Sánchez: “A libertação foi a decisão correta”

 

Ação da Procuradoria Geral do Estado contra os juízes Emiliano Rolón e Arnaldo Prieto, que se pronunciaram pela libertação dos camponeses, “não tem qualquer amparo na Constituição”
LEONARDO WEXELL SEVERO, DE ASSUNÇÃO
Integrante da Sala Penal da Suprema Corte de Justiça do Paraguai, que anulou a sentença condenatória e garantiu a libertação dos camponeses de Curuguaty, Cristóbal Sánchez qualificou de “insustentável” a ação movida pela Procuradoria Geral do Estado contra os juízes e de “inconstitucional” a perseguição movida.
Colega de magistratura de Arnaldo Prieto e Emiliano Rolón – ameaçados, a pedido da Procuradoria, de serem penalizados pelo Jurado de Julgamento de Magistrados (JEM) -, Sánchez afirmou que os juízes estão “com a consciência tranquila”. “Tomamos a decisão correta de libertar presos que já haviam cumprido a pena mínima e contra os quais não existiam provas para que fossem mantidos encarcerados. Sabíamos que julgar corretamente o caso do massacre de Curuguaty, apontar os inúmeros erros cometidos nos julgamentos de primeira e segunda instâncias, teria consequências. Afinal, Curuguaty derrubou um governo. Então era evidente que nossa decisão não ia cair bem”, frisou.

A carnificina em que morreram 11 trabalhadores rurais e seis policiais no dia 15 de junho de 2012 serviu para a realização de um julgamento político express que, com a participação dos grandes meios de comunicação, de setores do parlamento e do judiciário, levou ao impeachment do presidente Fernando Lugo uma semana depois.

Sánchez lembrou que embora a procuradora geral do Estado, Sandra Quiñónez, tenha solicitado que Arnaldo e Emiliano sejam julgados pelo JEM, esta é uma ação que carece de sustentação legal. “A Constituição estabelece que nenhum juiz pode ser julgado por suas opiniões jurídicas e as que eles emitiram são muito sólidas, muito bem fundamentadas, de um extremo rigor técnico. Ambos são professores de reconhecida capacidade. Aqui não houve mal desempenho nas funções, ninguém foi negligente ou corrupto”, acrescentou.
Perguntado sobre a razão de não ter sido incluído na lista inquisitorial da procuradora, já que fez parte da mesma Corte, Sánchez crê que foi poupado – mesmo tendo defendido a libertação dos presos – por ter se pronunciado para que fossem buscadas mais provas, o que trazia consigo a necessidade da realização de um novo julgamento.  “Pelo critério corporativo” utilizado pela procuradora, avaliou, Emiliano e Arnaldo precisam ser julgados por terem colocado um ponto final no processo.
SEM-NÚMERO DE IRREGULARIDADES
Apresentando um resumo dos fundamentos da anulação das resoluções do caso Curuguaty, Cristóbal Sánchez apontou um sem-número de irregularidades entre as quais “sentenças baseadas em perícias às quais sequer se deu a oportunidade da defesa participar”, mesmo constituindo “atos definitivos” e “irreproduzíveis”. “As mais relevantes de mencionar são a perícia sobre a revisão dos corpos dos policiais falecidos e a inspeção do lugar do ocorrido para a determinação de onde se encontravam exatamente os cadáveres”, frisou. Esta perícia já bastaria para assinalar a distância dos tiros e o calibre das balas, o que poderia comprovar a presença de franco-atiradores, que teriam matado com armas de grosso calibre tanto os camponeses quanto os policiais.
Leonardo Severo com o juiz Cristóbal Sánchez
Entre as inúmeras acusações sem pé nem cabeça,  o juiz ridicularizou a de que os camponeses teriam “invadido imóvel alheio’, bem como a omissão, sem nenhuma explicação, de provas apresentadas pela defesa de que o imóvel foi doado ao Estado, tendo sido designado para a reforma agrária conforme o decreto do presidente Nicanor Duarte no ano 2004”. “Também nunca se indicou na sentença qual era a localização geográfica ou em que lugar concretamente se encontravam os ranchos precários levantados pelos acusados”, informou. Sobre a ordem do que fazer no local, questionou o juiz, “o tribunal de acusação sustentou que os policiais deviam ingressar com uma ordem de ‘averiguação’, somente para realizar a identificação das pessoas, porém segundo declaração de todos os policiais o que precisava ser feito era uma ‘expulsão´. São contradições que não foram explicadas”.
E mais: o tribunal de sentenças – que condenou 11 camponeses a até 35 anos de prisão – apontou que havia um “plano preparado minuciosamente” sem nunca ter apresentado qualquer prova que sustentasse sua alegação, condenou Sánchez. Da mesma forma, sem qualquer base, aquele mesmo tribunal disse que os assentados haviam preparado “uma emboscada”, enquanto, na verdade, 324 policiais fortemente armados, vieram por dois flancos, para cercar 60 camponeses – entre eles mulheres e crianças. “Quando se fala em emboscada, logo pensamos em um tigre, um animal à espreita, mimetizado com a vegetação, aguardando para dar o bote na presa. Como isso seria possível com um helicóptero sobrevoando o local, um campo aberto, como ocorreu?”.
Diante de tantas e tamanhas incongruências e aberrações, Cristóbal Sánchez crê “não haver qualquer justificativa para que o JEM penalize os juízes Arnaldo Prieto e Emiliano Rolón, porque o pronunciamento de ambos sobre Curuguaty foi categórico, expressando um profundo conhecimento e uma honestidade exemplar”.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *