Luis Arce sublinha fracasso do neoliberalismo. Foto: Ernesto Andrade/HP |
O ministro da Economia e Finanças Públicas da Bolívia, Luis Arce, esteve recentemente em São Paulo onde deu entrevista à Hora do Povo. De forma incisiva, destacou como o “modelo econômico social comunitário produtivo”, baseado na recuperação dos recursos naturais, na nacionalização e na industrialização, tem feito do seu país o que mais cresce na região por seis anos consecutivos. Confrontando a cegueira da seita neoliberal, ditada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, Luis Arce mostra a diferença de “um modelo que prioriza as pessoas, prioriza o social, sem descuidar, é claro, do econômico”, compartilha conquistas como a redução da taxa de desemprego, o aumento do salário mínimo e a valorização da Previdência pública, que havia sido privatizada. Defende o direito do presidente Evo Morales candidatar-se em outubro e denuncia “a manipulação dos meios de comunicação, em prol da oligarquia e da direita, contra a sua reeleição”.
SUSANA LISCHINSKY E LEONARDO WEXELL SEVERO
Como se explica que a Bolívia, em um momento em que a maior parte da América do Sul está em recessão, seja o país que mais cresce na região?
Luis Arce com Leonardo e Susana (Foto: Ernesto Andrade/HP) |
A resposta está relacionada ao modelo econômico. Os países da América do Sul têm aplicado políticas neoliberais e a Bolívia, desde 2006, adota um modelo diferente. Um modelo que prioriza as pessoas, prioriza o social, sem descuidar, é claro, do econômico. Temos o maior crescimento entre os países da região, 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
A mudança de modelo foi fundamental. Temos o retorno ao modelo neoliberal, como é o caso do Brasil e da Argentina. A Colômbia sempre esteve nessa linha; o Chile, apesar da Bachelet, sempre esteve na linha neoliberal, e no Peru também não tem havido maiores mudanças.
O neoliberalismo, na realidade, é um modelo que diz que o crescimento econômico tem base na demanda externa, nas exportações. Então é preciso exportar para poder crescer. É por isso que a onda, em toda a América Latina, é que necessitamos gerar as condições para que o setor privado exporte mais e que, a partir disso, virá o crescimento econômico, puxado pela demanda internacional. E aí todo mundo está tentando vender aos Estados Unidos, à Europa, vender aos grandes mercados.
Mas nessa tarefa os países da região têm descuidado uma questão fundamental, que o nosso modelo enfatiza, que é o mercado interno, a demanda interna.
O nosso modelo parte da recuperação dos recursos naturais. Até alguns anos, a Bolívia era considerada um dos países mais pobres do continente. Porém, todos sabíamos que somos um país muito rico. É que a nossa história, como a de muitos países da região, é a história do saque dos seus recursos naturais.
Assim, em 2006, com o presidente Evo na liderança, demos um basta ao assalto que beneficiava a outros e decidimos recuperar nossas riquezas para nós mesmos. Essa é uma questão fundamental, uma diferença enorme com relação às políticas neoliberais.
Com a recuperação das riquezas, geramos excedentes e redistribuímos renda, onde a riqueza gerada pelos recursos naturais se distribuía à população por intermédio de bônus, o que tecnicamente se chama “transferências condicionadas”.
Para reduzir a mortalidade infantil criamos um bônus para as crianças, desde que estão no ventre materno. Além disso, as mães fazem exames de pré-natal e depois recebem apoio até os dois anos, com controle médico e assistência para que possam proporcionar boa alimentação, com segurança e apoio profissional.
Adicionalmente, temos o bônus Juancito Pinto. A Bolívia era um dos países que tinha uma das mais altas taxas de deserção escolar, que agora foi praticamente eliminada. As crianças que concluem o ano escolar recebem um prêmio econômico. Ninguém quer deixar de estudar.
