Ricardo Jorge Aravena Cerpa tinha 17 anos de idade quando foi preso em Valparaíso, dia 28 novembro de 1973, pela recém-instalada ditadura de Augusto Pinochet.
Líder estudantil na escola industrial e militante da Juventude Socialista de Valparaíso, foi detido em casa sob a acusação de ser militante infiltrado no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), ativista subversivo e instrutor de escolas de Guerrilha em Rancagua, uma comuna da província de Cachapoal, interior do Chile.
Pinochet havia tomado o palácio Monera em 11 de setembro daquele ano, após um golpe militar que provocou o suicídio do presidente Salvador Allende. A partir dali até 1990, o Chile viveu 17 anos de intenso terror, perseguição, sequestros e assassinatos.
Por Rafael Duarte, de Valparaíso-CHI, para o SaibaMais/ComunicaSul*
Uma das estratégias usadas pela ditadura de Pinochet para negar as violações aos Direitos Humanos era esconder os presos e levá-los para bem longe dos olhos da população e das organizações humanitárias internacionais.
Assim nasce o navio Lebu como centro de detenção e tortura.
A embarcação foi cedida pela inglesa Companhia Sudamericana de Vapores e recebeu, entre setembro e dezembro de 1973, aproximadamente 1.200 presos políticos chilenos. Poucos sobreviveram às sessões de interrogatórios e tortura nos porões do navio.
Alguns deles, como Ricardo Aravena, decidiram recriar em 2021 uma réplica do Lebu para que os chilenos não esqueçam do horror da ditadura.
– Isso funcionou desde os primeiros dias do golpe, 12 ou 13 de setembro, até o final de dezembro do mesmo ano. É uma casa flutuante transitória, na qual ocorreu tortura física e psicológica. Você não sabia se sairia vivo ou morto. Nos tiravam do barco pela madrugada e nos levavam a quartéis do Exército para interrogar-nos”, destacou o ex-preso político.
O protótipo do navio Lebu será exposto dia 11 de dezembro no Parque Cultural de Valparaíso. Na ocasião, será lançado também o livro “El Sinistro Barco Lebu”, com testemunhos de seis ex-presos políticos sobreviventes do centro de tortura. Além de Ricardo Aravena participam da obra Antônio Oyarzo, Luis Madariaga, Alvaro Vidal, Gilberto Hernandez e Patrício Carasco. Em 2022, o projeto chegará ao Museu da Memória e Direitos Humanos de Santiago.
A reportagem da Agência Saiba Mais/ComunicaSul conversou com Ricardo Aravena sobre os 18 dias em que ele foi mantido preso sob tortura no Lebu. Mulheres, mesmo grávidas, eram trancadas e mantidas em condições subhumanas:– Aqui está representado como nós estávamos, enclausurados no fundo, sem nenhum tipo de proteção. Fazíamos nossas necessidades dentro desses baldes. Aí dentro. Havia muito mal cheiro e todo esse tipo de coisa. Com uma corda, suspendiam o balde e atiravam ao mar. Nossas companheiras eram mantidas em ‘camarotes’, nos quais era possível ver como elas estavam. Havia muitas mulheres grávidas detidas.
Segundo o ex-preso político, as sessões de tortura pareciam intermináveis:– Olha, foi muita tortura física e psicológica. Ameaça de matar toda a sua família caso não dissesse o que queriam. Tortura física com corrente elétrica, porradas. Praticavam o chamado ‘submarino’, que era nos deixar com goteiras pingando na cabeça durante todo o dia e noite, para te enfraquecer e dizer o que eles queriam ouvir”, destacou.
Confira vídeo especial da Agência Saiba Mais/ComunicaSul com Ricardo Aravaneda:
*Esta reportagem integra o projeto Saiba Mais/ComunicaSul no Chile e está sendo financiada pela Intersindical, Sindicato dos Bancários do RN, Sicoob, Sintrajufe/RS, Centro de Mídia Barão de Itararé, Apeoesp Sudeste Centro, Sinjusc, Carta Maior, Hora do Povo, Diálogos do Sul, Agência Sindical e mais 136 pessoas que apoiaram individualmente esta cobertura colaborativa e acreditam no jornalismo independente.