Retomada do patrimônio público estatal possibilita injeção de recursos no desenvolvimento soberano do país
Leonardo Wexell Severo, de La Paz

Partimos de São Paulo no Boeing 737 da Boliviana de Aviación (BOA) rumo a La Paz, acompanhados pelo colorido da Wipala, a bandeira quadrada de sete cores, convertida em símbolo pátrio do país andino após a promulgação fa Constituição de 2009. Metáfora da autoestima resgatada pelos avanços obtidos pelo governo de Evo Morales, o estandarte secular da “unidade, igualdade, organização e harmonia”, convida à compreensão sobre o processo de conversão destes valores em prática de governo.
Estruturada para democratizar o transporte aéreo na Bolívia”, a BOA – cuja participação no mercado doméstico é de 60% – já conta com voos internacionais para Madri e Buenos Aires, além das principais ciudades do país, transformando a lógica do lucro a qualquer preço das companhias aéreas privadas em melhorias para todos.
Na chegada, pudemos testemunhar o êxito da nacionalização dos Serviços de Aeroportos Bolivianos S.A. (Sabsa), filial das espanholas Abertis e Aena, que administravam os três maiores aeroportos do país: o de El Alto, vizinho à capital, o de Cochabamba (Jorge Wisteman) e o de Santa Cruz (Viru-Viru).

Com patrimônio avaliado em 430 milhões de dólares, denuncia o governo, “a Sabsa detinha desde 1997 um contrato de concessão/privatização da administração dos aeroportos” cujas obrigações vinham sendo solenemente ignoradas. Enquanto a multinacional recebeu de ingressos 282 milhões de dólares no período 1997-2012 (17,6 milhões anuais), os investimentos no período somaram apenas 10 milhões de dólares (600 mil anuais). Com isso, ao mesmo tempo em que ampliava a remessa de lucros para a Espanha, seu gerente geral embolsava 37 mil dólares a título de “salário mensal e gastos pessoais”, e altos executivos recebiam bônus milionários no mesmo patamar dos salários. Nacionalizada no dia 18 de fevereiro do ano passado, a Sabsa aportará ao país 73,6 milhões de dólares no período 2013-2014 (36,8 milhões anuais), com um investimento de 14,1 milhão (7,05 milhões anuais).

Na avaliação do pesquisador e professor universitário Hugo Moldiz, “Evo está demonstrando que o Estado, dirigido por forças revolucionárias e conduzido com honestidade, é capaz de administrar eficientemente o bem comum”. “O Estado, desta maneira, não fica submisso às forças cegas da economia de mercado, que na realidade são um mito, pois o que fazem é submeter-se a empresas transnacionais em um modelo neoliberal”, frisou.
Sociólogo Porfírio Cochi, dirigente comunitário de El Alto

“Os recursos da nacionalização vêm sendo investidos no desenvolvimento de aeroportos de pequenas e médias cidades turísticas, como Uyuni – onde está localizado o deserto com o magnífico salar – e Apolo – região indígena da Amazônia, além das principais capitais dos estados”, explicou o sociólogo Porfírio Cochi. 

Dirigente comunitário de El Alto, onde liderou inúmeras manifestações em defesa da soberania nacional e dos direitos indígenas, Porfírio recorda que “se antes da Assembleia Constituinte, os setores estratégicos da economia estavam em mãos privadas, fundamentalmente estrangeiras, como a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia, os aeroportos, as ferrovias, a Empresa Nacional de Telecomunicações (ENTEL) e a Empresa Nacional de Eletricidade (ENDE), hoje elas foram retomadas para o usufruto de todos”. Com a inversão da lógica entreguista, lembra o sociólogo, a nacionalização dos hidrocarbonetos permitiu que 85% dos recursos do petróleo e gás agora sejam dirigidos ao desenvolvimento interno e não mais para enriquecer o estrangeiro.
Milton Bonifaz: avançamos muito
Resultado desses avanços, relata Porfírio, temos importantes programas sociais como o Bônus Juancito Pinto, que é um incentivo à permanência das crianças no sistema educativo formal; o Renda Dignidade, que garante melhor qualidade de vida aos aposentados; e o Juana Azurduy, para mulheres jovens grávidas, entre outros programas e projetos de incentivo ao Primeiro Emprego e à construção de moradias. “Para o caso específico da Entel, ampliamos a cobertura a todo o país a partir da instalação de inúmeras antenas repetidoras e a compra do satélite Tupak Katari. A área rural agora está integrada ao país”, sublinha.

Estudantes de contabilidade da Universidade Salesiana, Vladimir Saire e Milton Bonifaz creem que o principal avanço obtido com o governo Evo Morales é o resgate da autoestima. “Antes o que valia era o sobrenome, se eras indígena ou não. Esse preconceito, que iniciava pela estatura, afastava as pessoas das escolas militares, do serviço público e obviamente, da política. Antes as mulheres não tinham espaço, não podiam vestir seus trajes típicos e ser deputadas ou senadoras”, disse Milton. Para Vladimir, “a Bolívia está mudando para melhor, pois hoje há possibilidades que foram negadas às gerações anteriores”.

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