Somos um dos poucos países no mundo – somente há quatro, e o único dos países emergentes -, em que o sistema de pensões e aposentadorias cobre 100% da população. Isso vem dos recursos naturais, do gás. Parte das vendas de gás se redistribui entre as pessoas, como uma renda universal. Então todo mundo, tenha contribuído ou não, tem uma soma de dinheiro que lhe serve de pensão. Junto com a Dinamarca, Suécia e Inglaterra, somos o quarto país no mundo que tem cobertura de 100% da Seguridade Social. A média da América Latina é de só 42%. Há países na América Central onde a cobertura fica entre 16 a 22% da população!
Arce com o presidente Evo Morales. Foto: Reprodução |
A Bolívia tem um sistema de aposentadorias híbrido. Por um lado, esta ‘Renda Dignidade’, como a chamamos, em que todos bolivianos com mais de 60 anos recebem parte da renda petroleira. Depois, nosso sistema de pensões também é muito sui generis. Porque contrariamente ao que acontece no Chile e em outros países onde tudo havia sido privatizado, onde tudo é administrado pelos Fundos de Pensão privados, na Bolívia recuperamos a Previdência pública. Primeiro recuperamos a contribuição patronal para o sistema de aposentadoria. Ou seja, adicionalmente ao que vem dos recursos naturais, o trabalhador contribui, o empregador contribui, e criamos um fundo solidário. Na medida em que as pessoas vão ganhando mais, contribuem com parte de seu ingresso para uma bolsa, em que ingressam todos esses recursos e se distribuem entre os que têm menos. Portanto, elevamos a renda, as aposentadorias dos que têm menos com este fundo solidário, somada à contribuição patronal e mais a contribuição do próprio trabalhador. Tudo isso soma, melhorando substancialmente as aposentadorias.
Existe um valor mínimo para as aposentadorias?
Sim. Neste momento o valor mínimo é de 4.200 bolivianos (cerca de 600 dólares), mais de duas vezes o salário mínimo, que é de 2.060 bolivianos.
Isso teria sido possível sem a nacionalização dos recursos?
Jamais. A Bolívia recuperou os seus recursos naturais, nacionalizamos os hidrocarbonetos e algumas minas. Algumas empresas que tinham sido privatizadas no período neoliberal foram retomadas, como a Empresa de Comunicação e de Telecomunicações. Temos recuperado várias empresas, e resolvido processos pendentes por causa da nacionalização. Agora empreendemos a tarefa da industrialização, que é o outro objetivo chave.
Nosso modelo, que chamamos de “modelo econômico social comunitário produtivo”, desenhado por Carlos Villegas e por minha pessoa, no ano 2005, quando o presidente Evo se candidatou à presidência, tem uma particularidade fundamental: é um modelo eminentemente redistributivo. As políticas de transferência de renda têm melhorado a capacidade aquisitiva da população, sua qualidade de vida, e gerado um aumento na demanda da produção de bens. O outro lado dessa distribuição é que parte desses recursos naturais também é investido em empresas públicas, proporcionando mais renda ao Estado e continuando o processo redistributivo.
Então, geramos mais produção com uma parte dos recursos naturais e geramos mais demanda interna com as transferências de renda. Com maior produção e maior consumo se fecha o círculo. Com cada vez mais demanda, temos mais produção; mais produção, mais demanda, e assim sucessivamente. É isso o que estamos fazendo agora.
Em 2014 o preço do barril baixou de 110 para 26 dólares e, apesar disso, a Bolívia continuou crescendo normalmente. Mas existem países que dependem tanto do petróleo que se paralisaram…
A oposição, durante os primeiros anos do presidente Evo, sempre dizia que estávamos bem porque os preços do petróleo estavam altos. Mas essa mentira ficou nua em 2014 quando os preços caíram – o preço do petróleo estava acima dos 110 dólares e baixou a 26 dólares. E justo nesse ano de 2014 a Bolívia recuperou o ritmo de 2009.
