato que no primeiro turno propôs fechar o Ministério da Mulher, agora diz que não apenas o manterá como vai aplicar tolerância zero em relação à violência contra as mulheres.
Jose Antonio Kast anunciou o lançamento das novas propostas que, segundo ele, buscam “a ordem e a paz” além de “um crescimento econômico justo, vida digna e boa, tratamento equitativo e reconhecimento à mulher e proteção do ambiente com desenvolvimento sustentável”. Obviamente o fascista que defende a ditadura de Pinochet, não deixou de ser fascista na virada do primeiro turno nem por obra divina, nem por luzes de consciência.
Como usa um discurso genérico sem explicar de que forma pretende executar o novo programa, suas palavras soam vazias, ao contrário de Gabriel Boric, da frente democrática, que tem se mantido firme na defesa das mudanças estruturais que virão com a nova Constituição, enquanto Kast se alinha aos que tentam desmoralizar o processo constituinte. A grande questão é se o povo chileno, calejado por décadas de uma Constituição pinochetista ainda vigente, vai acreditar nas boas intenções do convertido José Antonio Kast.
O respeito à Convenção Constituinte e o compromisso com a execução da nova Constituição são as questões chave nesta eleição. O resto é perfumaria. Kast finge mudar, mas em nenhum momento se compromete com a nova Carta, conquista das grandes manifestações que provocaram o Estalido Social e, por muito pouco, não derrubaram o governo de Piñera no ano passado. O novo governo, a nova Constituição e o respeito à democracia são peças inseparáveis da construção de um novo Chile que possa servir de exemplo para a América Latina.
Ontem o Congresso chileno concluiu a aprovação do casamento igualitário que agora vai a sanção presidencial. Pode ser a primeira conquista anunciando as mudanças em gestação na Constituinte que promete um país igualitário, soberano, e plurinacional com a inclusão das nações dos povos originários e dos direitos de todas as demais denominadas minorias. Uma coisa é certa: apesar da pele de cordeiro, o candidato da direita não mudou nada.