A mídia tradicional e as redes sociais costumam considerar exagero classificar os EUA como imperialista, sendo a própria expressão banida de todos os seus conteúdos.
Josef Göebels, o famoso gênio da propaganda nazista durante os anos de Hitler, tinha duas teses sobre comunicação. A primeira, mais sofisticada intelectualmente, era de que é possível dizer uma grande mentira falando apenas a verdade. Esta é a tese utilizada pelos meios de comunicação tradicionais como rádio, TV e jornais, e consiste na utilização de fatos verdadeiros ardilosamente combinados com a exclusão de outros que possam contradizê-los, levando o leitor a um entendimento equivocado da realidade.
A segunda é a tese da barbárie intelectual que voltou à moda no Século XXI com as redes sociais. Através dela Göebels defende que uma mentira mil vezes repetida acaba sendo aceita como verdade. Esta é a prática utilizada pelas redes sociais atuais de disseminar notícias falsas com velocidade avassaladora, com auxílio de algoritmos a um custo financeiro que só os muito ricos podem pagar.
Em ambos os casos, o resultado é a manipulação da maioria das informações circulantes em favor dos milionários do mundo cada vez mais arvorados a tomar o poder político nas sociedades do chamado Ocidente Coletivo, nas pessoas de seus próprios colegas de classe. O caso mais emblemático é Donald Trump, milionário do ramo da construção civil nos EUA, eleito para um segundo mandato de “Imperador” estadunidense e que, antes mesmo da posse, já manifesta intenção explícita de anexar o Canadá, a Groenlândia e o Panamá num retorno à mais tosca política colonial do Século XIX.
O Chile era presidido até 2022 pelo milionário da mídia Sebastian Piñera, que foi dono da rede de televisão Chilevisión e sócio da empresa aérea Lan, hoje Latam. No Equador, outro banqueiro presidente deu lugar em 2023 ao filho do maior empresário do país, que ficou milionário plantando e exportando bananas para os EUA e que hoje atua até na mineração. O México foi presidido pelo presidente da Coca Cola mexicana, antes da virada de Lopez Obrador.
No artigo a seguir, o historiador equatoriano Juan Paz y Miño Cepeda descreve a evolução da política externa estadunidense na América Latina a partir da independência daquele país até os dias de hoje quando se observa um retorno ao colonialismo de 200 anos num verdadeiro retrocesso civilizacional. Tudo sob os aplausos dos meios de comunicação empresariais que sempre defendem a classe à qual pertencem.
Não esqueçamos que as redes sociais não são a “Democratização da comunicação” como alguns ingênuos chegam a pensar. Elas representam uma concentração brutal do poder de comunicar inédita na História. Elon Musk com o X, ex-Twitter, e Mark Zuckerberg, dono de Facebook e Instagram controlam sozinhos as maiores redes de disseminação de notícias falsas do mundo. E ambos declararam integral apoio a Donald Trump, o próximo presidente dos EUA, o que significa usar suas plataformas como verdadeiras armas de destruição em massa a serviço do governo estadunidense. Leia o artigo e tire suas dúvidas, se ainda as possui, sobre os EUA serem ou não um império colonial.
RENASCE O MONROÍSMO
Juan J. Paz y Miño Cepeda
História e Atualidade – Segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
A proclamação da independência das Treze Colônias da Grã-Bretanha, na América do Norte, a 4 de julho de 1776, teve um valor universal: pela primeira vez na era do capitalismo, rompeu-se com o colonialismo e constituíram-se os Estados Unidos como o primeiro país inspirado nos ideais e valores do pensamento iluminista, que converteu a liberdade e a democracia em fundamentos inseparáveis da sua evolução posterior. As independências dos enormes territórios coloniais americanos, que estavam principalmente sujeitos antes de tudo às monarquias de Espanha e Portugal, arrancaram um pouco mais tarde, começando pela independência do Haiti frente à França em 1804 e terminando em 1824 com as batalhas de Junín e Ayacucho. Nascia a América Latina, com cerca de vinte países que durante o século XIX tiveram de construir os seus Estados nacionais e edificar as repúblicas presidenciais sob os pressupostos teóricos do constitucionalismo, da democracia e dos direitos cidadãos. Mas os processos de afirmação dos Estados Unidos tiveram um desenvolvimento diferente aos dos países latino-americanos.
EUA ROUBOU PELA FORÇA 55% DO TERRITÓRIO DO MÉXICO EM TRÊS ANOS
Sobre o argumento de se considerar uma nação exemplar que deveria fortalecer o seu poder, transmitir seus valores institucionais ao mundo e garantir sua segurança nacional, inaugurou um expansionismo inédito, justificado tanto pela ideologia do Destino Manifesto como pela Doutrina Monroe (1823). O maior impacto foi o expansionismo territorial através da compra da Louisiana da França (1803), da Florida de Espanha (1819) e do Alasca da Rússia (1867); a tomada de territórios indígenas a Oeste, que conduziu ao genocídio; a anexação do Texas, antes México (1845), alargada pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo, após a guerra com o México (1846-1848), que lhe permitiu conquistar os territórios da Califórnia, Nevada, Utah, Novo México, a maior parte do Arizona e do Colorado, e partes dos atuais Oklahoma, Kansas e Wyoming, a que se juntou a compra de Gadsden (La Mesilla, 1853), ou seja, conseguindo apropriar-se de 55% do território mexicano. O expansionismo incluiu a guerra com a Espanha (1898), que garantiu aos Estados Unidos o controle de Porto Rico e a intervenção direta em Cuba, onde se impôs a Emenda Platt (1901) (*).