E quando todos diziam que pela queda dos preços não íamos crescer, não só crescemos como alcançamos a mais alta taxa de crescimento em 2014. Então diziam que isso era muita sorte. E crescemos em 2015, 2016, 2017, 2018. E a Bolívia continua tendo os maiores índices de crescimento da região. Assim ficou exposta a mentira da oposição, da direita, que insistia em que estávamos bem, crescendo, só porque os preços do petróleo e do gás estavam altos.
Não davam valor ao trabalho que tinha sido feito pelo governo, ao modelo econômico que mostrou que as coisas podiam ser feitas de forma diferente do que eles pensavam, e com melhores resultados. Não somente no econômico, mas fundamentalmente no social, porque hoje a Bolívia é o país da região que mais tem reduzido a pobreza, o país que mais tem reduzido o coeficiente Gini*, mostrando que estamos distribuindo melhor a renda. O paradoxo é que junto com o Brasil éramos os países com pior distribuição de renda em 2005. O índice de Gini do Brasil era de 0,61 e o da Bolívia de 0,60. Agora baixou – se não me falha a memória – a 0,58 o do Brasil, mas nós baixamos a 0,47. E estamos entre os cinco países com melhor distribuição de renda da região.
[* O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um. O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.]
Reduzimos o desemprego pela metade, de 8 para 4%. E continuará caindo. Somos o país que tem a taxa de desemprego mais baixa da região. Adicionalmente somos o país – com cifras não do Ministério de Economia da Bolívia, mas do Banco Mundial, insuspeito de querer nos beneficiar -, que mais tem aumentado a esperança de vida de sua população. E se isso fosse pouco, o mesmo BM publicou em sua página web um informe analisando todos os países emergentes e pobres no mundo. E de todos os países, a Bolívia é quem mais tem aumentado a renda dos 40% mais pobres de sua população.
Realmente, o processo redistributivo é o que melhor demonstra o crescimento econômico e o desenvolvimento da Bolívia.
Falamos muito da opinião pública e da opinião publicada. Ou seja, a diferença que há quando existe uma grande concentração dos meios de comunicação. Estamos acompanhando muito de perto tudo que acontece na Bolívia e quando a gente quer se informar sobre o seu país pode fazer de tudo, menos ler os jornais bolivianos.
Isso faz parte da luta ideológica existente e da proximidade das eleições de outubro. Claramente muitos meios de comunicação respondem à oligarquia boliviana e não fazem jornalismo de forma alguma, fazem campanha. Há várias formas de ver isso, perceber que não são equitativos. Por exemplo, o Banco Mundial e o FMI publicaram um informe onde baixam a expectativa de crescimento de muitos países, incluindo a Bolívia. Mas deixam o nosso país, mesmo com a redução dessa expectativa, em primeiro lugar. Qual a manchete desses meios de comunicação? “Banco Mundial reduz o crescimento da Bolívia”. Não dizem que, apesar da redução, continuamos sendo o país que mais cresce.
Outra questão é que, quando lhes convêm, tomam como fonte de informação as redes sociais. Quando há uma “informação” circulando, mas que todo mundo sabe que não tem sequer uma fonte conhecida, nem segurança, nem confiabilidade, muitos meios oligárquicos defensores do setor privado pegam e a publicam como sendo a opinião das redes sociais, como se aquilo fosse um fato comprovado. No nosso país enfrentamos esse tipo de coisas. Não há profissionalismo, não há ética. Por isso é que preciso sair da Bolívia para ver as melhores notícias sobre o nosso país [risos].
A semana passada estive em Washington, na reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, e lá fui entrevistado por vários meios. Aí foi quando muita gente começou a se informar. Estive no México e aconteceu a mesma coisa. Em outros países estão interessados no que acontece na Bolívia porque estão vendo os resultados e muitos não têm a cegueira dessa mídia da qual falei.
