“Futuro seguro”: a bandeira de Evo tremula em defesa do projeto de nacionalização e industrialização (LWS)
 

O que está em jogo neste domingo na Bolívia é retroceder ou avançar no processo de libertação nacional, coincidem o pesquisador e cientista social Porfírio Cochi, o renomado cinegrafista Andrés Sal ari e o jornalista Mariano Vázquez, para quem o resultado eleitoral também impactará diretamente o processo de integração regional, implodido pelos neoliberais

Leonardo Wexell Severo

La Paz e El Alto/ Bolívia

Neste momento de extrema tensão, em que uma elite entreguista usa e abusa de armações midiáticas e fake-news – como a de que Evo teria milhões de dólares depositados no banco do Vaticano – cerca de 7,3 milhões de bolivianos escolherão, além do presidente e do vice, 130 deputados e 36 senadores para o período 2020-2025. Para que não haja segundo turno, basta conquistar 40% do eleitorado e abrir dez pontos percentuais sobre o segundo colocado.
Contra Evo, que lidera com folga todas as pesquisas de opinião, estão dois candidatos: Carlos Mesa – manchado pelo sangue de cerca de 70 manifestantes mortos e mais de 500 feridos no Massacre de Outubro, em 2003, quando era vice de Sánchez de Lozada -, e Óscar Ortiz, senador e empresário de Santa Cruz de la Sierra, mero serviçal da embaixada dos Estados Unidos.
Porfírio Cochi: “O receituário da oposição é de submissão ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial’
Na avaliação do boliviano Porfírio Cochi, “Mesa representa um salto ao vazio, para trás, é um mero oportunista conjuntural, que tira proveito do descontentamento de alguns setores da população e da dispersão da direita, sem qualquer compreensão da economia, enquanto Ortiz encarna a expressão do racismo da elite mais conservadora, retrógrada e entreguista”.
Por isso, descreveu Porfírio, “assinalamos que a opção é simples: entre retroceder ao passado de submissão ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, com seu receituário de privatização, arrocho e desrespeito a direitos ou dar continuidade ao processo de libertação nacional, com tudo o que isso representa em termos de efetivação da independência, de soberania científico-tecnológico, de autonomia, de fortalecimento da nossa autoestima, de sermos donos dos nossos próprios recursos naturais”. Para o pesquisador, “este é o momento de efetivarmos um processo que tem servido não só de marco para os bolivianos, mas de referência para o conjunto dos povos da América Latina”.
ENFRENTAMENTO AO NEOLIBERALISMO
“Nossas sociedades têm claramente um nível de desenvolvimento social, econômico e político diferenciado na região. Na década de 2000, a Bolívia passou por um intenso processo de reconfiguração política em que aflorou com muita força o movimento indígena, coordenando as mobilizações. Ao assumir o papel de vanguarda, este setor capitaneou a luta contra a exploração, contra a discriminação e a subalternidade, aglutinando o conjunto de forças populares no enfrentamento ao neoliberalismo”, destacou Cochi.
Conforme o pesquisador, o resultado deste rico processo redundou na Assembleia Constituinte e na efetivação da Carta Magna, “com a Constituição política de um Estado plurinacional, materializada em novas leis, novas estruturas, em pluralismo democrático, político e econômico”. Passados dez anos daquele rico 2009, lembrou Porfírio, “encontram-se em disputa dois projetos políticos, duas visões de mundo, dois modelos: um de defesa do protagonismo dos nossos povos, que passam a ser sujeitos do seu próprio destino ou uma corrente ideológica de subalternidade, ultraconservadora, de anti-direitos, que remonta os velhos tempos em que se fechava a porta à participação e ao controle social”.
DEBILIDADES E LIMITAÇÕES
Ao mesmo tempo em que são inegáveis os avanços do governo Evo nos mais variados aspectos, declarou o cientista social, “é preciso reconhecer autocriticamente que houve debilidades e limitações na efetivação do projeto popular, levando em conta por um lado que é um processo e por outro que foram herdadas instituições sólidas que buscam impedir que o novo aflore”. Exemplo disso, apontou, “são os contratos firmados com as transnacionais por cooperativas de mineiros que buscam barrar o avanço da economia social, sabotando avanços e mantendo o extrativismo e privilégios”.
Andrés Sal ari: “Evo Morales afirma um projeto de desenvolvimento soberano, com base no mercado interno” (CTA)