O expansionismo do século XIX fez dos Estados Unidos uma potência incontestável. Teve acesso a terras agrícolas férteis para agricultura, recursos energéticos, espaço para o crescimento demográfico e o desenvolvimento do seu mercado interno, a rotas comerciais e, definitivamente, a possibilidades inigualáveis para o fortalecimento de uma pujante economia capitalista. Não faltaram ameaças e intervenções sobre a América Latina, ainda que essa caraterística tenha se tornado uma política internacional permanente durante o século XX, ao implementar a expansão imperialista, que apelou para a necessidade de proteger a segurança nacional, garantir os investidores norte-americanos, ter governos aliados ou subordinados aos seus interesses e impedir a incursão competitiva de outras potências no continente. De fato, a Guerra Hispano-Americana é o seu ponto de partida, à qual se seguiram numerosas intervenções diretas ou indiretas, justificadas pelo “Corolário Roosevelt” (1904), que considerava esse intervencionismo como um verdadeiro direito de impor ordem e proteger seus interesses. O apoio à independência do Panamá (1903) lhe assegurou a construção do canal transoceânico; houve incursões no Haiti (1915-1934); na República Dominicana (1916-1924); várias na Nicarágua, Honduras e El Salvador entre 1900 e 1933, particularmente destinadas a defender empresas como a United Fruit Company em cada “República de Bananas”.
Para travar a luta contra o “comunismo”, os Estados Unidos conseguiram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, 1947), que serviu para converter as forças armadas de toda a região em instrumentos da Guerra Fria e que tão graves repercuções viria a ter em boa parte dos países latino-americanos durante as décadas de 1960 e 1970, quando foram implantados regimes civis e ditaduras militares terroristas, violando sistematicamente os direitos humanos. A isto acrescente-se as ações encobertas da CIA para desestabilizar e mesmo derrubar governos, as sanções de todo o tipo contra diversos países e o infame e ilegítimo bloqueio a Cuba, que tem merecido o rechaço das Nações Unidas durante 32 anos consecutivos.
Os Estados Unidos nunca abandonaram o monroísmo, apesar de momentos menos tensos. Mas as condições históricas do século XXI são diferentes das do passado, porque coincidem três processos: o surgimento de forças progressistas e de uma nova esquerda na América Latina, que reagem contra o neoliberalismo e as imposições imperialistas; a construção de um mundo multipolar com a imparável presença da China, da Rússia e dos BRICS; e a readequação das direitas econômicas e políticas, que tem lançado sua própria luta de classes para impedir um rumo diferente nos países da região.
Sob estas novas condições, a presidência de Donald Trump projeta o renascimento agressivo do monroísmo. As referências sobre os interesses norte-americanos na Groenlândia, no Canadá, no Golfo do México e no Panamá, bem como as ameaças à Venezuela, ao México e aos governos progressistas; o interesse declarado nos recursos da América Latina e os acordos militares que os acompanham; e, acima de tudo, a necessidade de frear os interesses da China (e da Rússia) no continente, dão sinais de relações internacionais conflituosas, pelo menos com os governos progressistas.
As primeiras respostas de Claudia Sheinbaum, presidente do México, colocam o país na vanguarda do latino-americanismo. O mesmo não acontece com o Equador, onde a Constituição e as leis são violadas para alcançar acordos militares prejudiciais (2021 e 2023) com os Estados Unidos, que incluem cooperação na luta contra o narcotráfico, mas, também, o uso das Ilhas Galápagos como uma base geoestratégica no Pacífico (https://t.co/Kv1kXFqZ6A ; https://t.co/QVoguM4nVD).
Desde 2017, o Equador vive um cenário interno de regressão econômica, de consolidação de uma classe empresarial oligárquica no poder, de explosão da criminalidade e do narcotráfico e da sucessão de três governantes desprovidos de sentido nacional, trabalhista e social. O país é hoje um exemplo radical do que significam os governos de empresários-bilionários que usam o Estado para sustentar suas propostas econômicas, os seus negócios e os seus lucros, à custa da sociedade, das leis, dos direitos dos cidadãos, da soberania e da dignidade nacional, ao mesmo tempo que se alinham com políticas que favorecem o monroísmo e se opõem ao latino-americanismo.
(*) A Emenda Platt, legislação estadunidense do início do século XX que, na prática declara Cuba colônia dos EUA. Sem ouvir os cubanos obviamente.
Tradução e introdução Caio Teixeira/ComunicaSul