Na Bolívia, felizmente, não são todos assim. Há alguns que fazem jornalismo e informam, mas a grande maioria responde aos interesses dessa oligarquia, aos interesses dos candidatos que estão concorrendo contra o presidente Evo. São os que publicam esse tipo de informação deturpada. Hoje mesmo, estando aqui em São Paulo, pude observar tais meios. Sua tarefa é desinformar, gerar incerteza e temores na sociedade, dúvidas infundadas, esse é o jogo que a direita faz.
No meu país a direita tem uma lógica filosófica fundamental. Repetir mentiras para que essas mentiras repetidas virem verdade. A velha tática de Goebbels.
Retornemos à questão econômica. Como você assinalou, houve na Bolívia um processo de industrialização que não ficou atado aos resultados da exportação de recursos naturais. Como foi esse processo?
Com a recuperação dos recursos naturais, o país não podia ficar na velha exportação de matérias-primas. O primeiro que fizemos, então, foi industrializar o gás. Hoje temos uma fábrica de ureia. Do gás tiramos a ureia que é um fertilizante muito usado pelo setor agropecuário e que já estamos exportando. Depois vem a questão do lítio. A Bolívia está produzindo carbonato de lítio, cloreto de potássio, e agora fizemos um acordo com uma empresa alemã para produzir baterias de lítio. Com uma montanha de minério de ferro no sudeste boliviano, estamos construindo a Usina Siderúrgica de Mutún. Aliás, o Brasil tem do outro lado da fronteira um morro muito parecido, riquíssimo em ferro. Nós ainda não tínhamos tocado essa região e agora estamos explorando com uma empresa chinesa a produção de ferro e aço.
Também estamos investindo muito em energia limpa. Quando o presidente Evo assumiu não havia mais que algumas hidrelétricas antigas, instaladas nos anos 50 e 60 e alguma termoelétrica para geração de eletricidade. Hoje temos energia eólica, energia solar, estamos investindo em energia geotérmica e em novas usinas hidroelétricas. Queremos nos transformar em um provedor de energia na região e temos condições para fazê-lo. É o que estamos produzindo. O que acabo de mencionar são apenas investimentos públicos, de empresas públicas.
Também queremos melhorar a produção agropecuária porque temos aberto mercados na China e na Rússia. Em outras palavras, estamos nos transformando em um jogador importante no mercado de alimentos. Tínhamos certas condições que faziam da Bolívia o país com a menor taxa de produção agropecuária da região e hoje isso está sendo revertido. Há muitos bens de capital que o Estado está comprando, assim como o setor privado, graças uma política de tarifas zero. Assim, o setor privado também está gerando industrialização.
Outro setor que estamos promovendo é o turismo. Não havia uma estrutura turística no país, que agora, junto com o setor privado, está sendo construída para receber cada vez mais pessoas e melhorar a qualidade de recepção.
Em relação à melhoria da produção agropecuária, as parcerias com a China e a Rússia possibilitam a exportação de gado. Vamos abrindo espaço para sermos um forte exportador no setor alimentício da região. Vale lembrar que éramos o país de mais baixa capacidade agropecuária.
E a questão dos salários?
Para termos uma ideia da evolução, 65% da população em 2005 recebia salários baixos, 38% salários médios e o restante salários mais altos. A partir do processo redistributivo aplicado desde 2006, temos 35% na faixa salarial baixa e 65% na média para cima. Ainda existem cerca de dois milhões de pessoas na extrema pobreza, mas, conforme o presidente Evo disse, chegaremos a 2025 com a pobreza extrema zero. E alcançaremos isso impulsionando o nosso modelo redistributivo, fortalecendo a industrialização e a produção nacional.
Uma questão chave que temos visto é o investimento que o governo Evo tem feito na formação científico-tecnológica, em parcerias com instituições internacionais, para valorizar e ampliar o conhecimento de profissionais bolivianos.
Afora estas parcerias, todos os anos, o governo boliviano oferece 100 bolsas aos melhores estudantes para irem a qualquer universidade estrangeira se aprimorar nos campos que determine o Estado: tecnológico, petroleiro, hídrico, eletricidade. Áreas em que farão os seus mestrados, doutorados ou pós-doutorados com o compromisso de retornar ao país para contribuir nas empresas públicas. Nossa concepção é que não se pode compreender o mundo sem o investimento em novas tecnologias.
