César Navarro quer aprofundar desenvolvimento e lamenta que opositores tentem ‘usurpar’ as vitórias populares; país vais às urnas no domingo (12). “A nacionalização, como diz Evo Morales, é a refundação econômica do Estado, e a Constituinte, a refundação política”, afirmou o ministro de Minas e Metalurgia, em entrevista ao ComunicaSul, nesta terça-feira (7).
Por Felipe Bianchi e Leonardo Severo, de La Paz
Segundo o ministro, a nacionalização dos hidrocarbonetos foi uma verdadeira “interpelação ao neoliberalismo”, que organiza o eixo econômico e coloca o Estado como fator determinante no desenvolvimento soberano. O ministro destacou o protagonismo dos camponeses, dos produtores cocaleros e das juntas comunitárias urbanas no enfrentamento à lógica privatista em prol das transnacionais.
“O processo de mudanças na Bolívia tem dois eixos siameses: a Assembleia Nacional Constituinte e a nacionalização dos recursos naturais. São os pontos vitais que marcam a ruptura política com o neoliberalismo e abriram caminho ao projeto de caráter estatal”, ressaltou, lembrando que estes são os dois primeiros pontos que Evo propôs em seu plano de governo, em 2005.
“A primeira medida que toma Evo, em fevereiro de 2006, é a convocatória da eleição para a instalação da Assembleia Nacional Constituinte e, em primeiro de maio de 2006, a nacionalização dos hidrocarbonetos”, explica.
Antes, a proporção de divisão dos recursos naturais era de 85% para as empresas estrangeiras e 15% para o Estado. A nacionalização inverteu essa lógica e possibilitou a renegociação dos valores, injetando poderosos recursos no desenvolvimento do país. “As reservas internacionais eram de aproximadamente 1,5 bilhão de dólares e tínhamos um PIB que não chegava aos 10 bilhões. Hoje, as reservas internacionais são de cerca de 15 bilhões e o PIB atinge 34 bilhões. Isso demonstra que a participação do Estado criou uma dinâmica econômica que hoje responde por quase 35% da atividade econômica na Bolívia”.
Essa participação econômica expressiva, explica o ministro, propicia um “passo substantivo rumo à industrialização dos hidrocarbonetos”. “Recuperamos nossas empresas de telecomunicações, que hoje chega aos 340 municípios de todo o país. Portanto, hoje a comunicação não é um privilégio, e sim um direito fundamental. Antes não tínhamos o controle sobre o espaço aéreo. Evo decidiu fundar uma empresa, a Boliviana de Aviación (BOA), que responde por quase 70% do mercado interno. E não para aí: temos agora o controle dos serviços aeroportuários, que estava em mãos de uma empresa espanhola”.
Navarro recorda, também, que a Bolívia não tinha o controle da energia elétrica. “O neoliberalismo se encarregou de privatizar as geradoras de energia, que nada investiam. Nacionalizamos nossas hidrelétricas e hoje a energia elétrica é um elemento vital, o que fará com que, a médio prazo, nosso país se converta em centro energético no continente”.
Industrialização e desenvolvimento tecnológico
Neste momento, defendeu o ministro, o governo Evo Morales investe para dar um sentido nacional às universidades. “Pela primeira vez, demos um sentido nacional à atividade produtiva e à atividade econômica e este sentido está trazendo um múltiplo desafio ao mundo acadêmico. Evo diz: vamos nacionalizar os hidrocarbonetos e vamos desenvolver a indústria mineira. Então olhamos para o lado e nos perguntamos se temos profissionais para desenvolver essa indústria”.
César Navarro lembrou que no seu departamento, o de Potosí, “histórica e tradicionalmente vinculado ao setor mineiro, estamos desenvolvendo a planta de Karachipan e não existe a carreira de metalurgia na universidade autônoma da região”. “Então os companheiros me dizem: queremos um gerente e um profissional potosino que dirija a fábrica. Concordo, mas o fato é que não há nenhum metalúrgico. Então qual foi o sentido de nação que teve o mundo acadêmico para formar profissionais voltados ao projeto nacional?”, questiona.