Autor do renomado documentário “O cartel da mentira”, em que descreve como os conglomerados midiáticos unificaram suas baterias contra o presidente Evo Morales, Andrés Sal ari condenou a reação extremamente preconceituosa. “Na Bolívia e em toda a região há dois projetos bem definidos. Uma disputa entre governos progressistas, com suas diferenças e matizes, mas que têm no horizonte um projeto de desenvolvimento nacional, e as classes políticas tradicionais e dominantes, que sempre terminam implementando políticas submissas aos organismos financeiros”, frisou.
De acordo com o cineasta argentino, “não é casual que nestes últimos anos se volte a falar de Fundo Monetário Internacional. Parecia uma entidade já sem ingerência na região e que no entanto vemos mais claramente, no caso da Argentina e do Equador, ao assumir políticos neoliberais terminam sempre sob a sua órbita”. “Se Evo não segue sendo o presidente”, alertou, “não resta a menor dúvida de que o país cairá novamente sob a direção deste organismo financeiro internacional”.
Para Sal ari, “é muito importante o exemplo da Bolívia porque encarna um projeto alternativo de desenvolvimento, que tem por base o mercado interno, políticas econômicas independentes, sem a ingerência de organismos financeiros que vemos novamente com tanto poder na Argentina e no Equador”. “A questão é que, neste momento, Evo Morales ficou muito só devido ao avanço da direita no Brasil, na Argentina, no Equador e no Chile. Então, o discurso de integração tem ficado um pouco em segundo plano. A integração precisa novamente de um entorno geopolítico e me parece muito boa a notícia que Alberto Fernández possa ser ungido à Presidência da Argentina, porque já na campanha tem falado sobre esta necessidade. Neste sentido, estou seguro que com Evo Morales à frente do governo contará com um aliado fundamental para que a região possa retomar o processo de integração”, acrescentou.
Com tudo o que está sendo visto, apontou o cinegrafista, a luta político-ideológica e cultural mais do que nunca passa a ter um papel chave. “Acredito que temos uma dívida importante em torno à batalha cultural que precisa ser travada contra a hegemonia que vem desde Washington, e reproduzida pelas nossas classes dominantes, que continuam sendo as donas dos principais meios de comunicação na América Latina”, apontou.
A apreciação de Sal ari é de que a Bolívia não seja exceção, havendo necessidade da construção de “um espectro radioelétrico mais democrático e plural, o que está obviamente ligado à propriedade dos meios de comunicação, que seguem nas mãos da classe dominante”. “Acredito que deva haver uma autocrítica da esquerda porque governou muitos anos na América Latina e há uma grande dívida em torno à geração de conteúdo e à batalha cultural que deve ser dada para que a nossa mídia possa competir em melhores condições com os meios hegemônicos”, concluiu.
MANIPULAÇÃO E INVISIBILIDADE
Uma das maiores demonstrações de como os grandes conglomerados manipulam ou invisibilizam a informação, reduzida à mercadoria, relatou o jornalista argentino Mariano Vázquez, especialista no país andino, são os logros alcançados por Evo ao longo de sua gestão. “A Bolívia é hoje um exemplo de economia pujante, que transformou um país excludente, formatado pelas elites brancas que segregavam suas maiorias, em um país inclusivo”, indicou.
Mariano Vázquez: “Mídia oculta as inúmeras conquistas obtidas pelo governo boliviano” (CTA)
“Vejamos alguns indicadores sociais e econômicos entre 2005 e 2018: o Produto Interno Bruto saltou de US$ 9,574 bilhões para US$ US$ 40,574 bilhões, a inflação anual caiu de 4,9% para 1,5%, as reservas internacionais líquidas saltaram de US$ 1,714 bilhão para US$ 8,946 bilhões, os investimentos públicos aumentaram de US$ 629 milhões para US$ 4,458 bilhões, a dívida pública externa caiu de 51,6% para 25,1% do PIB, o salário mínimo subiu de US$ 54 para US$ 300, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres foi reduzida de 129 para 39 vezes, a pobreza extrema baixou de 38,2% para 15,2%, a pobreza moderada recuou de 60,6% para 34,6% e o desemprego de 8,1% para 4,3%”, relatou Vázquez.
Apesar das contundentes vitórias, ponderou o jornalista, tanto econômicas como sociais, “o cenário está polarizado”, lançando o interrogante: “Para qual lado do pêndulo a Bolívia escolherá?”
* O Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul está cobrindo as eleições na Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Hora do Povo, Diálogos do Sul, SaibaMais, Fundação Perseu Abramo, Fundação Mauricio Grabois, CTB, CUT, Adurn-Sindicato, Contee, CNTE, Sinasefe-Natal, Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região, Sindsep, Sinpro MG e Apeoesp. A reprodução é livre, desde que citados os apoios e a fonte.

 

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