Leonardo Wexell Severo
A confirmação pela “Justiça” do Paraguai da condenação dos 11 camponeses acusados pelo massacre de Marina Kue, em Curuguaty, onde foram mortas 17 pessoas (seis policiais e 11 trabalhadores sem-terra) no dia 15 de junho de 1012, revoltou a população do país vizinho. Às vésperas da data da carnificina, artistas, intelectuais e familiares das vítimas organizaram uma extensa programação na capital, Assunção, além de uma cerimônia ecumênica no local da tragédia, para exigir a libertação dos sem-terras, presos políticos do governo de Horácio Cartes.
O massacre foi feito durante a tentativa de reintegração de posse de uma terra pública, destinada à reforma agrária, que envolveu 324 policiais, tropas de elite treinadas pela CIA e pelo Exército dos EUA, fortemente armadas com fuzis, bombas de gás, capacetes, escudos, cavalos e até helicóptero. Do outro lado, 60 sem-terra, metade deles mulheres e crianças. Os negociadores de ambos os lados acabaram sendo vítimas de franco-atiradores, abatidos com tiros na cabeça, vindos do alto, o que precipitou o “confronto”. Manipulada pela mídia e pela oposição, a mortandade levou à destituição do presidente Fernando Lugo uma semana depois.
Após a confirmação da sentença pela Câmara de Apelações do Salto de Guairá, o advogado Jorge Bogarín anunciou que uma última apelação está sendo preparada para a Corte Suprema de Justiça (CSJ), “diante da série de violações do processo, totalmente viciado, focado exclusivamente na morte dos policiais”. “É um processo absolutamente contaminado desde as raízes, que obviamente tem agora os seus frutos também contaminados”, sublinhou o advogado. Exemplo disso, lembrou, é que a Câmara de Apelações demorou dez longos meses para se pronunciar diante do recurso apresentado pela defesa, quando pela lei paraguaia o prazo máximo seria de apenas 30 dias.
RUBÉN VILLALBA
Acusado de pelo menos quatro mortes, o líder camponês Rubén Villalba é uma das vítimas da grotesca armação judicial e da criminalização dos movimentos sociais: foi condenado a 30 anos de prisão, com mais cinco anos de “medidas de segurança”. “Não há qualquer correspondência entre as armas que foram apreendidas – garruchas velhas, atribuídas aos camponeses – e os projéteis de grosso calibre. Não houve autópsia dos corpos e a cena do crime foi completamente adulterada”, denuncia Jorge Bogarín.
A sentença também manteve a condenação de 20 anos para Luis Olmedo e de 18 anos para
Arnaldo Quintana e Néstor Castro que, junto com Rubén Villalba estão encarcerados no presídio de Tacumbú, em Assunção. Além disso, foram condenadas a seis anos de prisão Lucía Agüero, Fany Olmedo e Dolores López – que cumprem prisão domiciliar. Condenados a quatro anos, Felipe Benítez Balmori, Alcides Ramírez, Juan Carlos Tillería e Adalberto Castro ficarão em liberdade por já terem cumprido sentença entre 2012 e 2016.
No país vizinho, o mais pobre da América do Sul e um dos dez mais desiguais do mundo, as taxas de pobreza extrema são três vezes mais altas entre as comunidades indígenas e rurais. Tão somente 2% da população concentram 78% das terras cultiváveis, fundamentalmente destinadas à exportação (94%) – como a soja e o algodão transgênicos, altamente poluentes, direcionadas ao consumo de 60 milhões de pessoas mundo afora. Enquanto isso, pela “lógica” do agronegócio, 1,3 milhão de paraguaios passam fome – cerca de 20% da população – segundo a Oxfam, e a desnutrição vitima um em cada três locais.
BUENOS AIRES
Na próxima segunda-feira (11 de junho), em Buenos Aires, será lançado o livro “Curuguaty, carnificina para um golpe – O povo paraguaio em luta pela democracia e a soberania”, reforçando a solidariedade internacional pela imediata libertação dos presos.