“Na Venezuela tivemos a sorte de que o aviso popular não
foi acompanhado de uma derrota eleitoral”

Considerado um dos maiores intelectuais da Venezuela, o escritor, ensaísta, dramaturgo e pintor, Luiz Britto García, é um dos maiores pensadores do país. Em entrevista ao ComunicaSul, o escritor nega que morte de Hugo Chávez represente o fim do chavismo, ressalta a importância da vitória de Nicolás Maduro e diz ser necessário refletir sobre os motivos que levaram ao crescimento da oposição no país.

Por Vanessa Silva, de Caracas

Diante da ofensiva realizada pela direita na Venezuela, que tem usado violência para questionar o resultado eleitoral de 14 de abril, sua teoria é de que “é do pacto entre o grande capital financeiro, bastião da direita, e o poder do Estado que surge o fascismo e a classe média aterrorizada, sem expectativa, é o caldo de cultura desta ideologia (…) porque a enganam dizendo que vão proletarizá-la; e por ínfima que seja a classe média, sua única satisfação é estar um pouquinho acima do proletariado e isso provoca um pânico inconcebível porque pensam que o ser depende do ter e não do que se é. Estes fatores explosivos e incentivados por uma propaganda que incita o terror, sobre a insegurança, que se baseia em pesquisas equivocadas sobre a quantidade de vítimas violentas, resulta em uma mescla explosiva que leva a esta loucura”, definiu, durante encontro de intelectuais com o presidente Nicolás Maduro.

Ao ComunicaSul, García avalia que a direita pode estar cometendo um suicídio político ao não reconhecer o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Confira:

ComunicaSul: Como avalia a situação atual da Venezuela? Luiz Britto García: Em primeiro lugar quero ressaltar que foi uma vitória bolivariana apertada, mas contundente. A oposição se nega a admitir resultados que os favorece muito, já que revelam um crescimento de mais de 700 mil votos. Em todo caso, o sistema venezuelano tem sido qualificado quiçá como o melhor do mundo pelo ex-presidente [dos Estados Unidos] Jimmy Carter. Além disso, o processo foi acompanhado por uma centena de observadores internacionais que não encontraram nenhum defeito.

Agora tem que se perguntar: se a direita insiste em desconhecer o CNE, como irão concorrer às próximas eleições? Eles teriam que se declarar fora do jogo político. A direita fez isso na Venezuela e foi fatal. Retirou-se das eleições e não elegeu nenhum deputado na Assembleia Nacional, que teve maioria de 100% de esquerda. Se eles querem cometer de novo este suicídio político, é seu direito, mas não é sensato, nem recomendável.

No Brasil, os jornais tradicionais dizem é o fim do chavismo… Não. Quem certifica isso é a própria direita. O que fez Capriles Radonski para aparecer em público? Se apresentou com o boné, os símbolos do bolivarianismo. Prometeu que iria continuar com as missões, que são símbolos do bolivarianismo. Então ele mimetizou na medida do possível a linguagem do adversário. Agora, se o chavismo tivesse acabado, por que a direita teria tanta paixão por copiá-lo?

Eu creio que há uma situação conjuntural por uma desvalorização da economia capitalista, que provocou uma série de desabastecimentos, acaparamentos de produtos essenciais e isso provocou um grande surto e lamentavelmente, não foram tomadas sanções oportunas a tempo. Bom… eu acho que isso tem relação com a margem dos votos.

A Revolução Bolivariana tem muitas conquistas e também falhas. Crê que esta mudança do eleitorado tem relação com estas debilidades? Evidentemente. Mesmo as autoridades dizem: houve problemas de burocracia, de ineficiência que o próprio Chávez denunciou e tentou combater, mas às vezes estas coisas não são corrigidas tão facilmente. Mas esta mudança no padrão eleitoral evidentemente é um aviso e creio que é muito saudável, porque a revolução sandinista perdeu as eleições quando esperava ganhá-las e foi um longo processo de mais de dez anos para recuperar o poder. Aqui tivermos a sorte de que o aviso não foi acompanhado pela derrota eleitoral. Teremos tempo para corrigir, melhorar, reparar estas falhas.

Três anos até o pedido de referendo revogatório, que a oposição poderá fazer, somada à questão econômica, à inflação… serão suficientes para que Maduro reconquiste estes votos? Sim, esperamos que sim. Em todo caso, a situação econômica da Venezuela é infinitamente melhor do que a de outros tantos países. A Venezuela tem o menor índice de desigualdade social da América Latina e o salário mínimo mais alto. Recuperou o salário mínimo dos trabalhadores, deu aposentadoria para os idosos. Um em cada três venezuelanos está estudando e a maioria deles em escolas gratuitas. Então não creio que o povo queira perder estas conquistas.

Em poucas horas houve um exemplo do que seria um governo da direita, que começou a destruir hospitais, mercados onde são vendidos produtos a preços solidários [mercais], destruir sedes partidárias. Então isso mostra que [em um possível governo] não haverá liberdade política. É uma pequena prova do que poderia ser um governo da direita.

Qual foi o papel desempenhado pelos meios de comunicação nestes últimos dias? A Venezuela tem uma centena de jornais, mais de uma centena de televisões, milhares de rádios e todos são abertamente contra o processo. Até 2004, [o governo] contou com apenas uma TV e uma rádio nacional e de pequeno alcance. Desde então se criou seis televisões públicas, rádios e um grande setor de emissora de meios de comunicação alternativos e comunitários. Mas segue havendo uma minoria favorável ao processo.

Foi feito um estudo dos meios de comunicação nos tempos do golpe [2002]. A pesquisa foi feita por um comunicador direitista. Ele provou que somente em dois jornais houve algum tipo de equilíbrio na cobertura. Isso mostra que o que o processo tem a seu favor é a mensagem: da igualdade contra a desigualdade social, da inclusão contra a mensagem racista da direita, do nacionalismo contra a desnacionalização, imperialista.

Eu penso que o extraordinário êxito da revolução bolivariana se deve a seu próprio conteúdo, porque estabeleceu uma hegemonia comunicacional com poucos meios de comunicação. Hoje, não seria tão fácil outro golpe midiático na Venezuela.

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