Patrimônio da Espanha e da
Humanidade, Luis Eduardo Aute, renomado poeta, compositor, escultor, ator e
diretor de cinema nos deixou na manhã deste sábado aos 76 anos, em Madri,
vítima de um infarto

 

Leonardo Wexell Severo

 

Nascido em Manila, nas Filipinas, em 1943, foi para a
Espanha em 1954 onde sua vocação artística aflorou desde muito cedo. Debutou
como pintor aos 17 anos, quase ao mesmo tempo em que multiplicava aplausos como
“cantautor” na televisão espanhola no programa “Salto para a fama”.
Autor de músicas que se
converteram em verdadeiros hinos da época da transição espanhola à democracia,
como “Al alba” (O amanhecer) que tornou-se consagrada pela contundência na
denúncia contra as execuções realizadas pela ditadura do fascista Francisco
Franco. Conforme Aute, a composição feita para exaltar o amor e condenar a pena
de morte, se encheu de vida quando apresentada a Rosa León, que lhe disse
parecer contar a história de uma execução ao amanhecer. A canção ficou selada
definitivamente como protesto musicado em 1975, e tornada popular antes mesmo
que a gravasse, quando Rosa subiu ao palco e a dedicou aos patriotas
antifascistas que viriam a ser fuzilados. “Si te dijera amor mío, que temo a la
madrugada, no sé qué estrellas son estas que hieren como amenazas, ni sé qué
sangra la luna al filo de su guadaña, presiento que tras la noche, vendrá la
noche más larga, quiero que no me abandones, amor mío, al alba – Se te
contasse, meu amor, que temo a madrugada, não sei que estrelas são essas que
ferem como ameaças, nem sei que a lua sangra na borda de sua foice, pressinto
que após a noite, virá a noite mais longa, quero que não me abandones, meu
amor, ao amanhecer
”…
O legado é rico, candente e
emociona. São mais de 400 canções que exaltam o amor, a vida, a liberdade, a
esperança e a humanidade. A profundidade de “Alevosía” (Más que amor, lo que
siento por ti es el mal del animal, no la terquedad del jabalí, ni la furia del
chacal, es el alma que se encela con instinto criminal, es amar, hasta que
duela, como un golpe de puñal – Mais do que amor, o que sinto por ti é o mal
do animal, não a teimosia do javali, nem a fúria do chacal, é a alma que se
enche de instinto criminoso, é amar, até doer, como um golpe de punhal
), a
ternura de “Sin tu latido” (Ay, amor mío, qué terriblemente absurdo es estar
vivo, Sin alma de tu cuerpo sin tu latido, sin tu latido – Oh, meu amor,
como é terrivelmente absurdo estar vivo, sem a alma do seu corpo sem o palpitar
do teu coração
) ou a terna recordação de “Las cuatro y diez” (Fue en ese
cine, ¿te acuerdas?, en una mañana al este de Edén, James Dean tiraba piedras a
una casa blanca, entonces te besé – Foi naquele cinema, lembras?, numa manhã
a leste do Éden, James Dean jogava pedras em uma casa branca, então eu te
beijei
). Ou a evocação à consciência social e política humanista de “Rosas
en el mar” (Voy pidiendo libertad y no quería oír. Es una necesidad para poder
vivir. La libertad, la libertad, derecho de la humanidad. Es más fácil
encontrar rosas en el mar – Vou pedindo liberdade e não queria ouvir. É uma
necessidade para poder viver. Liberdade, liberdade, direito da humanidade. É
mais fácil encontrar rosas no mar
.)
Expôs pela primeira vez na
Galeria Alcón, da capital espanhola, em 1960, e teve trabalhos que cativaram
renomadas feiras internacionais como a Bienal de Paris (1964), de São Paulo
(1967), ou de Arte Contemporânea, a ARCO de Madri, em várias de suas edições.
SUPERPRODUÇÃO
Ao todo tem 30 álbuns
publicados, tendo recebido o Prêmio Nacional do Disco do Ministério da Cultura
da Espanha, em 1983, com o seu duplo “Entre Amigos”, no qual lhe acompanham Teddy
Bautista, Joan Manuel Serrat e os cubanos Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Em 1984 grava o disco duplo “20
canciones de amor y un poema desesperado”, que rende homenagem ao chileno Pablo
Neruda. Cada disco termina com um poema recitado, acompanhado pela guitarra de
Paco de Lucía.
Em parceria com Silvio, em 1993, grava na Plaza de los
Toros de Madri o magistral “Mano a Mano”. Após cinco anos de trabalho, em 2001,
concluiu o seu longa-metragem “Un perro llamado dolor” (Um cão chamado dor),
projeto de animação para o qual fez mais de quatro mil desenhos a lápis.
Seus primeiros intercâmbios
musicais com os integrantes da Nova Trova cubana, particularmente com Silvio e
Pablo, ocorreram a partir de amigos comuns que iam e vinham entre a Ilha e a
Espanha. Aute dizia que desde que escutou as canções de Silvio e Pablo sentiu
ter encontrado neles irmãos, com quem se viu totalmente identificado. Este foi
um dos fatores que o levou a passar um período de recuperação do infarto em
Cuba, sempre cuidado pela família.
Como dizia o artista,
“não é poeta quem escreve poemas, mas quem utiliza qualquer meio de
expressão e é capaz de ir um pouco além do espelho, de construir um olhar
diferente, um ‘desestatus quo’, provocar a sensação de que te tiram o
céu”.
Aute sobrevivia sem computador
e sem celular, e dedicava sua vida à amizade, tendo se distanciado dos palcos
após o duplo infarto sofrido em agosto de 2016, que o manteve dois meses em
coma. Defendia que uma obra é de arte quando e enquanto seja capaz de tocar uma
dimensão “inesperada e mágica”, o que fazia o artista ser sobretudo um mago,
mais do que qualquer coisa.
Perdemos um mago.


 
 

 

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