A Bolívia também está desenhando a sua cidadela tecnológica, está construindo seu Vale do Silício, em Cochabamba, que é um vale também. Hoje nosso país está exportando software e o faz por meio de empresas privadas e de forma muito isolada. Agora queremos reunir todos os cérebros jovens deste novo milênio para que possam produzir software e tenham a capacidade de desenvolver sistemas que possamos exportar.
E como enfrentar a agressividade especial e crescente vinda do governo dos Estados Unidos?
O primeiro ponto a ser destacado é que nem tudo o que fez o senhor Trump é mal. O de bom foi decretar o certificado de óbito à globalização. Quando começa a adotar políticas neoprotecionistas para os Estados Unidos e começa uma guerra comercial com a China, com os europeus, na verdade a globalização está agonizando.
Na parte política, vemos com muita preocupação os embates permanentes com a Venezuela, as declarações de guerra a Cuba e à Nicarágua, e nós sabemos que a próxima vítima será a Bolívia, porque adotamos uma outra política. No entanto, há uma diferença com nosso país: social e economicamente estamos muito bem, não há nenhum pretexto para que os Estados Unidos venham querer agir como quando a Doutrina Monroe estava vigente, quando podiam passear pela América Latina. Estamos bem, crescemos mais que os seus aliados na América do Sul, temos melhores indicadores econômicos. Não há nenhum pretexto, mas isso não quer dizer que vamos baixar a guarda.
Na semana passada o Senado estadunidense aprovou uma resolução condenando a nova postulação do presidente Evo. Isso é uma ingerência na política interna dos nossos países. Não agradamos ao senhor Trump, no entanto, para os olhos de todo o mundo, a Bolívia é um país que cresce, fazendo as coisas à sua maneira e não deveria receber a intromissão de ninguém. Há estabilidade social, há estabilidade política, há estabilidade econômica, e essas três coisas não se encontram juntas em nenhum país da região, exceto na Bolívia. Por que então ficar focado num país como o nosso? Acredito que tudo do que vai surgir e vai ser inventado daqui pra frente é porque não gostam deste país que está fazendo diferente do que determina a ortodoxia e está fazendo melhor, em tão pouco tempo. Há seis anos somos o país que mais cresce na região, que tem a maior distribuição de renda, que mais tem elevado a expectativa de vida. São tantos indicadores sociais que acreditamos não haver espaço para aquilo que argumentam e inventam para invadir. Claro que vemos com cautela as ameaças dos EUA, que longe de trazer tranquilidade à região, exacerba os conflitos.
E as eleições de outubro?
Primeiro é preciso esclarecer que a oposição no meu país argumentava sobre o referendo de 21 de fevereiro de 2016, que teria ganho o “Não à nova postulação do presidente” e que Evo não poderia se recandidatar.
Uma manipulação da mentira.
Uma mentira, exato. Nós chamamos o cartel da mentira. Porque estes mesmos meios de comunicação, estes mesmos jornalistas, são os que elaboraram e planejaram a mentira. Gente da oposição inventou tudo isso para fazer com que semanas antes da votação se divulgasse que, supostamente, o presidente Evo teria um filho com uma senhora envolvida em casos de corrupção.
No final se viu que a senhora realmente estava enredada em corrupção, mas que não tinha nenhum filho com o presidente, não havia tal envolvimento. Mas isso já havia prejudicado a candidatura, porque a notícia mostrando a mentira, esta informação saiu depois do referendo. Então ficou clara a manipulação midiática para que Evo fosse derrotado.
