Ahmed Ettanji, presidente da Agência Equipe Media, responsável pelo documentário (LWS/HP)

“Premiado documentário contribui para romper o muro de silêncio e invisibilidade da dominação marroquina”, afirmou Ahmed Ettanji, presidente da Agência Equipe Media, que coordena os vídeo ativistas responsáveis na luta para construir uma nação independente

Leonardo Wexell Severo, de Buenos Aires

“Devido ao bloqueio militar e informativo do Saara Ocidental pelo reinado do Marrocos, que ocupa nossos territórios desde 1975, a Equipe Media surgiu com a ideia de romper o muro de silêncio e invisibilidade. O documentário 3 Câmeras Roubadas expõe a opressão, as violações e os crimes praticados contra o povo saarauí”, afirmou Ahmed Ettanji, presidente da Agência Equipe Media, que coordena os vídeo ativistas responsáveis para virar a página da dominação estrangeira.

“Somos a última colônia africana”, ressaltou Ettanji, que participou recentemente na II Conferência da Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação Solidários à Causa Saarauí, em Buenos Aires, exibindo e debatendo o relevante documentário.

Na oportunidade, o presidente da Equipe Media explicou a razão das imagens saírem sempre extremamente censuradas, de ter os responsáveis expostos a todo tipo de perseguição e violência pelos marroquinos, da população saarauí ser proibida de usar seus próprios nomes, de falar Hassania [variedade do árabe magrebino] e de protestar contra as injustiças. “Também é negada a entrada de jornalistas nos territórios ocupados, por isso todas as imagens do documentário foram captadas em segredo”, disse.

Por isso, mais do que os prêmios, como o de melhor curta do Festival Internacional de Medellín, ou o de Direitos Humanos e Liberdades do Festival Internacional de Cinema de Valência, o 3 Câmeras Roubadas representa um forte estímulo a que cada vez mais jovens saarauís ergam a voz contra a ocupação marroquina e lutem para construir uma nação independente.

“AGORA NÓS SOMOS VÍTIMAS, MAS TAMBÉM TESTEMUNHAS”

“No Saara Ocidental não existia agências de informação, não existia correspondentes internacionais o que significava não haver testemunhas. Agora nós somos vítimas, mas também testemunhas”, assinalou Ettanji. A partir desta compreensão, destacou, “decidimos criar esse projeto comunicacional para informar e lançar a voz do povo saarauí, documentando as constantes violações dos direitos humanos e o assalto dos nossos recursos naturais”. “Até então, estamos trabalhando na clandestinidade, criminalizados, perseguidos e quando nos identificam temos sido torturados. Inclusive temos sido enviados para a prisão pelo nosso trabalho de jornalistas. Porque informar é existir. Se não informas, não existes, e o reinado do Marrocos sabe muito bem disso. Por isso busca nos silenciar, calar a nossa voz”, frisou.

De acordo com o presidente da Equipe Media, “há muitos jornalistas que ficaram um, dois, dez anos no cárcere e, hoje em dia, há seis jornalistas em penitenciárias marroquinas, condenados a dez, 20 anos, 30 anos e até cadeia perpétua”. “Alguns estão sem qualquer contato com o mundo exterior, não recebendo sequer uma visita, encontrando-se em situação de insalubridade, sem atenção médica, em estado de completa negligência, padecendo de enfermidades crônicas devido ao abandono e à falta de alimentação adequada”, denunciou.

Diante de tamanha agressão, explicou o ativista saarauí, “buscamos dar visibilidade ao que o Marrocos invisibiliza, tentando mostrar ao mundo o escondido, utilizando fotos, vídeos e testemunhos que enviamos às organizações e aos meios de comunicação internacionais”. “Buscamos converter esses fatos em matérias que evidenciem a ocupação e as barbaridades perpetradas pelo reinado contra um povo que luta diariamente, de forma pacífica, pelo seu direito inalienável à sua autodeterminação e  independência”, acrescentou.

Neste sentido, Ahmed Ettanji acredita que “a Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação em Solidariedade em Apoio à Causa Saarauí, assim como a Rede Latino-americana, são cruciais, para fazer com que o mundo ouça as vozes deste povo oprimido”. “Contar com profissionais tão solidários, com gente que tem ética jornalística e trabalha para denunciar as injustiças, serve como caixa de ferramenta para impulsionar a luta pela verdade”, agradeceu.

Questionado sobre o que considerava mais grave na ocupação marroquina, Ettanji respondeu “não serem as torturas que sofri, as prisões ou ameaças, mas ver que há pessoas que foram estupradas na frente da família, uma mulher que foi violada na frente da mãe”. Mais, acrescentou, “ver um filho que nasceu após o pai ser preso e está há dez anos sem saber nada dele, uma mãe que tem um filho desaparecido continua muitos anos esperando, sem saber sequer onde está, nem se um dia saberá de seu paradeiro”.

Neste embate, o comunicador saarauí acredita que os movimentos sociais e a sociedade civil são essenciais “para se mobilizarem e pressionar os governos dos quatro países da América Latina – Argentina, Brasil, Bahamas e Chile – que ainda não reconheceram a República Árabe Saarauí Democrática (RASD), que o façam. No caso brasileiro, em particular, país governado por um presidente progressista, que sofreu na própria carne a repressão, seguramente compreenderá a um outro povo vítima da injustiça”.

Assista o curta Três Câmeras Roubadas

https://www.youtube.com/watch?v=amZ2OTIdkNE

 

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