Rubén: Confiança na vitória da luta pela verdade e a justiça |
Denuncia Rubén Villalba, sem-terra paraguaio condenado a 35 anos de prisão
Leonardo Wexell Severo, de Assunção
“O alvo do massacre de Curuguaty, em que morreram 11 companheiros camponeses e seis compatriotas policiais, sempre foi a reforma agrária. Como se viu e ouviu nos depoimentos, nas provas apresentadas pelos nossos advogados, foi uma ação planejada com o objetivo claro de matar. Daí a selvageria e a desproporção de forças utilizada contra nós. 230 policiais, com helicóptero e armas automáticas sofisticadas chegaram no acampamento onde estávamos 37 pessoas para fazer uma ‘averiguação’ sem apresentar qualquer documento. Franco-atiradores abriram fogo e se efetivou um despejo em favor da família Riquelme, vinculada à ditadura de Stroessner, que nunca foi dona daqueles dois mil hectares de terra. Com o sangue de inocentes falsificaram a história e derrubaram o governo de Fernando Lugo uma semana depois daquele 15 de junho de 2012. Transformando vítimas em culpados, querem que sirvamos de exemplo para todos aqueles que ousarem colocar em xeque o poder do latifúndio, da oligarquia e das transnacionais”.
Estas são palavras de Rubén Villalba, líder camponês paraguaio de 51 anos, pai de cinco filhos, injustamente condenado a 35 anos de prisão por juízes vinculados à oligarquia e ao narcotráfico. Um homem altivo, que diz sim à luta pela igualdade contra as injustiças, negando-se à morte em vida representada pela capitulação diante do inimigo de classe.
Como observador internacional do caso Curuguaty, já havia estado com ele inúmeras vezes, mas foi ao entrar recentemente na Penitenciária Nacional de Tacumbú, em Assunção, diante de tanto horror e desumanidade, que todos os pontos da exclamação de seu compromisso se tornaram mais visíveis.
Leonardo Severo visita os presos no presídio de Tacumbú |
Passado o ponto do raio x e das averiguações, caminho em meio a centenas de zumbis, gente que divaga sem destino com o olhar à procura de um ente querido naquele festivo dia de visitas. Alguns querem apenas se aproximar e tocar, no que são impedidos por um jovem que anda a meu lado oferecendo segurança. Ele pronuncia em voz alta: “Curuguaty”. É a palavra-chave que abre espaço no trajeto até o Pavilhão 7. Nele está o homem que, recrutado pelas forças armadas paraguaias, se negou a ser utilizado como instrumento de repressão contra o campesinato pobre e desertou aos 17 anos. Na sua “ficha corrida” ganha destaque o de ter sido membro de uma organização de base da igreja católica, da Federação Nacional de Camponeses e do Movimento Agrário do Paraguai, contribuindo na luta contra a concentração de terras e o poderio da oligarquia latifundiária. Atualmente integra o Partido Comunista Paraguaio, está preso em Tacumbú desde setembro de 2012, condenado recentemente a 35 anos de prisão por “homicídio doloso” e “associação criminosa” para “invasão de propriedade alheia”.
“Nunca planejamos crime algum. Nos organizamos e nos associamos de forma absolutamente legal junto ao Indert (Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra) para ter um pedaço de chão para plantar e colher. Afinal, as terras de Marina Kue são do Estado, foram doadas pela Industrial Paraguaya em 1967. Por que iríamos buscar confronto se buscávamos a efetivação da reforma agrária?”, questiona.
Conforme dados oficiais, o Paraguai é o país mais desigual do mundo em relação à concentração de terras, com 2,6% dos proprietários detendo 85% da terra cultivável. Parcela expressiva dos cerca de 40 milhões de terras agricultáveis, cerca de oito milhões de hectares, são as chamadas “tierras malhabidas” (griladas), que deveriam ter sido destinadas à reforma agrária, nos moldes determinados pela Constituição, mas que foram parar nas mãos de apaniguados da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), denunciam as organizações camponesas.
DEPÓSITO DE GENTE
Olhando os colchões que proliferam sobre as “habitações” com teto de zinco que nos cercam, Rubén explica que simplesmente não há local para todos neste deformatório, ainda mais cheio em tempos de crise. “As pessoas presas tinham que ter pelo menos cama, colchão e assistência médica, mas nem isso é garantido neste depósito de gente. Há pelo menos mil detentos jogados, precisando dormir pelos corredores, enfrentando o frio e a chuva porque o presídio está superlotado. A capacidade é de 1.600 presos, mas temos neste início de agosto mais de quatro mil. O pior é que mais de mil pessoas estão aqui em prisão preventiva, submetidas a todo tipo de degradação por três, quatro anos, sem terem sequer sido julgadas, acusadas de ter roubado um celular, uma bicicleta ou até mesmo uma galinha. Enquanto isso, os que roubam bilhões, os que lucram com o narcotráfico, os que concessionam e privatizam nosso patrimônio, os que vendem a soberania nacional, vão se enriquecendo cada vez mais. Isso dói a mim e a qualquer ser humano, é muita injustiça concentrada”, denunciou.
