Apesar da aposta de que com a morte do presidente Hugo Chávez a Revolução Bolivariana teria seus dias contados, o que se vê na Venezuela é um forte apoio popular aos projetos iniciados em 1998. Tanto que Henrique Capriles só conseguiu obter 48,97%% dos votos porque incorporou boa parte da retórica chavista, inclusive defendendo o comandante morto. Em entrevista ao Comunicasul, o fundador da TeleSur, Aram Aharorian, avalia os caminhos do Socialismo do Século 21.
Por Vanessa Silva, de Caracas
Aram Aharoniram avalia situação na Venezuela e critica
cobertura feita pela imprensa/ Foto: Vanesa Silva
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Os eventuais chavistas que votaram por Capriles não querem mudanças bruscas na política venezuelana, mas a correção de problemas que inclusive já foram detectados pelo governo, avalia Aram. A respeito da polarização existente no país, ele observa que “os chavistas vão sair para defender a Revolução. Não por Maduro, mas pela própria Revolução, que é maior que ele. Maduro é um peão da Revolução, que é do povo”.
O Jornalista e professor uruguaio-venezuelano reitera que “a direita não está acostumada a não ter o poder. O mesmo acontece no Brasil, na Argentina e em muitos países latino-americanos. Por isso desestabilizam nossos países. Até que não entendamos que a democratização de nossos países e povos começa com a democratização da comunicação, não teremos sociedades mais justas”.
No começo da semana, tivemos alguns atos de violência no país que resultaram em oito mortos e dezenas de chavistas feridos. Como vê os feitos da oposição e o que pode acontecer a partir de agora?
Isso não é novidade, é algo repetido que nos faz pensar no que ocorreu em 2002. É o mesmo tema e tem os mesmos ingredientes, mas em um contexto latino-americano diferente. É um golpe mediático onde se cria, através dos meios hegemônicos, uma ideia de crise e caos no país. Há alguma violência sim, mas não chega a ser uma guerra civil como alguns meios estão divulgando. Aqui tudo funciona normalmente. Queriam criar o mesmo esquema de 2002, mas a rápida resposta da institucionalidade latino-americana impediu isso. Os Estados Unidos não reconheceram Maduro como presidente e neste caso não importa se o presidente é [George W.] Bush ou Barack Obama. O que querem é criar um imaginário de que neste país há descontrole e que é necessária uma intervenção internacional para consertar coisas que os venezuelanos não conseguem resolver entre si.
Tentam, pelas formas legais ou não, por qualquer caminho, retroceder. Mas isso não vai ocorrer porque esta é uma sociedade que desde 1998 deixou de ser um quintal dos Estados Unidos. Os atos de vandalismo são um problema de ordem pública e não uma guerra civil. Além disso, não houve fratura nas forças armadas, nem entre os deputados do chavismo, que era uma das apostas que fazia a oposição.
Qual é o maior desafio que a Venezuela terá de agora em diante?
Primeiro acho que tem que ver como se democratiza o poder dentro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e como se institucionaliza o poder comunal para que se faça real o poder popular no governo, que é uma coisa que está dentro do programa Socialista para a Nação 2013-2019. Chávez colocou o cimento da construção do socialismo, agora é preciso construir o edifício. Temos a tarefa da construção do socialismo, porque aqui ainda não temos uma sociedade socialista, mas a estamos construindo. E como é uma construção, pode ser que fiquemos no meio do caminho e por isso é preciso trabalhar muito. Uma sociedade socialista não se constrói com consignas, mas com trabalho, com ação, com ideias claras, muito trabalho, sem burocracia, sem corrupção e com muita eficiência.
Mas a preocupação não é só com temas internos. Estamos passando por uma crise financeira, e Chávez tinha uma coisa especial que era sua capacidade de buscar saída por todos os lados, sem seguir receitas do FMI ou Banco Mundial. Vamos ver como fica isso.
Como avalia o discurso e a posição de Maduro desde a morte de Chávez?
Creio que há uma comoção muito grande nos discursos políticos, mas também uma banalização da política com shows, espetáculos. Começaram a se basear na figura estereotipada de Chávez e em uma quantidade de fatos passados, ao invés de falar do futuro, como fez Capriles, que recorreu a Chávez e atacou Maduro. Maduro se refugiou em Chávez, mas perdeu a oportunidade de poder mostrar uma noção de futuro e não só nostalgia e desejo de volta ao passado.
Maduro terá amplo apoio popular?
Nesta campanha falaram muito sobre o passado e pouco sobre o futuro. Há uma série de erros neste processo e as pessoas captaram isso: ‘sou chavista, mas não estou de acordo com determinadas coisas’. Por isso não posso dizer que essas pessoas sairão para atentar contra o governo de Maduro.
