“Há 32 anos, derrotamos uma longa ditadura. Hoje, digo aos jovens que sejam vigilantes desse novo tempo e protagonistas da vida cidadã em nosso país”. Foi com essa afirmação que Wilma Velasco, presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TER) boliviano, inaugurou oficialmente as eleições gerais de 2014. A cerimônia ocorreu na manhã do domingo (12) e contou com a participação do vice-presidente do país, Álvaro García Linera.
Por Felipe Bianchi e Mônica Fonseca Severo, de La Paz
Algumas horas mais tarde, no colégio Agustín Aspiazu, o candidato à reeleição pelo Movimiento Al Socialismo (MAS) falou à imprensa, logo após cumprir com o ato do voto. Linera convocou os bolivianos a participarem do processo “com alegria, entusiasmo e responsabilidade, pois o voto define a pátria que queremos”.
Álvaro García Linera exibe ‘papeleta’ antes de despositá-la em urna
“Quando a Bolívia está unida, ninguém nos para”, afirmou Linera. “Quando estamos divididos, todos se aproveitam de nossas debilidades, mas com um governo forte e uma sociedade mobilizada, o país se levanta”, complementou.
“Nossa querida Bolívia, que por tanto tempo foi maltratada e aparecia como o país mais pobre do continente, agora, aparece como um modelo de democracia, de economia, de Estado e de sociedade”, destacou. “Eu confio que os bolivianos, hoje, continuarão a validar esse otimismo e liderança da Bolívia na região”.
Embaixador boliviano no Brasil em 2010, José Alberto Gonzáles (conhecido pelo apelido de ‘Gringo’ Gonzáles) concorre como primeiro senador pelo partido oficialista e também esteve no colégio Agustín Aspiazu . “Quem vota contribui com um importantíssimo grão de areia no processo democrático que tanto nos tem custado. O Parlamento tem sido muito participativo e temos que tratar de aprofundar essa relação com os movimentos sociais, as juntas vicinais e todos os cidadãos bolivianos”.
Jornalista conhecido na Bolívia, Gringo opinou que o país segue um caminho promissor. “Lamentavelmente os governos anteriores não souberam sintonizar as necessidades da população e, sobretudo, da grande maioria dos bolivianos. Governaram para as elites, mantendo um esquema tradicional herdado das ditaduras”. Hoje, avalia, há um novo cenário e novas condições, que precisam ser aprofundados.
Repúdio ao suposto atentado contra Evo
Na noite de sábado (11), um boato sobre tentativa de assassinato do presidente e candidato à reeleição Evo Morales circulou de forma intensa pelas redes sociais e pela imprensa mundial. O suposto atentado, disseminado por hackers que invadiram a conta do canal Bolívia TV no Twitter, foi prontamente desmentido por Evo Morales.
Boato foi rapidamente reproduzido na Internet; Evo desmentiu na sequência. Foto: Twitter/Reprodução
Para García Linera, trata-se de um “atentado cibernético, parte de uma guerra suja para afetar as atividades eleitorais e que deve ser investigado”, insinuando, ainda, que a autoria seja da oposição conservadora.
Gringo Gonzáles também comentou o caso: “Infelizmente há incidentes, como este, mas que não representa a postura da maioria da população. São grupos marginais, produtos do nervosismo e da derrota. Não vingarão, pois o povo boliviano sabe defender a democracia, sabe o que custou conquistá-la”.
Juan Ramón Quintana: ‘Atentado não é contra Evo, senão contra a democracia boliviana’
O ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, foi duro ao rechaçar o episódio, classificando como um “atentado covarde não contra Evo Morales, mas contra a democracia boliviana”. Ele assegurou que haverá investigação e ressaltou a necessidade de setrabalhar em uma lei específica contra delitos informáticos. “Não só no campo político, mas também no campo financeiro e em casos de violação da privacidade dos indivíduos”, argumentou. “Espero que a próxima Assembleia Legislativa leve essa lei a cabo, em defesa da ordem pública”.
Democracia na boca do povo
Joaquim Gomes, 22 anos, estudante de comunicação social votou pela primeira vez para presidente. “Todo cidadão devia preocupar-se com o futuro de seu país e alguns jovens não dão importância ao assunto. Eu procurei saber qual era a proposta de cada candidato, fui a debates ao vivo. Durante a campanha eleitoral, no rádio e na TV, os projetos políticos tiveram pouco espaço e víamos mais ataques que propostas políticas”, relatou.
Para Maurício, 32 anos, estudante de sociologia que não quis ser fotografado, “desde Evo Morales esta é uma das melhores eleições, a mais organizada. Durante muitos anos vivemos sob ditaduras e governos autoritários, agora nossa sociedade é mais aberta, temos uma democracia mais ampla”. O chefe de segurança da seção eleitoral Agustín Aspiazu, Dante Jimenez, 54 anos , esclareceu que a contagem dos votos é efetuada no próprio local, logo após o encerramento das urnas.
“Temos 15 mesas em funcionamento, cada um delas acompanhada por um policial. Além disso, em cada local de votação do país temos um ou dois supervisores, que acompanham os trabalhos desde o início até o transporte dos votos, depois da contagem”. O militar esclarece que, além dos mesários e do policial, cada partido indica fiscais para acompanhamento da contagem. Este método possibilita que um resultado parcial seja divulgado aproximadamente às 20h do dia da eleição. O resultado final deve ser divulgado na manhã da segunda-feira (13).
Parte dos ‘veedores populares’, grupo de observadores internacionais ligados a movimentos sociais, Owana Madera, 54 anos, acompanhou uma eleição fora de seu país pela primeira vez. Junto com ela vieram mais 18 militantes da organização Casa Bolívar. “Tivemos uma capacitação para sabermos como se daria o pleito. Parece que os bolivianos investiram muito na transparência do processo e na orientação para que as pessoas saibam como votar. Ficou claro que eles buscam as condições para que fale a democracia”, declarou a militante.
“O que está acontecendo na Bolívia, com este governo eleito por voto popular que não serve aos que antes enriqueciam com o Estado, que se preocupa em construir a igualdade, é uma lição para nó, chilenos. O neoliberalismo nos deu um golpe terrível, vivemos um momento difícil. Viemos aprender, alimentar nossa esperança”, declarou a chilena. “É importante saber que é possível ter crescimento econômico para ampliar o bem-estar da maioria da população, pois vivemos em um Chile muito desigual, rentável só para uns poucos. Ver que outro modelo é possível nos dá força”, afirmou Madera.
O casal Nieves Larico (54) e Luiz Aquize (57), donos de um pequeno armazém na região da Plaza Albaroa, também votou no Agustín Aspiazu, onde Nieves fez uma foto abraçada ao vice-presidente Linera. De acordo com ela, o povo boliviano vive uma época de grandes mudanças. “Como boa boliviana eu também tenho que votar. Nossa vida tem mudado, somos mais livres. Eu, por exemplo, posso entrar em qualquer lugar com minha ‘pollera’ [saia típica das mulheres bolivianas, uma marca forte de sua cultura originária, um ícone cultural declarado Patrimônio cultural imaterial da cidade de La Paz em 2013.], muito diferente de como era antes. Posso ir ao Palácio de Governo, posso ir até um juiz, sou atendida e posso abraçar o vice-presidente. Com meu voto ajudo as mudanças a continuarem”.