Veja ao nosso redor, aponta Rubén, “todos somos produtos do capitalismo, de um sistema que reproduz e aprofunda injustiças, de um governo dos empresários, da oligarquia, de latifundiários. São eles que produziram e continuam produzindo injustiças e desigualdades, o uso e abuso de drogas”. “Aqui temos privilégios para os ricos. Para o representante do Instituto Nacional do Indígena (Indi), Ruben Dario Quesnel, que roubou dinheiro público; para o ex-reitor da Universidade Nacional de Assunção (UNA), Friolan Peralta, que desviou recursos dos estudantes para políticos; para os narcotraficantes que se multiplicam hoje pela sociedade… Na prisão, quando essa gente vem, vai toda para o setor VIP, porque pagam muito bem para alguém”.
O líder ressalta que “as contradições do processo são gigantescas”. “Há depoimentos que dizem que sou o de camisa vermelha logo no início do ‘confronto’ e que faço o primeiro disparo no comissário Lovera, o chefe da política que teria sido supostamente o primeiro a cair. Nos depoimentos há declarações vagas a meu respeito, como ‘conheço Villalba apenas pela fisionomia’, sem ser taxativo na identificação. Mas o Tribunal interpretou de forma diferente, agindo claramente para me identificar e, com isso, me incriminar. Uma sucessão de mentiras e falsificações para vender a minha imagem como a de um perigoso terrorista. O que eu tinha na mão naquele dia era um porrete e nada mais. O companheiro Avelino Espínola, que foi assassinado, tinha com ele um bodoque e um facão. Mas ninguém foi ferido com facão nenhum, o mataram porque estava planejado”.
Movimentos fortalecem a pressão pela anulação do processo |
Sobre a suposta “emboscada”, Rubén ironiza o ridículo da argumentação e o absurdo da acusação, que também impôs pena de 20 anos a Luís Olmedo e 18 anos a Arnaldo Quintana e Nestor Castro. “Meu filho estava no acampamento. Derlis tinha três meses naquele momento e estava com a mãe, hoje já vai fazer cinco anos. Que ser humano iria planejar um confronto com uma força tão desproporcional tendo seus familiares, com bebês no local? Vale lembrar que nos encontrávamos em apenas 37 pessoas no acampamento naquele dia, entre as quais tínhamos mulheres, idosos e meia dúzia de crianças. Alguns dos companheiros que faziam parte da lista de 60 pessoas não estava ali porque tinha chovido muito e havia bastante umidade. Outros foram fazer visitas a um acampamento mais antigo, o Ibypytã”.
A verdade dos fatos, afirma o dirigente, é que assim que se viram cercados pelos efetivos policiais os sem-terra fizeram rapidamente uma reunião. “Na assembleia decidimos que se eles apresentassem um documento que provasse que as terras de Marina Kue eram dos Riquelme saíriamos de forma ordenada e pacífica, pois queríamos evitar qualquer tipo de ato de violência. Mas assim que chegaram, nos rodearam e começaram a disparar com armas automáticas. Logo fui baleado na cabeça e não lembro de mais nada. Aquilo tudo parecia um filme de terror”, disse. É importante recordar que todos os policiais foram mortos com armas de grosso calibre, automáticas, não encontradas com os camponeses, que tinham somente umas poucas armas para caçar coelhos e pequenos animais, completamente inúteis para uma confrontação, como apurado pelo próprio exame balístico.
SOFRIMENTO COLETIVO
Para Rubén Villalba, “não há tanta diferença entre os presos pobres e nós, presos políticos, não há um abismo. O que aconteceu para eles nos passou também, cada um sofrendo do seu jeito. Não há justiça para os jovens que, como podes ver, são a grande maioria que estão aqui dentro, pois temos um país onde não há saúde, não há educação e não há trabalho. O que há é drogas, por todo lado. Aqui dentro a situação é ainda pior. Tacumbú é um depósito de humanos”.
Estando há mais tempo no presídio, Rubén Villalba se encontra separado dos seus companheiros de Curuguaty que vivem no pavilhão da Pastoral Social. “Aqui no pavilhão 7 se paga 500 mil guaranis somente para entrar (R$ 300,00). Depois, para sobreviver, todos fazemos um pagamento diário, que não sabemos nem pra quê nem pra quem. Não temos nem ideia do destino. A comida é de péssima qualidade e pouca, o que faz com que haja gente comendo os restos no lixo dos que têm mais. É desumano, completamente degradante. Gente tão pobre que come nos mesmos potes em que faz suas necessidades”.
Para enfrentar as dificuldades, o líder camponês transformou sua cela numa cantina. “Comprei o espaço, com papel passado e tudo, com umas economias que tinha: 10 milhões de guaranis (R$ 6.000). Quando sair eu terei de vender, estas são as regras. Mas, por enquanto, é como me sustento, vendendo empanadas, tortas e bolos”, conta orgulhoso de sua independência econômica, acompanhado naquele dia da mulher e do filho menor.
Além da solidariedade de movimentos como o 138, da Argentina, em toda a América Latina, lembrou o líder camponês, há muitos apoios individuais de intelectuais e de pessoas da igreja no Paraguai que fazem crescer a onda pela verdade e a imediata absolvição dos presos políticos de Curuguaty. “É uma somatória que nos dá forças para continuar na luta contra a injustiça, que nos dá esperança para lutar e vencer!”.