Daniel Cassol
de Caracas,
Venezuela

Na última semana da disputada corrida presidencial na Venezuela, os prognósticos sobre o resultado que sairá das urnas no próximo domingo (7) são os mais variados possíveis. No entanto, a maioria das opiniões parece convergir em um sentido: a diferença entre o presidente Hugo Chávez, provável vencedor, e o principal candidato de oposição, Henrique Capriles, será apertada.

Embora avalie como cenário mais provável a vitória de Chávez, o sociólogo brasileiro Felippe Ramos, pesquisador da missão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na Venezuela, percebe um crescimento importante na candidatura de Capriles, herdeiro de um grupo empresarial que logo cedo foi alçado à política – com 28 anos, era presidente da antiga Câmara de Deputados. Este crescimento tem a ver com uma mudança de tática por parte da direita venezuelana e por problemas não solucionados pelo próprio governo Chávez, que elevaram o interesse da classe média em votar na oposição.

Nesta entrevista, Ramos, que é mestre em sociologia política pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mora há quatro meses em Caracas, analisa o passado recente que precede a eleição do próximo domingo e as causas que levaram Capriles a representar uma certa ameaça ao projeto de Chávez, que se propôs, no longínquo 1992, a levar adiante um projeto histórico de 20 anos para transformar por completo a estrutura do Estado venezuelano.

“Chávez sabe do desgaste do chavismo, sabe que não conseguiu ampliar a base de apoio mas que, uma vez mudada a estrutura, a Venezuela já será outra”, afirma Ramos. Por outro lado, analisando as perspectivas de uma eventual vitória de Capriles, demonstra que parte dessas transformações já foi consolidada.

Qual é o cenário na Venezuela, em termos de resultados possíveis, a menos de uma semana para a eleição?

Precisamos analisar que estamos vivendo em 2012 um momento de baixa relativa do chavismo. Vivemos o melhor momento da oposição e o pior momento do governo. Nessa conjuntura, o resultado é inesperado. A oposição se convenceu que o caminho tem de ser o institucional, uma vez que cometeu erros desde o golpe de 2002 até o boicote às eleições parlamentares de 2005. Outros partidos foram se criando, como o Primero Justicia, de Capriles, e se recuperou espaços de participação política, dentro da própria Assembleia Nacional. Por outro lado, de 2010 para cá é o momento em que o chavismo não foi bem em termos eleitorais e de governança, até que lança a “Misión Vivienda”, o “Minha Casa Minha Vida” da Venezuela, e dá um salto de apoio. Se não fosse esse programa, eu diria que as coisas estariam mais complicadas. Mas esse programa, com um ano e pouco de grandes obras e entrega de casas semanalmente, deu uma sobrevida forte ao chavismo. A oposição vem de uma articulação muito forte, enquanto o governo enfrenta problemas políticos, econômicos, de falta de eficiência na gestão do petróleo. Em 2006, não havia dúvidas de que Chávez ganharia as eleições. Hoje, há incertezas. As pesquisas de intenção de voto apontam um pouco para isso: uma subida de Capriles, mesmo que Chávez tenha se mantido à frente.

O instituto Datanalisis fala em 11% de eleitores que não declararam voto.

Aí entram os “ni-nis”, os eleitores que supostamente não são de um lado nem de outro, que é uma parte da classe média. Os chavistas são chavistas: 40% da população é fechada com Chávez, se beneficia com as mudanças e apoia fortemente a revolução bolivariana. O chavismo pode crescer mais dez pontos ainda no funcionalismo público, que nem todo está com o Chávez. Esses setores não vinham votando, mas podem agora abrir o voto.

Essa disposição de eleitores contrários a Chávez irem votar tem a ver com essa reconfiguração da oposição na Venezuela?

