Antropóloga Ana María Larrea, doutora em Políticas Públicas e mestre em Desenvolvimento com ênfase em Movimentos Sociais denuncia que a “aplicação rigorosa do modelo neoliberal” durante os governos de Moreno e Lasso provocou uma “acumulação ilimitada de riqueza” que trouxe como resultado uma estrutura “corrompida, presa fácil para a lavagem de dinheiro de droga e para o crime organizado”. Desta forma, o modelo ficou “tingido de sangue”, com inúmeras mortes, advertiu. Secretária técnica para a Erradicação da Pobreza no governo de Rafael Correa (2007-2017), Ana Maria Larrea propõe que, uma vez eleita, Luisa González, do movimento Revolução Cidadã fortaleça o setor produtivo e enfrente o setor financeiro. Entre as propostas, Larrea propõe que o novo governo transfira os US$ 10 bilhões aplicados em um banco na Suíça para investimento público e gere melhores condições de vida para os equatorianos.
CAIO TEIXEIRA/ComunicaSul
DIRETO DE QUITO
Os dois temas principais da atual campanha eleitoral no Equador foram a violência generalizada e a economia em crise. Qual a relação entre tais pontos e o atual modelo neoliberal?
O que estamos vivendo no Equador é precisamente o produto da aplicação rigorosa do modelo neoliberal durante os dois últimos governos [de Moreno e Lasso]. Um modelo que está tingido de sangue, porque há uma estratégia muito forte de acumulação ilimitada de riqueza, que é presa fácil para a lavagem de dinheiro de droga, para o crime organizado e para a economia criminosa. Uma sociedade em que o Estado é abandonado, em que o Estado é enfraquecido, dessa forma é um grande terreno fértil para o aparecimento e a expansão de bandos criminosos e da violência generalizada. Portanto, estão muito ligados o modelo econômico com esta rede de economias criminosas que hoje assolam o Equador.
Quase todos os candidatos propunham a repressão pura e simples para combater a violência. Mas o Revolução Cidadã defende que é preciso atacar outras frentes, como a desigualdade social. Trabalhastes com Rafael Correa justamente para a erradicação da pobreza. O que poderia ser feito atualmente?
A questão da violência é um problema integral. Se você não atacar os diferentes aspectos que levam a ela, será difícil superar o problema. Para dar um exemplo, desde a pandemia, a taxa de abandono escolar nas escolas equatorianas começou a aumentar muito rapidamente. Se não dermos às crianças e aos jovens alternativas de educação, essas crianças e esses jovens vão se tornar presas fáceis do crime organizado, da delinquência organizada, começaram a juntar-se a bandos criminosos e a se tornar delinquentes desde muito novos. Como é importante ampliar as matrículas! Como é importante educar as crianças e os jovens! Esta é uma questão que não está na agenda de segurança do candidato da direita, mas é fundamental, mesmo do ponto de vista da segurança. Temos a questão da saúde, da erradicação e do combate à pobreza e às desigualdades em sociedades tão desiguais como a nossa. Sociedades assim são mais propícias ao crime organizado.
Lutar pela melhoria da segurança passa por reforçar o tecido social, aumentar a solidariedade, as redes de ajuda mútua, que contribuam para recuperar o espaço público”
As medidas que devemos promover para lutar pela melhoria da segurança são abrangentes, devem reforçar o tecido social, aumentar a solidariedade, as redes de ajuda mútua, contribuir para recuperar o espaço público que está ficando cada vez mais vazio. Não apenas devido ao medo que as pessoas têm da violência e do crime organizado. E então? É importante promover uma agenda de segurança que seja abrangente, que leve em conta todos estes componentes e onde o trabalho de prevenção seja talvez o mais importante. O poder de gerar coesão social, de reforçar o tecido social precisamente para evitar a propagação da violência.
Se Luísa González for vencedora no segundo turno, terá apenas 18 meses para fazer algo antes de novas eleições. Com a sua experiência como executora de projetos de erradicação da pobreza, o que poderia ser feito em tão curto espaço de tempo?
Em 18 meses o que podemos fazer é lançar as bases para um novo país. Talvez o mais importante seja retomar o investimento público. O Equador tem atualmente reservas monetárias de cerca de 10 bilhões de dólares que estão depositadas num banco na Suíça. E nenhum investimento é feito dentro do orçamento geral do Estado. Vou dar um exemplo muito simples agora que estávamos falando da segurança. No ano passado, o Ministério do Interior investiu zero em equipamento policial. Este ano, já estamos em agosto e só conseguiu gastar 6% do seu orçamento. Em outras palavras, não há investimento público. O governo de um bom banqueiro guardou o dinheiro no banco, na Suíça.
O mais importante é retomar o investimento público para melhorar as condições de vida das pessoas, recursos que um bom banqueiro guardou num banco na Suíça”
Portanto, uma das coisas mais importantes e urgentes é recuperar a capacidade do Estado de investir para melhorar as condições de vida das pessoas, e temos de investir na saúde pública. Os hospitais atualmente não têm medicamentos. É preciso investir na segurança. É importante equipar a Polícia Nacional e as Forças Armadas, mas também gerar um processo de depuração das forças da ordem, na medida em que elas têm se deixado infiltrar pelo narcotráfico e pelo crime organizado. Portanto, há muita coisa que se pode fazer num ano e meio do ponto de vista do investimento, da mudança do modelo de desenvolvimento em que estamos atualmente mergulhados, que é um modelo de “austeridade” que ou nos mata de fome ou nos mata assassinados nas ruas. Portanto, é possível inverter o modelo num ano e meio e começar a gerar um processo de desenvolvimento. Obviamente, que num ano e meio não serão grandes os resultados, mas se conseguirmos mudar a orientação ideológica e política do governo, será um grande passo.
O Revolução Cidadã conseguiu a maior bancada de assembleístas [no Equador o parlamento é unicameral], mas não a maioria. O que fazer para enfrentar problemas como a do combate à pobreza e fortalecimento da saúde pública?
Acho que há questões importantes para o país que precisam ser tratadas com urgência e que podem gerar um conjunto mais amplo de apoios. Um deles é, sem dúvida, a reativação da produção e da geração de emprego.
Precisamos de uma agenda estatal de políticas de longo prazo, que sejam políticas de Estado em que toda a sociedade se empenhe”
Um dos problemas mais graves que os equatorianos enfrentam atualmente é o emprego precário e a falta de emprego. Por isso, penso que se pode gerar um consenso interessante em torno da questão do emprego. E a outra é a segurança, que requer de fato uma agenda estatal de políticas de longo prazo que não sejam políticas de governo, que sejam políticas de Estado em que toda a sociedade se empenhe para gerar uma vida sem violência, uma sociedade de paz. E é importante fazer isso agora. Nessa perspectiva, eu acredito que há alguns temas importantes na agenda pública que exigem consenso e, digamos, a convergência de diferentes forças políticas e, sobretudo, a convergência das forças progressistas do país.
Existe a possibilidade de explorar a contradição entre os interesses do setor produtivo e o dos bancos para reativar a economia real?
Eu penso que temos que trabalhar nesse sentido. Acho que isso faz parte do trabalho que tem que ser feito em termos de diálogo político, em termos de construção de alianças, e não é uma coisa que vem de graça. É uma agenda que tem que ser erguida com a convergência dos diferentes atores políticos e dos atores econômicos.
CONTRIBUA VIA PIX 10.511.324/0001-48
A Agência ComunicaSul está cobrindo as eleições presidenciais e à Assembleia Nacional do Equador graças ao apoio das seguintes entidades: jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR); Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP), Federação dos/as Trabalhadores/as em Empresas de Crédito do Paraná (FETEC-PR), Sindicatos dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema-SP) e de Santa Catarina (Sintaema-SC), Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado do Paraná (Sintrapav-PR), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste-Centro), Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc-SC); Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc-SC), Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal em Pernambuco (Sintrajuf-PE), mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS) e dezenas de contribuições individuais.
É permitida a reprodução do artigo desde que citada a fonte e os apoiadores.