“Agora, nosso eixo principal é a formação universitária. Qualificar nossos recursos humanos para que homens e mulheres coloquem em prática nossos conhecimentos, ambições, sonhos, expectativas e experiências. Financiaremos, anualmente, a formação de 100 profissionais no exterior, entre mestres e doutores, para capacitarem-se em carreiras técnicas e desenvolverem nossas capacidades produtivas. É assim que vamos realizar a industrialização. E não vamos fazer estes grandes projetos sem homens e mulheres apaixonados pela pátria, que tenham um compromisso de vida com esse projeto.
‘Oposição pinta com suas cores as vitórias do povo’
Com data marcada para a população voltar às urnas (domingo, 12 de outubro), Navarro critica a campanha eleitoral dos candidatos conservadores. “Reverter o processo de nacionalização do recurso, que tantos resultados concretos trouxeram a vida dos bolivianos, é um suicídio político”, assinala. “Por isso que Samuel Doria Medina e Fernando ‘Tuto’ Quiroga têm se apropriado das bandeiras vitoriosas do governo, pintando-as com suas cores”.
Em 2006, Medina foi o primeiro a acusar o plano de nacionalização como inconstitucional, recorda. “Agora, fala que são patrimônio do país e prometem investimentos”. Navarro define o empresário do ramo de cimento, principal oponente de Morales no pleito de 2014, como “a expressão pura do servilismo aos interesses estrangeiros e do neoliberalismo latino-americano”.
Ele ainda lembra que Medina chegou a acusar Evo Morales de manter relações sexuais e ter engravidado uma adolescente de 16 anos, filha de uma funcionária pública, sem nenhuma prova ou fundamento. Acionado judicialmente, Medina voltou atrás. O exemplo, em seu ponto de vista, revela um caráter criminal da oposição.
‘Derrotas morais’ acanham mídia conservadora
Desde 2011, a Bolívia integra o rol de países sul-americanos que contam com regras para regular a comunicação e garantir mais democracia no setor. Para se ter ideia, antes da posse de Evo Morales, 99% do espectro radioelétrico – espaço por onde transitam os sinais de rádio e televisão – era dominado por empresas privadas. Atualmente, o espaço é compartilhado, de forma igualitária, com meios públicos e comunitários.
Foto: Felipe Bianchi |
Apesar do avanço e da notória ampliação das vozes na mídia boliviana (ele cita como exemplo a popularidade e a grande quantidade de rádios comunitárias, indígenas, mineiras e de cocaleros), o “braço midiático da direita” se mantém de pé. Se tem se acanhado, avalia, é por conta das subsequentes derrotas impostas à direita.
Em setembro, o jornal Página Siete acusou o Estado de ser o responsável pelo assassinato de uma criança, relata Navarro. “A manchete, garrafal, dizia: ‘Menina de dois anos morta em intervenção do governo’. Cobramos o jornal para que provasse, perguntamos quem era a menina, quais médicos a atenderam e tudo o que disseram foi que receberam a informação em um comunicado. Dias depois, desmentiram a própria informação, mas em uma nota de rodapé, bastante escondida. São irresponsáveis”.
Reprodução/Lidyane Ponciano |
Com o mesmo periódico em mãos, ele exibe a capa do dia 7 de outubro, que destaca a “surpresa” da chegada de Aécio Neves ao segundo turno no Brasil como um alento à oposição boliviana – as pesquisas de intenção de voto apontam mais de 55% a favor do atual mandatário, enquanto Medina, aparece com cerca de 16%.
“É verdade que, olhando as capas dos jornais, talvez não encontremos uma radicalização da oposição contra Evo, como acontece na Venezuela e até no Brasil. Mas isso é porque temos imposto seguidas ‘derrotas morais’ a esses setores, que são muito mais profundas que as derrotas eleitorais”, decreta.