Tem a ver com o processo de reconfiguração da oposição, com a possibilidade de vitória e com a mudança tática de dizer que não haverá caça às bruxas nem desmonte nas políticas sociais e na estrutura do Estado, em caso de vitória de Capriles. Isso agrega a população que não é antichavista, mas está cansada do processo bolivariano. O risco são os “ni-nis”, que não são chavistas, mas que não iriam votar. Se essas pessoas forem às urnas, pode ser perigoso para o Chávez.

Como se deu essa reorganização da oposição venezuelana?

Temos que partir da leitura de que Chávez nunca teve hegemonia. Ele tem maioria, e com isso pôde impulsionar algumas mudanças profundas. Mas a oposição sempre existiu de modo latente, ao ponto de articular um golpe de Estado e tentar tirar o presidente do país. O que havia era uma desarticulação da direita. Os dois partidos tradicionais, a AD e o Copei, se desarticularam, e Chávez surgiu como fruto da crise. Quando Chávez foi eleito a primeira vez, foi apoiado fortemente pela classe média e inclusive por militares, porque vinham no Chávez um militarista. E naquele momento o discurso do Chávez não era socialista, mas bolivarianista, que é histórico na Venezuela e apropriado pela esquerda e pela direita. O primeiro plano socialista de Chávez é de 2005. Aí muda a base eleitoral do Chávez, a classe média se afasta e o Chávez agrega os setores populares, não pelo discurso socialista, mas pelas políticas sociais. A direita sempre existiu, mas estava desarticulada e teve táticas equivocadas. Mas a Venezuela tem uma sociedade complexa, muito próxima da brasileira, com uma classe média forte. O chavismo tinha uma maioria, mas não teve hegemonia no sentido de liderar o processo. Quando a direita desiste das táticas golpistas e abstencionistas, começa a atuar entendendo que é minoria e articulando-se pouco a pouco. Hoje a oposição volta a se articular, há uma pluralidade de partidos. O chavismo não é como se vê, pela direita ou pela esquerda, essa coisa que domina toda a Venezuela.

Em linhas gerais, quais são os principais problemas enfrentados no governo Chávez?

Há uma questão mais estratégica e estrutural, que é um aprofundamento negativo de uma polarização social. Parte da classe média, que votou no Chávez em 1998 e em 2000, saiu da base chavista, principalmente a partir de 2007, com a tentativa de mudança constitucional e com os conflitos na Universidade Central da Venezuela. Houve um equívoco estratégico do governo, que perdeu apoio. No Brasil, cujo processo político é distinto, houve ampliação paulatina do apoio. Na Venezuela, mesmo com o processo de mudança profundo e com os altos recursos do petróleo, ocorreu o contrário. O governo não conseguiu ampliar sua base de apoio eleitoral: o que se vê é uma manutenção com possibilidade de uma pequena redução. A periferia e os setores mais pobres estão com Chávez, há um processo de mudança estrutural, de empoderamento e protagonismo destes setores, mas que não consegue agregar outros e ainda perde um certo apoio da classe média. Outro ponto é mais conjuntural, como a questão da incompetência e do voluntarismo. A PDVSA passa a funcionar como um superministério, uma empresa que pega seus excedentes e investe socialmente. Ela não investe, por exemplo, no aprofundamento tecnológico e no aumento da eficiência produtiva. A Venezuela tem hoje as maiores reservas de petróleo certificadas do mundo, mas apesar disso tem uma produção aquém do que poderia. Além do desperdício de recursos em iniciativas que não deram certo. Das empresas de propriedade social, cerca de 90% fecharam. Projetos de agricultura e piscicultura urbana não deram certo também. O que vem dando certo, por exemplo, são os conselhos comunais, no sentido do protagonismo das populações. No sentido político, a grande conquista do governo Chávez é a mudança na dinâmica das classes sociais. Mesmo que o chavismo venha a perder, o novo presidente poderia mexer em programas, mas o que não dá para desfazer é um protagonismo que existe nas periferias, de organização política, de capacidade de voz e de influenciar nos processos.

O que uma vitória de Capriles representaria em termos de retrocesso?