Este não era o único caminho constitucional para a nova postulação. Nossa Constituição estabelece que são garantidos os direitos humanos – uma da poucas da região que dá amplos respaldos aos direitos humanos -, entre eles os direitos políticos e o Acordo de São José de Costa Rica, que basicamente permite a repostulação. Isso foi o que se questionou ao Tribunal Constitucional e se pediu que fizesse uma interpretação. O Tribunal Constitucional analisou durante bastante tempo e aprovou uma resolução que dizia que, evidentemente, as pessoas têm o direito de se recandidatar a um cargo. Por isso, constitucionalmente, o presidente Evo está habilitado a se candidatar.
Aí vem o problema da direita, que obviamente sabe que se Evo disputa, ganha. Todos sabem. Por isso sempre vão argumentar coisas para tentar desprestigiar a eleição, depois vão inventar não sei o que para deslegitimar o processo. E quem vencerá não será o partido do governo, mas fundamentalmente o povo que está vendo obras que melhoraram a sua qualidade de vida. Cada vez é uma maioria mais ampla a que apoia o presidente.
Passaram-se 13 anos e a popularidade do presidente permanece alta. Não é como a de muitos presidentes da região em que a popularidade está no piso em poucos meses.
Como se encontra a oposição? Ela vem unida contra o presidente?
Ainda não sabemos. Depende de muitos fatores, que incluem os Estados Unidos. [Risos]. Mas no momento há vários candidatos, creio que muitos deles apostando no segundo turno, para que se unifiquem todos contra Evo. Esta seria sua estratégia. A nossa é vencer no primeiro turno, mostrando as obras e os resultados econômicos, sociais e políticos alcançados ao longo do nosso governo.
E a integração regional, como está?
Para nós é preocupante a situação de dois países fundamentalmente: Argentina e Brasil. Além de serem os nossos principais sócios comerciais, são países que têm muita influência na região. O recrudescimento da pobreza no Brasil pode ser vista. Lamentavelmente não necessitamos analisar estatísticas, como no caso do meu país, basta passear no final da tarde, nas ruas, em frente às igrejas, para ver as pessoas humildes colocando o seu colchão para dormir. É impressionante. Isso eu não vi isso no meu país nem quando nos encontrávamos na pior situação do neoliberalismo. Nem nos 20 anos em que o neoliberalismo esteve vigente tivemos semelhante pobreza crua como vemos hoje no Brasil. Na Argentina vemos como particularmente os idosos estão sofrendo. Dois países que se encontravam em pleno desenvolvimento e crescimento, em tão pouco tempo têm indicadores econômicos tão preocupantes. A Argentina com a inflação tão elevada, cerca de 50%, desvalorização de 100% em sua moeda, uma dívida externa extremamente alta. No Brasil uma dívida interna alta que vai se traduzir em “ajustes” orçamentários, como os jornais estão dizendo que será feito nas aposentadorias. Algo que do meu ponto de vista não virá para resolver o problema das pessoas, mas tirar o peso do pagamento das aposentadorias do Estado antes do que melhorar a qualidade de vida. Isso são receitas claramente do FMI, do neoliberalismo recalcitrante que temos vivido todos os países nos anos 80, 90 e parte dos 2000.
O que diz a experiência boliviana?
A experiência boliviana diz que quando se aplicam esse tipo de receitas não se leva a nenhuma parte e essa é a nossa preocupação com dois países irmãos, que são nossos dois sócios comerciais. Se o Brasil e a Argentina estão bem, nós também seguimos bem.
Em relação à Previdência, a Bolívia foi um dos 18 países que segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) enfrentou a herança neoliberal e desprivatizou a Previdência. Fale um pouco sobre isso.
No meu país quando se aplicou o neoliberalismo, essa lei dos fundos de pensão privados individuais, a capitalização, foi retirado o aporte patronal. Na nossa lei de aposentadoria há três fontes de financiamento, mas a ortodoxia diz que deve haver só o aporte do trabalhador, que esta deve ser a única fonte. O resultado é que na Bolívia havia pessoas que se aposentavam com praticamente nada. Hoje, para garantir dignidade aos nossos aposentados, invertemos esta lógica.