Fundadora da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI) e membro do Fórum de Comunicação para a Integração da Nossa América (FCINA), Sally Burch, cuja entrevista segue, condena a ação dos monopólios da desinformação do Equador contra Luisa Gonzáles, candidata à presidência pelo movimento Revolução Cidadã, do ex-presidente Rafael Correa, refugiado político na Bélgica

LEONARDO WEXELL SEVERO

Que papel jogam os meios de comunicação no atual embate entre as forças progressistas e o retrocesso no Equador?

Há vários anos o anti-correísmo se converteu na principal plataforma política da direita, abarcando inclusive de setores de centro e esquerda. O próprio governo de Guillermo Lasso e, antes dele, o de Lenin Moreno fizeram de tudo para desarticular o que construiu a Revolução Cidadã (quando o país foi presidido por Rafael Correa de 2007 a 2017) ao longo de uma década. Entre outros, destruíram o sistema de benefícios sociais, o que deixou o país à mercê das máfias armadas, com um grau inédito de violência.

Os meios de comunicação hegemônicos fizeram disso sua própria bandeira, apoiando e açulando ofensivas de direito contra qualquer pessoa associada com o correísmo, centrando sua atenção às acusações de corrupção vinculadas ao governo do ex-presidente, enquanto fazem vista grossa e se omitem frente a diversas evidências nos de Lasso e Moreno. Da mesma forma omitem a vinculação destes dois presidentes a paraísos fiscais, o que no Equador está proibido para mandatários ou funcionários públicos.

Todos os meios hegemônicos tradicionais estão bastante desacreditados aos olhos da população, porém seguem tendo peso na agenda política. Mas há certos meios públicos, comunitários e alternativos que fazem um contrapeso. Ao mesmo tempo, se multiplicam no meio digital, sendo objeto de uma intensa disputa.

Todas as pesquisas mais recentes apontam para a dianteira da candidata Luisa González, da Revolução Cidadã. Qual a importância desta vitória para o desenvolvimento do Equador e da integração latino-americana?

Ainda é cedo para confiar nas pesquisas eleitorais. Inclusive em várias eleições os resultados finais foram bastante distantes do que prognosticavam as últimas pesquisas. O que está claro é que a candidata da Revolução Cidadã, Luisa González, lidera com folga em todas as pesquisas. Mas, para ganhar no primeiro turno, é necessário no mínimo 50% dos votos,  ou 40%, com 10% de vantagem sobre o segundo candidato.

E isso não será tão fácil. Em caso de segundo turno, o mais provável é que toda a direita, e inclusive parte da esquerda, se some contra a Revolução Cidadã. E aí é difícil prever o resultado.

O que está claro é que a Revolução Cidadã é o único partido na disputa com articulação e presença em todo o país, que tem suas candidaturas formadas por militantes à presidência e à vice-presidência. Os demais partidos atuam mais como clubes eleitorais que se alugam e emprestam nomes com candidatos autônomos. Inclusive o Partido Social Cristão, que já foi muito forte, agora não tem candidato próprio e apoia o ex-mercenário Jan Topic.,

A situação teria sido diferente com a indicação de Leonidas Iza, presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), pelo movimento Pachakutik, mas o partido continua dividido e não conseguiu apresentar uma candidatura.

Em relação aos programas políticos, em caso de vitória da Revolução Cidadã, o que se espera é a retomada dos eixos centrais do governo de Correa como buscar soluções à insegurança por meio de programas sociais, não só por meio da força [como vem sendo feito]; reduzir o desemprego e a pobreza, fortalecendo a educação e a saúde – áreas sociais que foram bastante abandonadas nos últimos anos; investir em programas de reabilitação das pessoas privadas de liberdade e impulsionar a integração regional. Inclusive se está falando na possibilidade de convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte. O fato é que o governo eleito terá um mandato de apenas 18 meses. Com as finanças do país extremamente comprimidas, e o alto grau de delinquência, não será nada fácil.

A comunicadora britânica-equatoriana Sally Burch condena manipulação midiática (ALAI)

,A comunicadora britânica-equatoriana Sally Burch condena manipulação midiática (ALAI)A distribuição das frequências midiáticas está prevista na Lei Orgânica de Comunicação aprovada em 2013, como resultado de uma luta dos movimentos sociais, que estipula que 34% das frequências deveriam ser comunitárias. Da mesma forma, estabelece medidas para fomentar o seu desenvolvimento.

Infelizmente, essa lei nunca foi aplicada nem por Correa nem muito menos pelos governos que o sucederam, o que poderia ter possibilitado uma mudança estrutural no panorama midiático no país. Hoje segue havendo somente 6% de meios comunitários em rádio e menos em televisão.

A lei também prevê 33% de meios públicos, porém incluindo o conceito de meios governamentais, oficiais, que foram incrementados, mas muitos dependem da prioridade dada pela autoridade eleita. Assim, o sentido verdadeiro de um meio público autônomo fica evidentemente marginalizado.

Acredito que não corresponde à mídia apoiar este ou aquele candidato ou partido, mas facilitar a população o conhecimento de quem são, o que propõem e o que representam, questionar mais a fundo e não repetir o discurso promocional.

Me chama a atenção que os meios mais críticos não questionem a razão do ódio tão profundo ao correísmo expresso por toda a direita neoliberal. O que tanto lhes incomoda no governo de Correa, que os beneficiou com suas políticas? Tenho uma pista: o quanto afetou o sistema financeiro privado. [O presidente aprovou em 2012 a Lei de Redistribuição do Gasto Social, elevando os impostos dos bancos para repassá-los aos mais pobres].

Também faz falta nesta mídia a presença da abordagem sobre a integração regional. No caso da Unasul, pouco se informou de como lhes pode beneficiar a questão da cidadania sul-americana, os avanços e iniciativas comuns como a compra de medicamentos por melhores preços, o reconhecimento mútuo de títulos acadêmicos, o que facilitaria o estudo em outros países e outras medidas similares benéficas para a população.

A integração entre os povos é, há muito tempo, uma bandeira das organizações sociais da região, por isso chama a atenção que, quando a Unasul foi paralisada, não tenha havido nenhum protesto na região. [No dia em que o Brasil deveria assumir a presidência da União de Nações Sul-Americanas, o então presidente Jair Bolsonaro anunciou a retirada oficial da organização]. Isso indica que ainda não é um projeto plenamente assumido pela população e, para isso, a comunicação é chave.

Este é um desafio que assumimos, como componentes do Fórum da Comunicação pela Integração da Nossa América.

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