Para secretário nacional da Liga Argentina por los Derechos Hombres José Ernesto Schulman, caos social vivenciado pelo Equador e atualmente no Chile põe em xeque o modelo de organização da sociedade pela via capitalista
Rafael Duarte
Buenos Aires / Argentina
A América Latina tem mais de 1.400 presos políticos em cárcere atualmente. O ex-presidente Lula é um deles. Somente na Colômbia são mais de mil ativistas presos por motivações ideológicas. Na Argentina, 36 pessoas estão na cadeia também por divergências com o Estado, sendo a mais famosa a líder comunitária Milagro Salo, primeira presa política do governo Macri e que, atualmente, cumpre a pena em casa, na cidade de Juyjuy, norte da Argentina.
A denúncia é do secretário nacional da Liga Argentina por los Derechos Hombres José Ernesto Schulman. Fundada em 1937, a Liga é a entidade de defesa dos Direitos Humanos mais antiga da América do Sul e nasceu 11 anos antes das Organizações das Nações Unidas sob duas premissas: lutar contra o fascismo e o imperialismo, além de defender a determinação dos povos e as garantias constitucionais dos países.
Alguns países usam categorias diferentes para enquadrar presos em conflitos ideológicos com o Estado, mas a Liga reconhece todos como presos políticos:
– Somente na Colômbia são mais de mil, ligados ao conflito armado. No Equador e agora no Chile são muitos. Na América do Sul podemos trabalhar com esse número de 1.400. Alguns países usam a denominação ‘presos sociais’ para algumas situações, mas usamos uma única categoria, a de presos políticos, porque não é fácil o registro. Do camponês ao Lula são todos iguais, presos políticos”, explica Schulman.
Foto: Elineudo Meira/Chockito |
Na lista de prisioneiros argentinos estão dez ex-funcionários dos governos kirchneristas acusados de corrupção. De acordo com o secretario geral Liga, não há provas contra os servidores. Na mesma situação está o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, acusado ação ilícita envolvendo a construtora brasileira Odebrecht, também sem comprovação. Schulman compara os casos na Argentina e no Equador com o do ex-presidente Lula, preso político desde abril de 2018.
– São casos grotescos. Na Argentina (há processos) parecidos com os de Lula (Brasil) e de Glas (Equador). É uma relação poderosa. Armam uma causa, convalidam com provas falsas e atropelam o processo legal. Na Argentina não se cumpre a presunção de inocência nem o devido processo legal”, acusa.
Schulman classifica como “democradura” – expressão criada nos anos 1980 pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano – o regime instalado nos países da América Latina.
– Desde que acabou a ditadura na Argentina não falamos em democracia. Não aceitamos que chamem democracia. A definição mais acertada é a de (Eduardo) Galeano, nos anos 80, que fala em “democradura”. Houve momentos de maior ampliação de direitos, no processo de memória, justiça e verdade, mas não é possível chamar de democracia”, diz.
Para o ativista também não é possível falar em democracia sem a democratização dos meios de comunicação:
Nem os governos kirchneristas são poupados pelo secretario geral da Liga Argentina por los Derechos del Hombre. Schulman cita a lei antiterrorista sancionada em 2007 pelo governo de Cristina Kirchner que, assim como no Brasil, vem sendo usada na Argentina para perseguir movimentos sociais e partidos de esquerda.
– Temos uma avaliação positiva dos governos de Kirchner, mas seus governos se subordinaram à logica da luta antiterrorista. Cristina sancionou a lei antiterrorista em 2007 e outras três versões. A combinação dessas leis prepararam terreno para a prisão dos próprios kirchneristas”, analisa.
Apesar das críticas de Schulman, a Argentina é uma referência para o Brasil na área de memória, Justiça e verdade. A Justiça argentina puniu agentes do Estado que assassinaram civis durante a ditadura militar. Entidades de direitos humanos e movimentos sociais calculam em mais de 30 mil pessoas, entre mortos e desaparecidos. Schulman destaca a consciência do povo argentino em relação ao período e a reconhece como uma conquista:
– O maior valor cultural conquistado pelo povo argentino é o respeito à memória e à verdade. Os argentinos repudiam o terrorismo de Estado. Isso é tão forte que nem (Maurício) Macri pôde mudar. A Corte Suprema prometeu liberar os genocidas pouco antes do Macri assumir, mas a resposta popular foi tão massiva que não levaram adiante”, disse.
“A esquerda brasileira foi leviana na luta pela memória”
– Discutir exatamente as condições da luta são importantes. Não confundir desejo com realidade. A direita latino americana não é democrática, não é plural, não respeita a Constituição nem os direitos. A direta latino-americana é inimiga da revolução francesa, das tradições liberais. Como acreditar que de um dia para o outro vão respeitar ?”, afirma.
Opositor de Maurício Macri, José Ernesto Schulman foi preso e torturado pelos militares argentinos. Na avaliação dele, o voto macrista não é apenas econômico, mas sobretudo ideológico.
– O voto em Macri é também politico, ideológico, são convencidos de que somos narcoterrosittas, kirchenristas… esse é o discurso. Mas os argentinos votam também culturalmente, do contrário não existiria Fernandez”, reflete.
Para o ativista, o caos social vivenciado pelo Equador e atualmente no Chile põe em xeque o modelo de organização da sociedade pela via capitalista na América Latina:
– São muito impressionante os protestos Equador, no Chile, podemos ganhar. A verdade é que, neste momento, o capitalismo se mostra incapaz de organizar a vida do povo. O modelo chileno se quebrou em pedaços. O Equador se mostrou assim, cada povo luta nas condições em que está. A preocupação seria na frustração do povo. Possivelmente está surgindo uma nova forma de representação, temos que estar atentos”, diz.
O Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul está cobrindo as eleições na Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Hora do Povo; Diálogos do Sul; SaibaMais; 6 três comunicação; Jaya Dharma Audiovisual; Fundação Perseu; Abramo; Fundação Mauricio Grabois; CTB; CUT; Adurn-Sindicato; Apeoesp; Contee; CNTE; Sinasefe-Natal; Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região; Sindsep-SP e Sinpro MG.