O Capriles vai tentar, primeiro, ajustar as contas. Tendo o Estado com recursos, o petróleo ainda em preço alto, não acredito que vá desfazer os projetos sociais. Poderá tirar a lógica esquerdista dos projetos, mas não irá desfazer, por exemplo, um programa como a Misión Vivienda. Além disso, Capriles sabe que, no ambiente político polarizado da Venezuela, ele lida com grandes interesses, inclusive os brasileiros. O Brasil acabou de colocar a Venezuela no Mercosul. Capriles afirmou que tiraria a Venezuela do Mercosul, mas isso seria um custo político muito grande. Ele precisa dessa legitimação internacional.

Fala-se que Chávez é extremamente centralizador. Porém, ao mesmo tempo, há uma forte participação popular na condução de políticas públicas. Este processo corre risco com Capriles?

Existe a centralização na figura do Chávez, mas existe uma descentralização na base. Apesar de parecerem coisas contraditórias, são complementares. Chávez consegue fazer essa centralização no nível mais alto do Estado porque descentraliza na base. Hoje, os conselhos comunais estão na Constituição, o Estado deve repassar recursos. Existe uma nova estrutura do Estado, com outras formas de organização constitucionais. Isso pode ser jogado politicamente, mas acho que a política do Capriles seria mais no sentido da cooptação, provocando uma disputa nas periferias. Creio que o Capriles evitaria uma desestruturação do Estado, porque isso tornaria o Estado ingovernável para ele. Não veríamos uma nova constituinte, ou algo do tipo. Veríamos um processo de jogo político no qual ele tentaria trazer essa estrutura para ele. Mas, de fato, os atores estão empoderados na forma de organizações. Há partidos políticos na periferia. Essa é uma mudança estrutural e esses atores continuarão participando do processo político.

Por outro lado, temas como a reforma agrária seriam completamente abandonados.

Sim. Aí seria uma mudança drástica, porque o Capriles fala muito na questão da propriedade. Tanto a reforma agrária como a reforma urbana, que o Chávez tem impulsionado bastante. Em Caracas, há várias ocupações urbanas em prédios abandonados, e o governo dá total apoio. Com Capriles, duas leis que poderiam ser mudadas é a Lei de Terras e a Lei do Inquilinato, que beneficia tanto o inquilino que os proprietários evitam alugar os apartamentos.

No cenário mais provável, que é a vitória de Chávez, como Chávez deve conduzir a nova etapa do governo?

Se o Chávez governar por seis anos, é preciso ver até onde tentaria agregar novos atores. Eu acredito que ele deve fazer justamente o contrário, que é aprofundar o processo. Inclusive, faz parte do discurso dele dizer que, cada vez que a burguesia o ataca, ele aprofunda o processo bolivariano. Em 1992, quando ele escreve o “Livro Azul”, ele dizia que o projeto histórico é de 20 anos. Ou seja, com 20 anos no poder, ele conseguiria mudar a estrutura da Venezuela. Se Chávez ganha as eleições agora, ficará no poder exatamente 20 anos. Esse “Livro Azul” hoje é muito próximo do atual programa de governo do Chávez. É como que o Chávez estivesse vendo que agora é tudo ou nada, é o momento de chegar na fase final do que ele colocava como objetivo histórico, e que agora é a última vez. Ele sabe do desgaste do chavismo, sabe que não conseguiu ampliar a base de apoio mas que, uma vez mudada a estrutura, a Venezuela já será outra.

O que se sabe sobre o estado de saúde de Chávez?

É uma incógnita. O governo evita ao máximo o vazamento de informações. É algo delicado, porque uma questão que define todo o processo é a figura do Chávez. Sabe-se que Chávez se recuperou, se não, não poderia fazer a campanha, mas continua em tratamento. Ele conseguiu se recuperar ao ponto de poder participar das eleições, mas não do modo como fez nas outras eleições. Em termos de governar seis anos, é uma incógnita.

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