Aqui há um verso que se propagou em 2002 que diz que foi o exército que recolocou Chávez no poder, quando na verdade foi o povo nas ruas. As forças armadas se moveram depois que o povo exigiu a volta de Chávez com um heroísmo que não vi em outros lugares. Com a constituição nas mãos, saíram a reclamar a volta do presidente. Não com armas, mas com a Constituição. De fato há um povo que está ativo, não importa se votou ou não por Maduro. Há um povo que não vai permitir nenhum tipo de golpe porque é capaz de sair às ruas para reclamar o que lhes pertence.
Estes chavistas que eventualmente votaram em Capriles não sairão às ruas contra Maduro. E os que votaram em Capriles também não porque nenhum venezuelano quer reviver 2002. Mas os chavistas vão sair para defender a revolução. Não por Maduro, mas pela Revolução, que é maior que Maduro. Ele é um peão da Revolução. A Revolução é do povo. O triunfo maior de Chávez foi ter transformado o cidadão comum, que deixou de ser objeto de política para ser o sujeito da política. A politização do povo venezuelano, que é a favor ou contra Chávez, não tem parâmetro na América Latina. Este acesso do povo à possibilidade de discutir um tema, participar do que acontece no país, é um dos triunfos maiores da revolução bolivariana. Aqui, as grandes populações passaram a ser sujeitas e já não está tudo nas mãos de pequenas burguesias. Isso é dar poder aos povos. Poder, igualdade e condições aos pobres.
Chávez formulou o Plano Pátria Socialista 2013-2019. Como este programa define as diretrizes da construção do socialismo?
O plano é o caminho, o cimento. Não podemos acreditar, por exemplo, que decretar o ministério da comuna significa o fim do caminho e não seu começo. Digo este caso concreto, mas poderia ser qualquer outro. Depois de 500 anos tendo a mente colonizada, entendemos que terminou a etapa da resistência e começou a da construção de uma nova sociedade, de novos caminhos. Uma etapa de olhar nosso futuro com a convicção de que não é um futuro isolado, brasileiro, uruguaio, mas o futuro de nossa América. Mesmo presidentes que não são de esquerda, mas de centro, de direita, têm o mesmo discurso que nós sobre a integração. Não há soluções individuais: ou saímos todos juntos, ou não sairá ninguém.
E como avalia a cobertura da mídia?
Há um grande desconhecimento sobre o que é a realidade venezuelana. Há uma necessidade de sensacionalismo. Uma grande quantidade de gente que vem para cá com a pauta pronta. Assim que a imprensa se move: criam uma realidade virtual que não tem nada a ver com a realidade. Penso que o problema é a falta de seriedade e de ética dos jornalistas, que não se preocupam com o que acontece realmente. Ou então, creem que todos os países são iguais.
“A direita não está acostumada a não ter o poder. O mesmo acontece no Brasil, na Argentina e em muitos países latino-americanos. Por isso desestabilizam nossos países. Até que não entendamos que a democratização de nossos países e povos começa com a democratização da comunicação, não teremos sociedades mais justas”. A democratização da comunicação é básica para manter sociedades informadas que possam ter acesso a todas as informações e poder expressar-se sem pressões sobre seu próprio futuro.
Como avalia o papel do Brasil em relação a Venezuela?
Para o Brasil, a Venezuela é um sócio necessário. Primeiro porque há uma grande expansão de suas empresas na construção da infraestrutura da Venezuela. Desde o primeiro governo de Lula há um acordo para uma construção de uma integração sem tutelas. O Brasil é um país locomotor por ser grande e forte. Ninguém duvida disso, mas há as pressões que isso demanda. Os venezuelanos têm um carinho muito grande para com os brasileiros. Quando tem jogo, todos torcem para o Brasil, colocam camisa da seleção… Hoje já temos nossa própria seleção, a Vinho Tinto, mas não há rivalidade. E vejo que a reação do Brasil tem sido rápida, sem ingerências internas.
Houve muito trabalho dos brasileiros para a entrada da Venezuela no Mercosul. Há um entendimento de que se o vizinho crescer não será contra nós, mas a favor. E temos resgatado um termo que o neoliberalismo havia matado, que é solidariedade. Dizemos que somos latino-americanos, mas não sabemos como definir isso. Então ficamos com os estereótipos da direita. Nós, para o resto do mundo não existimos. Só quando acontece uma desgraça. Por isso é preciso ter uma comunicação diferente, feita com nossos próprios olhos que visibilize grande parte da população oculta nesses 500 anos.
Precisamos de meios que deem uma imagem para este mundo plural que é a América Latina e ajude a construir este imaginário coletivo do que é um latino-americano que é um ser solidário, orgulhoso do que é: negro, índio, mulato, branco, chinês, japonês. Esta diversidade étnica, cultural. Cada um pode guardar sua identidade e definir junto para onde vai o ser latino-americano. Esta tarefa de definir quem somos os latino-americanos ainda está pendente.