“Querem eliminar todo tipo de oposição”, afirmou o advogado de presos e perseguidos políticos, Daniel Eslava, condenando a prisão de lideranças do movimento “Primeira Linha’. Para Eslava, “a vitória de Petro e Francia à presidência é essencial para o fortalecimento da defesa dos direitos humanos”
LEONARDO WEXELL SEVERO/COMUNICASUL
As mais de 50 prisões de jovens da chamada “Primeira Linha” e as contínuas ameaças às lideranças do coletivo por parte do governo de Iván Duque se acirram às vésperas das eleições presidenciais colombianas deste domingo (19). Para compreender mais destes jovens que tomaram a frente das manifestações contra os atropelos de Duque, sendo os primeiros a receber a crueldade e a covardia da Polícia – com granadas atordoantes, bombas de gás lacrimogêneo e todo tipo de artefatos que queimaram a pele e cegaram – a ComunicaSul entrevistou o advogado de presos e perseguidos políticos Daniel Eslava. Para o advogado, a ação governamental é clara e visa “eliminar todo tipo de oposição, com a mídia e o governo atuando em sintonia para construir uma falsa realidade de violência e justificar a repressão”. “A vitória de Petro e Francia é essencial para o fortalecimento da defesa dos direitos humanos”, frisou.
Como iniciou a perseguição aos jovens da chamada “Primeira Linha”?
É importante ressaltar o contexto em que se dá esta perseguição policial, que tem por objetivo reprimir e apagar uma mobilização social exemplar. As manifestações ocorreram não apenas em 2021, trazem consigo toda uma história. Brevemente, poderíamos citar a luta de 21 novembro de 2019, com o estallido social [levante popular]. Toda esta época poderíamos chamar de momento de paralisação nacional.
O Estado criminalizou as lideranças da paralisação, dos movimentos sociais e também intimidou as pessoas que se manifestou, defendeu os direitos humanos ou que trabalhea de alguma forma com a imprensa popular, prendendo jornalistas alternativos. Tudo isso é parte de um grande esquema de perseguição judicial. Esta é a estratégia.
Nos processos que acompanho posso notar o mesmo modus operandi: vincular o acusado com o camuflado, com o escondido, com o vandalismo… O tipo de vinculação que motiva a Promotoria e a Polícia a armar o que chamam de falsos positivos judiciais. Os falsos positivos, como se conhece muito bem neste país, foi uma forma com a qual o Estado, por meio do Exército, comunicou como “guerrilheiros mortos em combate” a pessoas civis. Até o momento, oficialmente, foram 6.402 assassinados.
O que seriam os “falsos positivos judiciais”?
É uma categoria dentro deste crime do Estado em que o poder público, representado pela Promotoria e pela Polícia, utiliza diversas ferramentas para criminalizar lideranças sociais e armar perseguições com o objetivo de capturar, privar de liberdade e vincular o acusado com o processo. Por essas e outras, estamos vivendo uma séria crise judicial do Direito aqui na Colômbia
Às vésperas das eleições, agora tentam manter as lideranças confinadas nas suas casas, restringindo ou impedindo sua ação junto às comunidades em que atuam. Prendendo dezenas e ameaçando centenas com o cárcere assim que forem exercer seu direito ao voto. A que se deve isso?
Isso deve ser compreendido desde a perspectiva de uma criminalização sistemática. É um assunto que não está isolado, que está sendo articulado entre diferentes estruturas do governo, que busca exatamente intimidar as lideranças sociais.
Porque o Estado e os meios de comunicação constroem uma narrativa que busca associar os jovens denominados de “Primeiras Linhas” a um grupo criminoso. Tudo por terem sido os primeiros a se organizar dentro da paralisação nacional para se defender da repressão estatal.
Cada vez que há uma conjuntura política importante, passaram a utilizar esta imagem de Primeira Linha, associados como criminosos e, a partir daí, gerar uma matriz midiática em que anunciam uma grande catástrofe, justificando a ação repressiva do Estado.
E isso se fez ainda mais forte nesta semana, dizendo que as Primeiras Linhas acabarão com o país caso ganhe Gustavo Petro. É isso o que se veicula nos meios de comunicação. Portanto, a partir desta narrativa, o Estado necessita dar uma resposta ao temor difundido pela imprensa. Está tudo muito bem articulado.
Daí as ordens de prisão?
Assim foram dadas as ordens de captura a lideranças que se organizam neste e em outros movimentos sociais que se manifestam, ou pessoas que defendem os direitos humanos ou exercem a comunicação popular. E, a partir daí, dar esta falsa segurança. Este é o motivo final desta política.
Querem construir uma espécie de medo sistemático, um pânico de que algo muito grave ocorrerá nestas eleições e gerando este medo, provocar um impacto eleitoral a seu favor. Querem desarticular os movimentos sociais, desmobilizá-lo, para vender a imagem da desesperança frente à mudança.
O fato é que, senão todos, muitos têm esperança neste processo eleitoral, e no grupo alternativo de Gustavo Petro. Por isso se esforçam tanto em associar a mudança de governo com a chegada de um grupo de criminosos ao poder. Querem desencorajar o voto.
E isso deu resultado?
Desde a minha leitura política, a repressão está demonstrando ser contraproducente. Porque as capturas, em vez de desmobilizar, estão fazendo é ressurgir o movimento com muito mais força. Então, o que pode estar fazendo o governo e as instituições que foram cooptadas como a Promotoria, é estimular o voto pela mudança e gerar um novo estallido social.
É o que estamos vendo. Hoje mesmo foram vistas demonstrações deste governo que quer reprimir manifestações. No dia das eleições já há cidades, como Sogamoso, que emitiram decretos impondo toque de recolher às seis da tarde. Vindo para cá nesta sexta (17) vi um contingente militar no pedágio. Isso também faz parte do cenário em que tentam gerar medo do processo eleitoral.
A partir da vitória de Petro e Francia, o primeiro que se tem de fazer é criar uma estrutura de proteção às pessoas perseguidas no marco das paralisações. Na Colômbia a anistia deve ser concedida pelo Congresso, o que equivale a um indulto presidencial. Claro, indulto equivaleria dizer que há uma condenação, enquanto o que houve claramente foi uma armação. Como advogado, defensor dos direitos humanos, acredito que o Estado deve ser responsabilizado.
*A Agência ComunicaSul está na Colômbia cobrindo o segundo turno das eleições presidenciais graças ao apoio das seguintes entidades: Associação dos/das Docentes da Universidade Federal de Lavras-MG, Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas (CSA), jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Bancários do Piauí; Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará (APEOC), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-Sul), Sindicato dos Bancários do Amapá, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, Sindicato dos Correios de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste Centro), Associação dos Professores Universitários da Bahia, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do RS (Sintrajufe-RS), Sindicato dos Bancários de Santos e Região, Sindicato dos Químicos de Campinas, Osasco e Região, Sindicato dos Servidores de São Carlos, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc); mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS), Agência Sindical, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Revista Fórum, Viomundo e centenas de contribuições individuais.